Máscaras, a cultura do “outro” e a intensificação da política
Relato crítico do seminário Políticas da imagem, Paço das Artes, 24/11/2012
Por Lila Silva Foster
“Usar máscaras, pintar ou tatuar a pele são maneiras encontradas pelas pessoas para indicar que os humanos diferem da natureza. A máscara, assim como a arte em geral, nos separa da natureza, ela cria uma identidade tangível, uma cultura. Os limites culturais de um indivíduo são muitas vezes transcendidos, com o intuito de investigar outras vidas e outros cenários culturais.”
Cartela de “Filmes perdidos”, de Clemens von Wedemeyer, também reproduzida no jornal Material Fílmico no.4, parte integrante da exposição The fourth wall [A quarta parede]
O seminário Políticas da Imagem debateu um conjunto de questões em torno da exposição The Fourth Wall [A quarta parede], do artista alemão Clemens von Wedemeyer (Paço das Artes, 2012) e da mostra Cinema Perigoso Divino Maravilhoso (MIS - Museu da Imagem e do Som), que teve a curadoria de Graziela Kunsch, também mediadora dos debates.
O ponto de partida da exposição de Wedemeyer é a história dos Tasaday, uma população indígena que vivia isolada do contato com o homem branco, e a sua descoberta por antropólogos, em 1971, evento que teve enorme destaque na mídia e nos meios acadêmicos. Para prevenir a expropriação do território dos Tasaday, uma reserva foi criada para que a cultura desta população se mantivesse irretocada. Quinze anos depois, um repórter investigativo voltou à reserva e encontrou essa mesma população vivendo como os homens brancos. A divulgação das imagens dessa transformação gerou desconfiança sobre a primeira descoberta não passar de uma encenação. Estas imagens provocaram grande repercussão midiática, desestabilizando, inclusive, paradigmas da antropologia. Seria a encenação dos Tasaday sinal de um desejo de recriar uma cultura pura, mais real?
A exposição The Fourth Wall é resultado de um esforço e rigor imenso na coleta de fotos, de livros, pesquisas, reapropriações do mito do primeiro contato através de sua reencenação no teatro e no cinema, tomando como ponto de partida os Tasaday, a questão da alteridade e de sua dimensão simbólica. Um texto somente não daria conta da infinidade de questões levantadas e da complexidade pela qual a pretensa separação entre a realidade e a sua representação, simbolizada pela ideia de quarta parede, nos é apresentada. Muitos são os registros, imagens, filmes, depoimentos e vozes falando de diversos lugares e de formas distintas assim criando um tecido cada vez mais difuso, suspendendo o nosso juízo e desvelando o quão complexo e variado é o estatuto da imagem.
Um trabalho central da exposição é o filme Found Footag sobre o movimento da antropologia e do homem ocidental em direção à descoberta do outro, ao desbravamento do desconhecido. O filme foi feito a partir de materiais de arquivo das mais variadas fontes, como matérias jornalísticas, filmes de ficção, documentários, filmes institucionais, programas de TV, fragmentos de imagens provindas de fontes e tempos diversos. O cinema, a fotografia, a imagem capturada mecanicamente se define claramente como a nossa identidade tangível, o nosso traço de cultura, a nossa máscara. A representação através do cinema foi central no debate sobre a relação com o “outro” - a população indígena - e a sua (auto) representação, tema também presente na mostra Cinema Perigoso Divino Maravilhoso. A questão da alteridade, da representação e da relação com o outro permearam os debates e, de acordo com a curadora e mediadora Graziela Kunsch, o uso do termo “outro” entre aspas no programa de apresentação do seminário foi para lembrar que o “outro” é sempre uma construção conceitual. E que se pode haver um gesto colonizador e/ou preconceituoso ao chamar o diferente de “outro”, podemos também pensar no lado bom da alteridade, na busca de uma relação que seja comum.
