MESA 2 (tarde) – Curadoria & instituição
Sexta, 7 de março de 2008
Cristiana Tejo [Museu de Arte Moderna
Aloísio Magalhães - PE], Rodrigo Moura [Inhotim Centro de Arte Contemporânea
- MG] e Taísa Palhares [Pinacoteca do Estado de São Paulo - SP]. Mediação:
Fernando Cocchiarali
Numa tarde pós-painéis
desencontrados de projetistas independentes, o Seminário Panorama do
Pensamento Emergente envolveu, na sexta-feira (07/02/2008), no auditório
da Livraria Cultura, no Recife, a diretora do Museu de Arte Moderna
Aloísio Magalhães e idealizadora do evento Cristiana Tejo, o curador
de Inhotim Centro de Arte Contemporânea Rodrigo Moura, a pesquisadora
da Pinacoteca do Estado de São Paulo Taísa Palhares e as vistas de
seus três lugares de atuação lançadas sobre uma problemática em
comum: a instituição. Da exposição de contextos e missões organizacionais
particulares, pronunciaram-se demandas, sobreposições e posturas recorrentes
ao curador inserido na rotina sistemática de um museu ou centro de
arte.
Um panorama de curadores-gestores
que o mediador Fernando Cocchiarale apresentou e que a leitura dos respectivos
currículos revelou serem igualmente jovens –todos atuantes do ano
2000 em diante, segundo prerrogativa da edição do seminário-,
igualmente interdisciplinares em suas origens e estratégias de apropriação
do campo profissional. Cristiana é jornalista de formação, migrou
da imprensa especializada para a Coordenação de artes plásticas da
Fundação Joaquim Nabuco (Recife-PE) e, hoje, no MAMAM, soma sete anos
de trabalho em instituições públicas. Rodrigo, como Cristiana, também
veio da imprensa, mas sem ter finalizado uma formação acadêmica em
comunicação. Começou no Museu da Pampulha, ligado ao Governo de Minas
Gerais, e atualmente pensa a coleção privada de Inhotim. Taísa encerra
a mesa com o background da filosofia e a vivência institucional vinculada
a um núcleo de pesquisa e não propriamente a um cargo de direção.
Mesa aberta e Cocchiarale
faz de suas poucas linhas introdutórias suspensão de algo que, por
confissão dos palestrantes ou expectativa do público presente, costuraria
as intervenções por vir. “O inimigo não é a instituição”,
diz ele, no ímpeto de localizar, já de saída, a construção e a
manutenção de espaços para produção e circulação de arte ante
a tradições de crítica e embate, principalmente advindos da comunidade
artística. Configura-se, assim, uma discussão de posicionamentos políticos
e respostas a condições de adversidade. Configura-se o termo “negociação”
como vedete de uma gama de operações que reservam ao curador o papel
de fazer dialogarem as partes de um sistema complexo -governos, mecenas,
artistas, mercado- em torno de uma zona de interesses comuns.
Cristiana Tejo
reverte a palavra recebida no raciocínio continuado: “Como conciliar
espaços e tempos?”, se pergunta enquanto assume a indissociabilidade
entre autoria curatorial e exercício administrativo na compreensão
de sua trajetória. Dali em diante, ruma, no entanto, por trilha pessoal
de interesses e aspirações. Declara afeição pelos anos 60 e 70;
cita como referência Walter Zanini e sua experiência do espaço; personifica
em Paulo Bruscky a busca pelos trânsitos espaço-temporais que problematizara.
“O que mais me importa é trabalhar junto com os artistas”, diz,
espontânea em meio a incertezas e aparente desapego com relação à
atual condição de “instituição”.
Para melhor ilustrar
o curto tempo que lhe foi dado –eram cerca de 15 minutos por palestrante-,
Cristiana reuniu em fotos um único projeto que realizou entre 2003
e 2006, a convite do Governo do Estado de Pernambuco. Ali era apenas
curadora, imbuída da missão de programar o espaço da Torre Malakoff,
no centro do Recife, com exposições de artistas consolidados. Mostras
de Paulo Meira e Oriana Duarte, José Patrício e Martinho Patrício
e, para fechar, Lucia Koch a envolveram numa rotina de montagens idealmente
pensadas para um calendário de apenas um ano, com publicação de catálogos,
o que nunca aconteceu. O exemplo é usado pela criação de perspectivas
realistas de trabalho. Diante de instabilidade orçamentária, desmandos
políticos e entraves burocráticos, “90% do tempo do curador que
assume trabalhar em instituições é ocupado por demandas práticas”,
explica.
