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Espaços transformados – na biblioteca do museu de Mineralogia de Antioquia e no II Simpósio Internacional de Arte Contemporânea

relato da palestra de Mabe Bethônico, por Thaís Gurgel


Na tela de projeção, uma seqüência de imagens em preto e branco mostra paisagens rochosas, datadas do século 19 e início do 20. A artista Mabe Bethônico inicia a leitura de um texto. “Em um país tão essencialmente rugoso e irregular como este, é de se esperar que a estrutura sólida de sua formação apresente fenômenos de composição química muito distintos e complicados em sua maneira de ser.” No sistema de som, ouvem-se ruídos de cascalhos sendo pisados. O espaço da sala se vê transformado. Envolto no ambiente criado pela artista, o público embarca em uma expedição pela região de Antioquia, na Colômbia, da qual tratam os fragmentos do livro recitado, Geografia General y Compendio Histórico del Descubrimiento y Conquista de Antioquia (1). A obra, de 1885, se apresenta como uma prova de que a mineralogia é mais do que descrição científica da composição de pedras. Conhecer a fatura humana e questões ambientais é imprescindível. 

Outras fotografias tomam a tela. Imagens de florestas exuberantes acompanham o teor do texto – “Uma virtude medicinal inquestionável: às vezes um aroma raro, em ocasiões de linda flor, e por fim, um fruto agradável.” Relações sociais, econômicas e políticas locais não escapam ao autor da obra nem à seleção visual feita por Mabe. Fotografias dos operários das minas da época são exibidas enquanto ela lê sobre o regime de privilégios sociais, o amor à pátria, à família entre outras considerações.  Descrições tão subjetivas como essas fazem pensar sobre o valor desse gênero de relato – característico de “cientistas exploradores” europeus que, principalmente no século 19, desbravavam (através de um filtro de idéias eurocêntricas) terras “exóticas” em continentes como a América Latina. É interessante recuperar a riqueza subjetiva empregada nesses textos?

A reflexão funcionou como um preâmbulo para que Mabe Bethônico contasse sua experiência em duas instituições: o Museu de Mineralogia da Universidade Nacional da Colômbia e a Biblioteca do Museu de Antioquia (Colômbia), de onde o material da apresentação fora retirado. Convidada pelo Museu de Antioquia a ativar sua biblioteca, a artista mergulhou em um acervo até então condenado à sina de “arquivo morto”. Oito dias foram necessários para que os funcionários encontrassem a chave da vitrine do local, que continha caixas de slides com registros geológicos (e humanos) da região doados por professores alemães no século 19 e início do 20 – por décadas ali trancados e esquecidos.
    
“As coleções dentro das coleções”
O conceito de coleção é o alicerce da pesquisa da artista. Um dos melhores exemplos disso talvez seja o trabalho em processo “O Colecionador” (desde 1996), em que Mabe propõe ensaios temáticos a partir de um arquivo pessoal de milhares de recortes de jornais, divididos em algumas categorias. A subjetividade dos critérios – que imprimem relações entre objetos por vezes muito distintos – é ponto-chave em seu trabalho.

No Museu de Antioquia, essa característica a levou a lançar luz sobre aspectos como a configuração das etiquetas de identificação dos minerais (sua forma de preenchimento, autor, localidade em que o material fora colhido), a origem de 474 caixas de papel utilizadas para armazenamento das pedras (“Pelo menos 20% deste volume chega ao museu através de doações de particulares, colecionadores que morrem ou perdem interesse por suas coleções”, ressalta a artista), os formatos e época de fabricação de 30 latas de óleo e azeite com etiquetas nas lombadas, entre outros objetos.

Todas essas diferentes coleções foram colocadas em exposição na nova biblioteca, fazendo das vitrines um local de apreciação e reflexão sobre a ação humana por trás da coleta de minerais. Constituiu-se, assim, uma apropriação artística de práticas museológicas – até então assépticas e distanciadoras no local.

Negociação e impacto
Foram oito meses de trabalho para encontrar propostas de apresentação do acervo do museu e transformar a biblioteca em local de encontro, de discussão e de aproximação com o conhecimento ali disponível. Outros materiais como um livro (em versão impressa e em áudio) e um website também foram propostos como meios de interação com o público. A organização arquitetônica do espaço sofreu uma revolução e o número de visitas semanais mais do que quintuplicou. A bibliotecária, que trabalhava no local há décadas, pediu aposentadoria. “Isso nos fez refletir sobre o impacto que esse tipo de intervenção pode causar. Não acompanhamos seus desdobramentos e nem podemos garantir se o “problema” seria resolvido ou se o efeito seria contrário”, afirma Mabe. A riqueza, assim, está no processo de negociação com a instituição, funcionários, visitantes. De ceder e de conquistar espaços conceituais. E ter em conta que esse é um processo permanente.

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O trabalho Caracteres Geológicos, produzido a partir de materiais do acervo da biblioteca do Museu de Mineralogia de Antioquia, está disponível em www.ufmg.br/museumuseu/caracteresgeologicos


(1)    ANGEL, Manuel Uribe, Geografia General y Compendio Histórico del Descubrimiento y Conquista de Antioquia. Colon, América, Medellín, Imprenta Del Departamento, 1892