Práticas de arte pública site-specific
Segundo Guilherme Wisnik, curador da mostra
Margem, o projeto de curadoria constitui-se
pelo mapeamento e processo interventivo, sendo os rios os articuladores deste
projeto que pensa o Brasil litorâneo. Durante sua fala destacou as relações do
projeto Margem com os de Land Art dos anos 1970,
diferenciando-os; pois no caso dos projetos norte-americanos havia a
necessidade de se intervir em regiões remotas e fronteiriças. No caso do
Margem existe a preocupação com um dentro, o que Wisnik chamou de dobra
interna das cidades brasileiras e com as noções frágeis de arte-pública, dada a
difícil relação esfera pública nas mesmas, por sua indeterminação. Para este
projeto artistas foram convocados a pensar sobre o estado atual das cidades
brasileiras e suas relações com as margens dos rios. Para Wisnik este projeto coloca-se sob a
perspectiva de uma ótica marxista, pois pretende explorar o que vem se
modificando na relação das populações com os rios das bacias hidrográficas do país,
de acordo com a lógica dos complexo turísticos que vem se instalando e
expulsando esta mesma população. Para ele, como conclusão imediata, podemos
pensar que as cidades brasileiras crescem de costas para os rios.
Como mediador da mesa, Jorge Menna Barreto construiu uma fala sobre as pulsões das práticas artísticas que se colocam sob a perspectiva de um lugar, território ou mesmo sob a produção da relação arte-urbana e esfera-pública. Menna Barreto trabalhou em sua fala uma reflexão a respeito das práticas site-specific em arte e suas relações com os sentidos de esfera-pública. Tratou do duplo sentido que este termo carrega.
A fala dos artistas iniciou-se com a de Hector Zamora, que apresentou diversos registros de suas incursões sobre o Rio Tietê. Dentre as imagens que fazem parte de um mapeamento inicial de sua pesquisa em desenvolvimento, chamou-me atenção a de um piscinão utilizado pelos moradores locais para o seu tempo-livre, uma espécie de “praia” ao lado da Avenida do Estado. Imagem que remetia a um lugar que não parecia São Paulo, mas tampouco qualquer lugar de beleza idílica. Esta me pareceu uma imagem que configurava as relações dos sujeitos com a cidade, numa relação de tempo-livre tão cara e inviável a uma megalópole. A lagoa artificial, o Parque da Barragem é um projeto da Prefeitura de São Paulo.
Ana Maria Tavares apresentou um projeto permeado pelas relações discursivas da arte-pública com as cidades. Foi a meu ver a única artista que partia do pressuposto das funções da arte e os usos que são feitos da mesma na produção de projetos no contexto urbano, no sentido de discussão da esfera pública. A artista produzirá seu projeto em Porto Alegre, relacionado ao Rio Guaíba. Tavares apresentou como primeiro mapeamento e pesquisa, imagens de um projeto chamado LIAU (Laboratório de Inteligência para o Ambiente Urbano) e suas relações com o doutor pela UFRGS na área de geociências, Prof. Roaldo Menegat. Trata-se de um projeto de conscientização e trabalho de retirada do lixo depositado por empresas instaladas nas nascentes do rio.
Finalmente o artista Nuno Ramos fez sua fala sem a apresentação de imagens, mas pela descrição de sua relação com o lugar, no caso a região do Rio Negro em Manaus. Em suas descrições do lugar como das possíveis intervenções, pareceu falar sob o ponto de vista do homem moderno, dada sua construção de imagens grandiloqüentes, provocadoras dos projetos que imagina. Sua fala foi, no entanto, cada vez mais se atualizando com a problemática contemporânea, de que os projetos site-specific carregam por si mesmos a condição de quase impossibilidade de reverter de fato a obra em contexto. Me fez pensar sobre a real dificuldade que existe nas operações de apreensão das especificidades de um lugar e trabalhar sobre ele, e que isto em diversos projetos reverte-se apenas num modos operandi . Em suas palavras, “onde falta o espaço público a obra interioriza isso”. Nuno Ramos apontou a pertinente questão da falta de institucionalização para a produção do contexto de obras ditas públicas no Brasil em oposição a países em que esta relação encontra-se mais consolidada.
Estabelecido este debate entre arte e esfera pública é possível voltar à contradição inicial apontada por Menna Barreto. A contradição daquilo a que nomeamos público. Em sua fala, ele cita Rosalyn Deutsche, para quiçá começarmos a esboçar a questão esfera pública, que a meu ver se resolveria também, mas não só pela via da institucionalização. Segundo Deutsche,“ser público é expor-se a alteriadade”.