Marcel, 30 - Debate 1

28/01/2006 Debate da parte da manhã

 

Dois grandes temas guiaram as discussões que se seguiram às apresentações de Basbaum e Huchet no seminário "Marcel, 30": o mediador Jochen Volz propôs a questão do self multi-facetado de Marcel Broodthaers e a artista Ana Maria Tavares iniciou a discussão sobre o público de grandes mostras.

Volz observou que a "insiceridade" de Broodthaers ("A idéia enfim de inventar alguma coisa insincera me veio à cabeça e de uma vez por todas me pus a trabalhar") levou-o a assumir uma série de papéis, de artista a colecionador e de performer a observador do circuito da arte. Como Broodthers usou esses personagens em suas proposições?

Jürgen Harten considera que essa multiplicidade de atuações era um jogo para Broodthaers, no qual o artista ora assumia o papel de observador do sistema, ora de observado. Marcel atuava conscientemente nesse jogo, que não excluía o humor e a diversão, como indica o bizarro título da exposição que montou em seu museu, usando termos pretenciosamente acadêmicos: "A águia do Oligoceno aos dias de hoje" (na cronologia geológica, o "Oligoceno" é o período terciário da era Cenozóica).

Dorothea Zwirner reforçou a tese de que Broodthaers jogava conscientemente com seus personagens ao descrever um filme do artista que exibe uma placa de metrô informando "além dessa linha os bilhetes não são mais válidos". Broodthaers então brinca com a fronteira de validade dos bilhetes, saltando de um lado para o outro da linha. Zwirner associou esse filme às idéias apresentadas por Ricardo Basbaum sobre o artista que se usa como dispositivo de atuação e de redefinição de seus limites de atuação.

Chris Mello retomou a aproximação feita por Lisette Lagnado entre o cinema de Broodthaers e o de Oiticica. Para Lisette, Broodthaers preocupa-se com a reprodutibilidade técnica e com a contradição entre o movimento e o caráter estático da imagem. Oiticica também trabalha a linguagem cinematográfica ao empregar simultaneidade e fragmentação de imagens, mas sempre com o foco na relação espectador-espetáculo. Aqui Lisette lançou a idéia de que Oiticica poderia ter sido um DJ, atuação que pode ser vista nas colagens de imagens e sons das Cosmococas (interessantemente, um dos últimos textos escritos por Oiticica foi "O q Faço é MÚSICA", de 1979).

A discussão então passou à atuação da própria bienal em relação à dupla espectador/espetáculo, assunto introduzido por Ana Maria Tavares em pergunta a Ricardo Basbaum: como entender a afirmação de Basbaum de que a visitação à bienal deveria ser exclusiva para artistas? Basbaum, que lançou essa provocação às grandes mostras em um texto publicado em The next documenta should be curated by an artist (Ed. Jens Hoffmann, New York, Revolver, 2004) , defendeu que o "público" de uma grande mostra é aquele que de alguma maneira se transforma após a visitação e não a massa informe citada em estatísticas, e propôs "salvar a categoria 'público' do automatismo das medidas e do consumo" (a passagem escrita por Basbaum mencionada por Ana Maria Tavares é : "With such a dynamic, who would care about the “public”? The event would not be open to the public, but would be dedicated instead to “internal consumption” - this self-enclosure should be understood as a recognition of the failure of the “public sphere” and its transition into a new kind of post public arena (collective-multitude-community-friendship diagram), a gesture to be assumed as a necessary provocation with the aim of seeking new forms of relating to the audience").

Lisette Lagnado apresentou sua própria definição de público (que não difere muito da 'exclusividade para artistas'): as pessoas presentes no auditório da bienal para o seminário "Marcel, 30" (quase todos os presentes eram artistas ou teóricos da arte) constituíam o "público" almejado pela curadora, pessoas engajadas na reflexão sobre os temas da bienal, dispostas à construção de bases para o entendimento mútuo durante a vigência da exposição.

O grande desafio de seu trabalho como curadora da 27a Bienal é, segundo Lagnado, estabelecer estratégias que não só atraiam muitas pessoas ao pavilhão da bienal mas que também transformem-nas em "público", deixando um resíduo da bienal em seus comportamentos.

Em 1994, Lisette ressaltou, a obra de Broodthaers ocupou uma sala especial na bienal. Quantos artistas absorveram essa obra?

(por Paula Braga)

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