Debate 1
Representação do “outro”: representação / autorrepresentação / o “outro” como uma construção conceitual
Beatrice von Bismarck, professora e curadora da Academia de Artes Visuais de Leipzig, iniciou a primeira parte do seminário focando sua análise na obra de Wedemeyer e em trabalhos realizados em museus com materiais de arquivos, a partir de três eixos: o status da imagem nos espaços expositivos; a ideia de arquivo e a metodologia aplicada na organização de documentos e na sua exposição; e a importância do trabalho ativo do curador na tessitura da relação entre sujeitos e objetos no espaço das exposições. O arquivo será tomado aqui como espaço de conhecimento e seus diversos níveis de significação. Como reapropriar, por exemplo, a documentação de um fato real? Ou como filtrar as camadas de preconceito sob as quais esses documentos e objetos foram engendrados?
Neste movimento de reapropriação dos objetos-máscaras do passado, carregados da ideologia do seu tempo, artistas, pesquisadores, curadores e instituições os tomarão como esse outro distante no tempo, pronto para assumir uma nova função através de um trabalho ativo de recontextualização. Como exemplo, Bismarck cita o trabalho de reestruturação de museus que lidam com a cultura visual dos bens coloniais, como o Museu Real da África Central da Bélgica, também conhecido como The Africa Museum. Criado pelo Rei Leopoldo II no final do século XIX, o museu visava promover o Congo, antiga colônia belga. O acervo inclui a coleção de Henry Morton Stanley, jornalista e explorador contratado por Leopoldo II para a conquista do Estado Livre do Congo, colônia pessoal administrada pelo rei belga com enorme violência. Dentre os escritos de Stanley está o livro My Kululu, Prince, King and Slave história ficcional desenvolvida a partir da sua experiência no solo africano. Dentro de uma tradição de erotização da África no século XIX, o livro fora inspirado por um personagem verídico, Kululu, um menino africano “adotado” por Henry M.Stanley e que o acompanhava em suas viagens pela Europa. O vocabulário fotográfico dos cartões e das fotografias de Kululu e Stanley e a ficcionalização em My Kulu expressam a visão colonialista vigente no final do século XIX, uma realidade preconceituosa e violenta cujo espaço do museu expõe, mas não questiona. Sua estrutura e acervo, composto por objetos etnográficos, animais estufados, instrumentos musicais e documentos também trazem marcas da exploração colonial que devem ser revistas e reexpostas, trabalho crítico que inclui repensar o espaço expositivo, a arquitetura e a relação entre os espectadores e as obras, projeto em andamento no Museu Real da África Central.
Sem negar a importância documental destes objetos e coleções, cabe aos museus e galerias tecerem relações que permitam a sua compreensão assim como o seu questionamento. Como máscaras culturais de um determinado período, recontextualizar esses objetos preconceituosos e a projeção do ocidente sobre culturas orientais também é o princípio de uma obra em um museu em Leipzig no qual fotografias antigas da etnia Adivasi são comentadas por integrantes da própria etnia. Para Bismarck, a política da imagem se centra na tentativa de estabelecer relações mais participativas entre obras e sujeitos, algo alcançado, por exemplo, pela estrutura expositiva de The Fourth Wall. Bismarck também destacou o papel fundamental dos curadores na politização dos espaços dos museus criando novas formas de lidarmos com a memória e a lembrança.
Antropóloga com longa experiência no Laboratório de Imagem e Som em Antropologia da USP (LISA) e trabalho dedicado à autorrepresentação indígena no cinema, Paula Morgado pautou questões sobre a alteridade perpassadas pelo crivo da tradição teórica da antropologia. Historicamente, a interpretação e a tradução do outro assumiu diversos estatutos, desde a crença numa relação simétrica entre representado e representante, passando pela construção do imaginário do bom selvagem ou pela ideia oposta de barbárie, quase sempre relações projetivas que diziam mais sobre os homens brancos do que sobre a população indígena. O trabalho de campo assumiu uma importância fundamental unida à compreensão de que a representação do “outro” também é uma ação imaginada. Na descrição da cultura do “outro” há sempre camadas de ficcionalização.
