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[margem] + [subterrâneo] + [desejo] = [espaço em rede]

Relato crítico da mesa A instituição à margem das redes de arte

29/10/2011

Por Ananda Carvalho

 

[Instruções] Este texto é organizado como um diagrama. Pretende-se enumerar elementos para que cada leitor costure a sua rede de pensamentos.

[elemento 1] espaço externo: María Inéz Rodríguez é a convidada virtual e concede uma entrevista em vídeo para Marcio Harum.

María Inéz Rodríguez é diretora do MUAC – Museo Universitário de Arte Contemporáneo da UNAM, na Cidade do México. Sua fala parte da ideia de museu como plataforma de pensamento para discutir possibilidades de ferramentas de comunicação com os mais diferentes visitantes. Procura estimular relações que aproximem artistas e públicos através de projetos capazes de ampliar o contexto acadêmico de um museu universitário para toda a comunidade. Também defende a flexibilidade dos museus: uma mistura entre exposições espetaculares com projetos pequenos e frágeis. Nesse contexto, pergunta: como criar um diálogo para que as pessoas possam ler as exposições?

É importante contextualizar que o trabalho de María Inéz expande espaços expositivos, que devem ser compreendidos pela inclusão do público. Entre as suas curadorias, destacam-se projetos que vão para a rua, como o Sueño de Casa Propia (2007, 2008), e a cocuradoria do Encuentro de Medellín Biennale (2007).  Um dos trabalhos desenvolvido nessa bienal é Tatuaje Botánico de Alberto Baraya. O artista propôs que aquarelas presentes no arquivo de um museu de Medellín fossem incorporadas aos catálogos de tatuadores do centro da cidade. Desse modo, as pessoas levavam o desenho no corpo, um museu andando pela rua.

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Figura 1: Registro do trabalho Tatuaje Botánico de Alberto Baraya. 

Imagem disponível em http://www.m3lab.info/portal/

 

[elemento 2] espaço online: Centre for the Aesthetic Revolution

Editado por Pablo León de la Barra, Centre for the Aesthetic Revolution  é um blog que segue o próprio princípio dessa mídia: uma espécie de diário. É uma instituição livre que questiona o que podem ser as instituições. Através de uma linguagem bem pessoal, são publicados os trabalhos, as diferentes práticas artísticas e as exposições que Pablo realiza e/ou visita. Seu objetivo não é ser uma revista de arte, e, sim, desenvolver redes alternativas de informação. Para Pablo, não interessa que seja um lugar de crítica, mas que seja um espaço de troca de ideias ao mesmo tempo que possibilite desenvolver um arquivo com a história dessas exposições.

Cristina Freire comenta a importância que o conceito de arquivo vem recebendo em discussões. Para pensar a ampliação do conceito de arquivo, em seu livro Arte Conceitual, Cristina propõe interpretá-lo como metáfora. A pesquisadora retoma a interpretação de Michel Foucault, que define o arquivo como “um dispositivo que não conserva coisas mas, antes, revela, mesmo que por fragmentos, um sistema de funcionamento e arranjo de ideias” (FREIRE, 2006, p. 73). Nesse sentido, pode-se pensar que, em meio aos milhares de blogs publicados na Internet, a margem emerge como história. Busca-se uma organização dos registros de alguma maneira para deixar um testemunho para o futuro.

[elemento 3] espaço interno: White Cubicle Toilet Gallery

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Figura 2: Registro do trabalho de Deborah Castillo, primeira exposição do White Cubicle Toilet Gallery em 2005. 

Imagem disponível em http://www.whitecubicle.org/ex/01/001-4.html

 

A White Cubicle Toilet Gallery acontece desde 2005 no banheiro feminino do pub George and Dragon, em Londres.  Segundo a apresentação do site do projeto, “mede 1,40 x 1,40m e funciona sem orçamento, equipe ou fronteiras”. Pablo, idealizador e curador do White Cubicle, fala que o objetivo é dar visibilidade para diferentes artistas de diversas identidades geográficas em Londres. O espaço inusitado traz interferências das pessoas e do tempo.

White Cubicle é um exemplo de como expor e desenvolver trabalhos de arte fora das instituições. Assim como o blog, apresenta uma transformação entre público e privado, conforme assinalou Cristina Freire. O diário e o banheiro se abrem como espaços de trânsito e visibilidade.

 

[elemento 4] entre o dentro e o fora: Casa Tomada

 

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Figura 3: Residentes do Ateliê Aberto #5 na Biblioteca da Casa Tomada. 

