Conferência 3: O papel da mídia no circuito da arte/Relato
Conferencistas: Antoni Abad, Lucia Santaella; Moderador: Celso Favaretto. Auditório 1. (Se você é MEMBRO do Fórum Permanente, comente este texto) Relato (por Renata Motta) A 3a
conferência do simpósio “Padrões aos pedaços” ofereceu dois vieses
distintos em torno do tema proposto a respeito do papel da mídia no
circuito da arte. A mesa contou com uma composição particular, ao
inserir no mesmo contexto a teórica brasileira Lucia Santaella e o
artista catalão Antoni Abad. O encontro, se por um lado, explicitou a
diferença dos universos de atuação dos dois conferencistas, por outro
proporcionou o privilégio da convergência entre a reflexão intelectual
declaradamente otimista de Santaella e a práxis artística de Abad na
conformação de um espaço público digital. Práticas possíveis, ainda que
confrontadas ao contexto atual de transformação e incertezas. Antoni
Abad apresentou sua produção recente em que utiliza tecnologia wireless
(equipamentos de comunicação móveis) e opera na criação desse espaço
público digital: canais que possibilitam a expressão de grupos
marginalizados pelos meios de comunicação dominantes. O trabalho propõe
a distribuição de aparelhos celulares com dispositivos multimídia e
transmissão de dados para coletivos socialmente discriminados em
diversas cidades do mundo, como taxistas, ciganos, prostitutas e
motoboys. Os participantes enviam suas mensagens multimídia (áudio,
vídeo, foto e texto) para publicação em tempo real na internet, sem a
mediação de terceiros ou mesmo edição. O artista destaca dois
desdobramentos importantes das características da tecnologia celular
sem, no entanto, propor um uso eufórico dessas novas ferramentas. Por
um lado, refere-se a possibilidade de captar aspectos da realidade –
entendida como campo do cotidiano estabelecido – que muitas vezes está
apartada do universo do artista (nesse ponto propõe interlocução com o
artista Lucas Bambozzi que, na mesa redonda “Campos independentes”,
apresentou discussão em torno dos termos real/realidade). Por outro, o
artista explicita a discussão em torno dos mecanismos de distribuição
da produção artística ao afirmar o mote da mínima distancia entre una
idea y su publicación [mínima distância entre uma idéia e sua
publicação], dado que essa interface possibilita a publicação de forma
instantânea e de baixo custo. Nesse ponto, como indica Paula Alzugaray
no resumo da conferência, é possível identificar um embate entre as
posições defendidas por Lucia Santaella e pelo artista. Enquanto o
projeto artístico de Abad procura criar dispositivos diretos de
expressão, a teórica explicita a expansão dos “novos intermediários
culturais”, responsáveis pela circulação e transmissão de bens
artísticos e intelectuais, administrando as cadeias de distribuição das
novas mídias globais. A atuação de Abad é, no entanto, de certa forma
paradoxal: trabalha contra os intermediários, mas não prescinde de
instâncias institucionais e estruturas corporativas (exemplificadas nos
apoios da Fundación Telefônica, da Nokia e do Museo de Arte
Contemporâneo de Castilla y Leon), que viabilizaram o próprio projeto.
De certa forma, ao dar voz expressiva aos coletivos marginalizados,
Abad também faz a aproximação que nos fala Santaella entre produtores e
consumidores. Ainda em torno da questão da distribuição, para
Santaella, a sofisticação das mídias e o fortalecimento do papel dos
agentes intermediários, contribuíram imensamente na atuação da difusão
das experiências artísticas e intelectuais para um público mais amplo.
O exemplo da exposição de Monet, em que a teórica busca explicitar
essas “estratégias diferenciadas de divulgação através da mídia”,
resvala na questão do marketing cultural e na propagação das marcas das
empresas patrocinadoras, mas também indica a profunda alteração do tipo
de sensibilidade do nosso tempo em relação à arte e do papel das
instituições museais na contemporaneidade. Santaella nos apresentou
apenas os aspectos mais exteriores da grandiosidade arquitetônica e a
abertura dos museus para o universo do entretenimento, mas as
transformações nessas instituições são ainda mais verticais e
reverberam no próprio equacionamento simbólico dos museus
contemporâneos. Um dos projetos de Abad junto à comunidade cigana,
conta com o apoio institucional do novo Museu de Arte Contemporáneo de
Castilla y Leon (MUSAC), que se abre para uma nova interlocução ativa
com um público. Enquanto Antoni Abad falou a partir da sua produção
artística, Lucia Santaella nos apresentou um mapeamento do território
das relações propostas pela temática da mesa do papel da mídia no
circuito da arte, buscando precisar os conceitos envolvidos. Seu ponto
de partida é a idéia de que os modos de produção artística não são
apenas determinantes das relações sociais, mas também interferem na
própria natureza da obra. Afirma também a sua concordância em relação à
proposição do Simpósio de “padrões aos pedaços”, buscando tecer as
determinações da complexidade cultural e artística contemporânea.
Inicialmente, Santaella propõe um exercício de conceituação em torno da
palavra mídia. Desde 1992 quanto publicou Cultura das mídias, a autora
tem buscado o esclarecimento do termo que tem sofrido um uso amplo e
indiscriminado, principalmente sob o nome de “cultura midiática”. De um
sentido mais estrito ligado aos meios de comunicação de massa, o termo
mídia foi se ampliando com os novos processos de comunicação e a
emergência da cultura planetária das redes, passando a englobar
qualquer meio de comunicação. Concentrando-se nos desdobramentos da
cibercultura, a teórica afirma que essa lógica cultural está
fundamentalmente ligada à mundialização em curso e destaca diferença
fundamental entre cultura das mídias e cultura digital no fato da
convergência das mídias. É nesse sentido que autora argumenta que as
mídias não podem ser consideradas um monólito indistinto, já que cada
ciclo cultural funciona socialmente de maneiras diversas. Ou seja, para
avançarmos na análise da produção contemporânea não podemos impor à
cibercultura categorias de análise e julgamento que são próprios da
cultura de massas. Mais especificamente no campo da cultura, Santaella
nos traz a consideração de que os fatores mais importantes para
compreendermos a complexidade da cultura e artes contemporâneas
encontram-se no “caldeirão de misturas e hibridizações” que as
caracteriza, bem como na coexistência de diferentes formas de cultura.
No entanto, destaca que as mídias mais recentes acabam por se
sobressair, tal como as mídias digitais que instauram a cibercultura
“cuja expressão mais visível encontra-se na internet e mais
recentemente nos aparelhos móveis”. Ao concluir Lucia Santaella retoma
a idéia de “padrões aos pedaços”, em que se desmanchou a solidez de
quaisquer modelos norteadores, não só da produção artística, mas também
no âmbito da teoria e da crítica das artes na contemporaneidade. No
entanto, nessa era desprovida de certezas, afirma que nossas batalhas
culturais devem ser travadas em unidades de guerrilha: “não guerrilha
dura e velha, mas a guerrilha branda e meiga da interminável e sempre
inacabada reconstrução de uma existência que nos justifique”. Táticas,
tal como observamos na atuação de Antoni Abad junto a comunidades
marginalizadas, que possam sobrepujar os paradoxos capitalistas
sombrios. |
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