Destacaria da fala de Paula Morgado a importância de compreender a cultura como permanente mudança e como a apropriação das mídias digitais e do audiovisual por diversas tribos e etnias indígenas não significa a perda de identidade cultural. A internet e o vídeo foram incorporados como ferramentas importantes na integração entre tribos. A função de registro também marca as produções de diversas tribos indígenas que utilizam o cinema como uma forma de preservar e compartilhar conhecimentos que, com o desinteresse dos jovens ou o processo violento de desterritorialização, correm risco de desaparecimento. Menos do que uma marca de aculturação, a utilização do cinema, do vídeo e de outras plataformas como a internet dão continuidade e ajudam na transmissão cultural que antes se dava pela oralidade, conjugação que colabora e intensifica a urgência na luta pela sobrevivência cultural. Paula Morgado destacou que esta produção pautada pela sua função mnemônica e a reencenação dos mitos parece ter uma melhor recepção em comparação às produções ficcionais, filmes que nos últimos anos têm circulado em diversos festivais, com reconhecida acolhida do público e da crítica de cinema. Ela citou como referência o filme As hiper mulheres (Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro, 2011), ganhador do Festival de Brasília de 2012, que tem a sua força motriz na reconstrução dos cânticos de um ritual exclusivamente feminino e tem na sua forma uma mistura, ou falta de separação, entre ficção e documentário.
Debate 2
Relação com o “outro”: distância - proximidade / o reconhecimento da distância como condição de toda relação / bem comum
Em 2008 escrevi um texto para a revista eletrônica Cinética chamado “A captura da imagem”[1]. Ele versa sobre filmes que chamaram a minha atenção no ano de 2007 e que traziam como eixo central a questão indígena e sua representação: Serras da desordem (Andrea Tonacci, 2006), Terra vermelha (Marco Bechis, 2008 - filme dedicado à luta dos Guarani-Kaiowá) e curtas-metragens produzidos pelos povos Kiukuro, Huni Kuî e Panará, lançados na caixa de DVDs Cineastas Indígenas, do projeto Vídeo nas Aldeias. O que me mobilizou foi perceber como tais filmes se apropriavam, cada um a sua maneira, do cinema e da imagem como forma de se pensar e de se agir politicamente. Sempre tive muita insegurança em relação a esse texto porque me sentia lidando com conceitos e ideias que tinha mais questionamentos do que certezas, sendo a pergunta principal: Afinal, o que é a política? Quase cinco anos depois, este texto me trouxe até aqui.
O cinema pode ser de fato perigoso, divino e maravilhoso e tais filmes nos acompanham como foi o caso dos que escrevi há cinco anos. Nunca consegui explicar ao certo como Serras da desordem, que se valia de tantos tipos de registro – a encenação em preto e branco do início, as reportagens jornalísticas, a câmera documental –, podia questionar tanto o estatuto da imagem (a imagem como um eterno falseamento), não se desvalidar como potência política e se aproximar tanto da verdade/realidade de uma época (e, sendo superlativa, a realidade de uma nação). Também nunca consegui abandonar a ideia de que falar sobre a questão indígena e dos filmes dos coletivos do Vídeo nas Aldeias me lançava sempre e invariavelmente num espaço de alteridade, de desconhecimento. O que afirmar diante de um “outro” que mal conheço? Como criar um diálogo neste espaço da diferença? O que a segunda parte do seminário Políticas da imagem me trouxe foi um entendimento de que o contato entre brancos e índios, o “eu” e o “outro”, não é necessariamente uma relação entre opostos. As falas e o trabalho das professoras Shirley Krenak, escritora e militante da causa indígena, e Rosângela Pereira de Tugny, antropóloga e musicóloga dedicada à pesquisa dos cantos do povo tikmû’ûn, me trouxeram uma nova perspectiva diante dessas questões.
