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MESA 1 (manhã) – Curadoria & projetos independentes

Por Felipe Querétte*

Sexta-feira, 7 de março de 2008 

Ana Paula Cohen (SP), Daniela Labra (RJ), Fernando Oliva (SP) e Roberto Freitas (SC). Mediação: Ivo Mesquita (SP) 


O seminário Panorama do Pensamento Emergente começa na manhã de sexta-feira (07/03), no auditório da Livraria Cultura, no centro do Recife (PE). A diretora do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM) e idealizadora do evento Cristiana Tejo abre formalmente a jornada de dois dias de apresentações abertas ao público e demarca a necessidade de reflexão e articulação acerca da prática curatorial no Brasil. Também aproveita para instruir sobre o caráter emergente das mesas de participantes, definido como curadores que iniciaram sua prática do ano 2000 em diante. Para a mediação, de modo a estreitar locuções entre gerações, explica terem sido chamados quatro curadores de carreiras consolidadas. 

A primeira mesa do dia é composta pelos profissionais denominados independentes, ou seja, que desenvolvem projetos sem necessariamente estarem vinculados a instituições, a saber: Ana Paula Cohen, Fernando Oliva, Daniela Labra e Roberto Freitas; mediados por Ivo Mesquita. Ivo inicia lembrando do quão novo é o conceito atual de curador –lembra que em sua primeira exposição, em 1980, o termo ainda não era corrente. Devido à ausência de departamentos de arte contemporânea nos museus, surge a necessidade dessa noção de curadores independentes e Ivo pontua a importância das Bienais no desenvolvimento da prática curatorial. 

Ana Paula Cohen inicia sua participação afirmando a necessidade de espaço para pesquisa. Apesar de já haver um sistema mais ou menos estruturado para curadores, a pesquisa e outros projetos experimentais ainda exigem muito mais esforço e poucos recursos são destinados a projetos que não dão visibilidade imediata. 

O campo de trabalho de Ana Paula revolve principalmente sobre os artistas de sua própria geração (nascidos nos anos 70). Como curadora, ela se vê mediando produção artística e público, e desenvolvendo interesse pelo poder da arte de expandir limites, como em projetos que tocam outras esferas de conhecimento. Ana Paula apresenta então dois focos de interesse: (1) a arte que extrapola os limites instituídos para as artes e que toca outras áreas ou habita outros espaços e (2) como trazer de volta essa experiência para o espaço da arte. Sua pesquisa atual envolve, portanto, pensar em outros formatos de museu, já que na arte existem outros formatos de obra diferentes daqueles que determinaram o tipo de museu que existe hoje; e naturalmente como levar isso ao público. 

A exemplo de obras assim expandidas, Ana Paula cita o trabalho de Cildo Meireles e menciona a importância de concentrar talvez nos museus os elementos do discurso em função da reflexão, para não deixa-lo se diluir na sociedade. Ela observa também os artistas que de certo modo criam o espaço para a própria obra, para isso cita Museumuseu, de Mabe Bethonico. Ana Paula apresenta, então, dois projetos curatoriais em que  busca concentrar essas temáticas: o Istmo, pequeno projeto experimental sem patrocínio composto de um ano de pesquisa e um ano de exibição na Galeria Vermelho (SP); e Subversiones diarias, curadoria experimental realizada a convite do MALBA (Argentina), onde a grande questão era como construir uma estrutura capaz de mediar elementos do discurso, mas que não fosse fixa (pois não há formato de arte fixo) e que saia do tempo comercial para dedicar-se a tempo de pesquisa prática. Em sua descrição das atividades realizadas, Ana Paula explicita que sua prática ocorre muito junto com o artista, em um trabalho cooperativo de co-construção da exposição, sem hierarquia, além de também mediando artista e a instituição. 

Depois da alongada fala de Ana Paula, Daniela Labra leu um breve texto onde se apresenta, explicando como por força das circunstâncias transitou da posição de produtora para a de curadora, no projeto Gear Inside, realizado em Roterdã em 2003. Daniela apresentou sua formação interdisciplinar, colocou-se como auto-didata em curadoria e aproveitou o espaço para enumerar dificuldades encontradas nas etapas de realização de um projeto curatorial. Uma carência fundamental para ela é a falta de entendimento de algumas instituições do que é a figura do curador, assim como frequentemente não saberem encarar com profissionalismo o trabalho de um artista. 