Imagem disponível em http://casatomada.com.br/site/?p=7066

 

A Casa Tomada é um espaço de discussão que desenvolve diversos projetos, entre os quais destaca-se a residência Ateliê Aberto, já em sua quinta edição. O programa propõe três meses de convivência entre seis artistas e dois pesquisadores. A seleção dos participantes enfoca a composição de um grupo híbrido, não um projeto específico.

A proposta concentra-se no processo criativo, no qual a troca entre os participantes é o mais importante. Segundo Tainá Azeredo e Thereza Farkas, criadoras da Casa Tomada, o projeto consiste num deslocamento do espaço cotidiano para a convivência, o estar junto. Elas incentivam o verbalizar através de workshops e visitas de artistas e curadores. Ou seja, a Casa Tomada é um espaço de discussão, não de exibição.

A experiência na Casa Tomada é uma constante via de mão dupla: o fora que vai para dentro e o dentro que vai para fora. Para Pablo, a importância na Casa Tomada reside no fato de se pensar como estar junto através da arte. Já Suely Rolnik, que estava na plateia, afirma que Tainá e Thereza dão forma a uma rede que está pulsando. Para mim, que atualmente participo do Ateliê Aberto #5, é um orgânico invisível que emerge nos processos criativos e nos acasos dos encontros.

[elemento 5]: instituição + margem + rede

Cristina Freire relembra que o museu (sobretudo nas críticas das vanguardas do início do século XX) sempre foi um lugar de ataque: era o espaço onde a arte seria abafada. Entretanto, a pesquisadora defende o museu, principalmente o universitário, como reservatório de imagens que o sistema de circulação hegemônico não pode fornecer. Os arquivos dos museus trazem o índice da história em contraposição à comunicação de massa, em que o tempo é o presente. Como exemplo de contraponto, cita a exposição que está em cartaz no MAC de São Paulo: Redes Alternativas. É interessante observar a configuração do conceito de rede nessa exposição (que apresenta Arte Postal enviada ao MAC nos anos 60/70). Essa produção evidencia a intenção de participação do artista na constituição de uma rede para a existência da arte. Demonstra também um caráter de confiança, na medida em que, muitas vezes, o artista não sabia o que iria acontecer com o trabalho enviado, nem aonde este iria chegar. Ou seja, constrói-se uma existência, porém com a possibilidade de ser fluida e efêmera.

[a rede – versão conceitual]

É importante retomar a amplitude do conceito de rede. Pierre Musso (2004, p.20) apresenta que “para sair de sua relação com o espaço físico, a rede devia, primeiramente, ser pensada como conceito para tornar-se operacional como artefato”. Nesse artigo, o autor desenvolve uma revisão do conceito de rede e destaca as abordagens de Michel Serres, Henri Atlan e Anne Cauquelin. A partir dessas contribuições, Musso define a rede como “uma estrutura de interconexão instável, composta de elementos em interação, e cuja variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento” (MUSSO, 2004, p. 31).

Cito também a definição de rede de Virgínia Kastrup. “(...) Nenhuma delas (as redes) pode ser caracterizada como uma totalidade fechada, dotada de superfície e contorno definido, mas sim como um todo aberto, sempre capaz de crescer através de seus nós, por todos os lados e em todas as direções” (KASTRUP, 2004, p.80).

 [a rede – versão prática]

Entre possibilidades de arquivos, reconfiguração de espaços físicos (o banheiro, a Casa Tomada, o MUAC e o MAC) e online (o blog de Pablo e o site da Casa Tomada), Suely Rolnik discute as ideias de território, território em rede, subterrâneo ou margem. E ressalta a importância das invenções a partir da demanda do subterrâneo, que está no desejo pedindo passagem. Suely sugere inventar as expressões: “grau de subterraneidade” e “grau de redibilidade”, ou seja, a indicação da quantidade de conexões da rede. Quanto maior for cada “grau”, melhor, mais criativo.

Nas possibilidades das visibilidades das bordas, na imersão do inesperado (invisivelmente esperado), como organizar os encontros na saída do subterrâneo? A mesa termina com a discussão da economia da amizade, talvez uma resposta para a pergunta anterior.

Se a rede cresce através de seus nós, o conceito de compartilhamento também ressoa pela mesa. Construir relações, criar comunidades, possibilitar redes são comportamentos inerentes à constituição humana como sociedade. Resta desenvolver potências criativas, diálogos expressivos, desejos vividos. Ou seja, arte.

 

Referências bibliográficas:

FREIRE, Cristina. Arte Conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 

KASTRUP, Virgínia. A rede: uma figura empírica da ontologia do presente. In: PARENTE, André (Org.). Tramas da rede: novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2004.

MUSSO, Pierre. A filosofia da rede. In: PARENTE, André (Org.). Tramas da rede: novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2004.