O pragmatismo caracteriza
uma fala de constatações e caminhos. A idéia do seminário, aliás,
pensado desde 2003 e só agora concretizado por meio de financiamento
do edital Conexões, do Ministério da Cultura, reflete certo “ativismo”,
a crença no encontro como possibilidade de mapeamento e articulação
de forças. Algo que o seguinte Rodrigo Moura endossa como urgência
diante de um quadro de “isolamento e pouca troca entre os pares”.
Caminha por concordâncias também ao assumir o descompasso temporal
entre as atividades curatorial e gerencial e posicionar o seminário
como “recorte ampliado” da experiência que empreendeu quando no
Museu da Pampulha, em 2003, o “Políticas Institucionais: práticas
curatoriais”, fórum do qual não apenas curadores mas gestores de
instituições também participaram.
Por estar atualmente
diante de uma estrutura financeira e politicamente favorável à livre
atuação de um curador, Rodrigo acaba por eximir-se de problemas cabíveis
às demais falas –e, potencialmente, às falas de qualquer curador-dirigente
de instituições no Brasil, que não apenas ele, ou seja, Inhotim-
e ingressar pela descrição do que chama “museu sem contornos rígidos”.
Para isso, lê “O museu no Sertão”, texto inédito de apresentação
de Inhotim elaborado para livro que o organismo deve lançar ainda em
2008 sobre a coleção de Bernardo Paz, criador e patrono de tão ousado
projeto. De sua condição privilegiada, o curador permite-se falar
de instituição em termos fundadores, exprimir pleno envolvimento no
minucioso traçar de um acervo como legado e alçar o museu aos limites
infinitos do imaginário.
Assume Taísa Palhares
e, com ela, a quebra da abstração, a “presença híbrida” que
a faz ter dúvidas sobre sua inclusão no seminário, sobre sua condição
de curadora, sobre o sistema das artes e sua coerência de funcionamento.
Vinda de experiência no Museu de Arte Contemporânea da Universidade
de São Paulo (MAC-USP), Taísa chegou à Pinacoteca focada na produção
teórica e textual –à época, já era do corpo editorial da Revista
Número. Logo no começo, sistematizou o acervo de videoarte de Rafael
França e, em 2005, se viu levada a organizar exposições. “A pesquisa
começa às cegas, leva um tempo e depois vira uma curadoria”, diz.
Ainda relutante, fala de alguns de seus trabalhos recentes e deflagra, em cada experiência,
tensões e urgências.
Diz não saber lidar com a disposição dos espaços, algo central à
atividade curatorial. Admite recorrer ao senso arquitetônico dos artistas
com quem trabalha e metaforiza o objeto de arte como “corpo revoltado”,
que vive enquanto trânsito e não cessa em demandar manejo simbólico.
Taísa é pelo manejo paulatino e continuado, encerra, portanto, sua
intervenção revertendo inseguranças num apelo por tempo, foco e investimento
para pesquisa.
Encerrados os painéis,
o mediador Fernando Cocchiarali articula os principais pontos das três
falas em torno da dualidade “práticas curatoriais de projeto” –
“precariedade física e humana das instituições”. Abre-se, então,
a mesa para perguntas do público e Ana Paula Cohen começa o debate
deslocando a responsabilidade de construção dos espaços institucionais
para não apenas o curador-gestor e sim toda a cadeia envolvida: artistas,
galeristas, público, demais curadores. Algo que Marisa Florido endossa
ao apontar ingenuidades nos ataques às redes de poder que compõem
o fazer e o pensar artístico. “O inimigo não está lá fora”,
lança. Rodrigo e Cristiana respondem com gestos afirmativos e ponderações,
a discussão toma ares conclusivos e Ana Paula Cohen arremata: “já
que somos todos responsáveis, temos sim é que pensar na construção
de institucionalidades pessoais”.
*Ana Maria Maia é jornalista, coordenadora do Portal Dois Pontos (www.doispontosa.art.br) e relatora do projeto Pensamento Emergente.