Como curadora independente, ela experimenta uma rica diversidade de relações, tanto com instituições mantidas por fundos públicos, como galerias e também espaços corporativos. Sua atividade é percebida pelo binômio conceito e logística, lidando neste segundo pólo com orçamento e prestação de contas (especialmente como independente já que frequentemente as instituições oferecem apoio de uma equipe técnica). Uma vantagem da posição seria a liberdade para apostar em projetos próprios, ainda que com a pergunta de para onde levá-los.  

De seu currículo de iniciativas, Daniela apresentou a Verbo, mostra anual de performances na Galeria Vermelho; a curadoria de Fabulosas Desordens, realizada na Caixa Cultural no Rio de Janeiro e que envolvia artistas que começaram no grafite; Gear Inside; e Perambulação, para a segunda Bienal de arquitetura de Roterdã, em 2005. 

Fernando Oliva, por sua vez, apresenta o projeto Comunismo da forma, uma co-curadoria com Marcelo Rezende em que propõe, a partir do conceito de comunismo formal de Nicolas Bourriaud, o uso de produtos vindos do pop e de produção em massa, tais como videoclipes de Roberto Carlos ou outros produtos da televisão brasileira, como plataforma para trabalhos de artistas. Neste projeto foram criados um blog, um livro (Comunismo da forma, pela editora Alameda) e uma sessão expositiva na Galeria Vermelho. 

Fernando discorreu especialmente sobre esse que é o seu principal interesse de pesquisa atual. Ele também leu um texto e falou sobre o comunismo formal e a idéia de biblioteca, onde produtos se encontram à disposição de criadores para a invenção e o comentário, sendo ressignificados num processo em que a memória do espectador se encontra com a intervenção do artista. Referiu-se inclusive às potencialidades de produtos como o Youtube (descrito como "essa grande cloaca da humanidade") bem como à noção de espaços de comunicação como espaços para a crítica de um sistema de vida. Fernando também menciona seu projeto À la chinoise, realizado para o Microwavefest em 2007, que propunha justamente pensar o Youtube. 

Roberto Freitas apresentou a criação do Arco, em parceria com o artista Fernando Lindote. A dupla percebia um "marasmo cultural" por conta da inexistência de instituições profissionais em Florianópolis e decidiu, em 2004, construir um espaço que pudesse agregar encontros, pesquisas artísticas e, principalmente, trabalhos experimentais que fossem difíceis de serem realizados em outros lugares por limitações institucionais. Um dos projetos do Arco foi o Dobras, que buscava proporcionar a primeira individual a um jovem artista. Buscava-se no espaço também o envolvimento de outros perfis, como quando escritores foram convidados a reagirem através da escrita às obras e às exposições. 

Ivo Mesquita fecha a mesa oferecendo os pontos que costuram diversas das falas dos curadores. O primeiro deles é a importância do compromisso geracional, a partir de uma questão, programa, lugar ou grupo de artistas. A relação de colaboração entre curador e artista, como visto na curadoria de Ana Paula Cohen, bem como outro tipo de relação em que o curador funciona mais como "baby sitter" para o artista. De qualquer modo, alguém num processo de concretização artística precisa manter-se no eixo e balizar tensões entre os agentes. Esse alguém é quase sempre o curador. 

Ivo também identificou uma nova perspectiva em relação ao circuito comercial: a Galeria Vermelho, por exemplo, tem diversas relações construídas com os curadores, inclusive com espaço para projetos experimentais. O curioso para Ivo é que sua geração era mais moralista em relação às galerias, enquanto hoje esse tipo de oposição com o mercado já não aparece tanto. E por fim, vimos a possibilidade de novos modelos como os espaços para arte criados pelos próprios artistas. Devido ao tempo tomado pela primeira mesa, o debate foi transferido para a tarde. 

* Felipe Querétte é designer e relator do projeto Pensamento Emergente.