Shirley começou a sua participação entoando um canto da cultura Krenak. Todos ficaram de pé e, quase que naturalmente, muitos cruzaram os braços. Percebendo essa reação, Shirley Krenak pediu para que as pessoas soltassem os braços. Forçar esta abertura foi importante porque, em contraste com as falas anteriores, era preciso estar aberto para compreender uma fala que incentiva outra postura diante do tema em debate. Shirley Krenak nos contou sobre a sua trajetória, a importância do pai na sua formação e o trabalho com a artista Maria Thereza Alves, cujos filmes Exibição masculina entre populações europeias (2008) e Iracema (de Questembert)[2] (2009) fizeram parte da mostra Cinema Perigoso Divino Maravilhoso.
Shirley Krenak também narrou sua experiência como professora de História na rede pública de Governador Valadares, Minas Gerais, ressaltando o trabalho e a dificuldade primeira em conseguir a atenção de seus alunos, jovens em meio a um cotidiano violento e permeado pelo uso de drogas. O seu primeiro passo foi falar de si, do lugar diferente de onde veio, chamando a atenção de alguns, fazendo da diferença uma afirmação. Outra questão fundamental era como ensinar a outra história do Brasil, aquela que não perpetrada pela classe dominante. Como lidar com o mundo real das instituições e suas ideologias? Narrar, vivenciar, experimentar esse espaço sempre constitutivo de alteridade aponta para diversas limitações, como a limitação das instituições e da verdade material de cada um. Mas é a partir desses limites que se estabelece os espaços de luta, como conseguir registrar no cartório o nome do seu filho conforme a língua dos Krenak e não uma adaptação à língua do homem branco, caso do seu nome Shirley.
A materialidade da vida de Shirley Krenak tomou forma pela narrativa sobre o mito sobre a origem do povo Krenak (Kre = cabeç, Nak = terra, fruto), os seus ancestrais, o seu tataravô, uma relação com o passado que é sempre uma presença resumida na frase sobre o seu antepassado: “Ele foi, ele é”. E “Tudo é presença, atualização”. É de fato outra maneira de pensar, de simbolizar a relação com o mundo, mas isso não se estabelece como um limite. A materialidade também é importante para demarcar que a afirmação da sua cultura, via experiência própria, não está desatrelada de uma luta maior por reconhecimento, de uma vida imersa na política. Durante sua fala, a relação de alteridade vai se transformando e dando espaço a uma relação de aprendizado intenso.
Tive a mesma sensação com a fala da musicóloga e pesquisadora Rosângela Pereira de Tugny sobre seu trabalho junto à comunidade Maxakali, uma população de 1.600 pessoas atingidas pela fome, falta de terras, homicídio e alcoolismo. A fragilidade, porém, não é capaz de diminuir a força de uma cultura que possui doze rituais, um para cada espírito específico, cantos sobre 33 espécies de abelha e cantos guerreiros. Existe ali uma forte necessidade de não apagamento desta tradição. O trabalho da musicóloga sintetiza um percurso de verdadeira compreensão e trabalho conjunto com “outro”. Essa troca, no entanto, não significou a ausência de dificuldades. A antropóloga relatou as condições precárias, a dificuldade de acesso à região da tribo Maxakali, a dificuldade na adaptação física e a necessidade de levar alimentos para a tribo e não somente para o seu próprio sustento. Os índios pediam muitos alimentos, mas tal relação de troca, no entanto, não tinha um estatuto meramente material. A partir do contato mais próximo com os Maxakali, Rosângela entendeu que a insistência em pedir alimentos significava outra troca, era preciso comer para poder cantar, e essa seria a sua contribuição. No contato com o outro, a comunhão passa pela compreensão de outra forma de simbolizar relações. Rosângela de Tugny também ressaltou como os Maxakali percebem o homem branco como “somente uma parcela muito pequena dos outros com os quais eles convivem”. Enquanto nós percebemos as coisas como objetos, mantendo a separação entre o sujeito e os seres, os Maxakali possuem um pensamento relacional e lidam com as coisas como sujeitos de relação: “O que é ser um corpo minhoca? Um corpo gavião?”
Esta outra maneira de simbolizar as relações ficou evidente com a projeção do vídeo-registro trazido por Rosângela de Tugny, material produzido durante o encontro entre técnicos e funcionários da Funai com os Maxakali para discutir a situação da tribo. Antes de começar a conversa, o líder da tribo traz troncos de árvores. No centro desses troncos vivem lesmas que eles usam como alimento. O líder separa as lesmas e começa a servi-las. É uma condição para o trabalho conjunto que o homem branco também coma a sua comida: “quem não come da nossa comida, pode ir embora”. Alguns comem as lesmas, outros se recusam. Sem a transcendência deste limite cultura, a troca não é possível.
O trabalho com o vídeo junto à comunidade Maxakali também gerou um dos filmes mais impactantes que vi nos últimos anos e que, segundo comentário de Graziela Kunsch, foi o filme que a inspirou a intitular sua mostra como “CINEMA PERIGOSO DIVINO MARAVILHOSO”: Tatakox de Vila Nova (2009), dirigido por Guigui Maxakali. O filme registra um ritual fúnebre, apresentando um universo simbólico estranho de ser compreendido pelos não-índios exatamente pela diferença, pela novidade em condensar outra visão de mundo expressa pelo cinema. No vídeo, os homens da tribo cantam e se movimentam o tempo todo enquanto dois meninos mortos são carregados. Eles levam os meninos até as mulheres que, no momento que são tocadas, começam a chorar. É possível pensar que estão encenando, ficando a dúvida se o choro é verdadeiro ou se é uma parte do ritual.
Durante o debate surgiu a questão da encenação dos mitos em diversos filmes indígenas, um tema constante em produções de oficinas e no trabalho coletivo de produção de filmes entre cineastas indígenas e não indígenas. O debate, no entanto, mantinha a nossa visão dualista: real x artificial, falso x verdadeiro, como se a encenação estivesse permeada por uma sensação de falseamento. Rosângela de Tugny observou que para a simbologia indígena a construção da artificialidade é constitutiva e que deveríamos abandonar a preocupação com o real e pensarmos em termos de uma intensificação do real. O choro pode ser encenado, mas existe uma hora certa para chorar, uma hora em que o choro é mais verdadeiro. Dar-me conta de que no cinema também devemos pensar menos em o que é documentário, o que é ficção, o que é artifício, mas sim, em como a nossa percepção da realidade é intensificada através dos filmes, me fez entender porque certos filmes me acompanham. Não importa o artifício de que se valem, o cinema é uma máscara através do qual engendramos a nossa cultura. A verdade não está numa forma menos ou mais artificial, ela não é dada a priori, somente depois do contato, da abertura ao outro. Existem filmes que nos dispõem a alterar nossa visão das coisas, que nos deslocam e intensificam a necessidade de aprofundar a nossa compreensão do mundo/outro, a necessidade de mudança. Intensificação do real, intensificação da verdade, intensificação da política.
[1] Foster, Lila. A captura da imagem. In: Revista Cinética. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/indioslila.htm.
[2] Nos dois filmes Shirley Krenak é a atriz principal. No primeiro, interpreta uma antropóloga que entrevista um homem branco europeu tentando entender um hábito da cultura masculina. No segundo, Iracema de Questembert é uma índia que viaja para a França e descobre uma herança deixada por seu pai francês. Autoridades francesas tentam reaver as terras deixadas para essa “selvagem”, mas Iracema resiste, cria um centro cultural com o seu nome e discursa em defesa da sua etnia no Fórum Social Mundial. Nos dois filmes, o “outro” é a cultura não-índia e a mulher indígena ocupa o espaço de centralidade e poder do homem branco: uma antropóloga, uma dona de terras. Nessa inversão fica evidente a camada de pré-concepções e preconceitos que mantemos em relação à população indígena, sua objetificação e o estabelecimento de relações desiguais de poder.