Formação de Mediadores da 8ª Bienal do Mercosul – reverberações
Relato sobre a quinta mesa do primeiro Seminário Internacional de Arte e Educação do Instituto Inhotim, intitulada "8ª Bienal do Mercosul – Formação de Mediadores ", com Jéssica Gogan, Luiz Guilherme Vergara e Mônica Hoff, em 25/08/12.
Por Pompea Tavares
Educadores, mediadores, monitores, facilitadores, guias. São muitas as denominações para pessoas que cumprem ou já cumpriram tais papéis em exposições, museus ou instituições culturais. Os mediadores que se apaixonam pela experiência, com certeza, enfrentam inúmeros processos seletivos e de formação. Os processos de formação, assim como os próprios programas educativos, em sua maioria, são pensados como alça de uma produção cultural, com poucos recursos financeiros, com suas ações limitadas por um curto espaço de tempo e com um discurso incorpóreo, ou seja, carregado de muitas prescrições e poucas descrições. Talvez este cenário traduza a comoção da plateia que assistia Jéssica Gogan, Luiz Guilherme Vergara e Mônica Hoff discursando sobre a formação de mediadores da 8ª Bienal do Mercosul. Como educadora (e observando muitos colegas ali presentes), senti que havia um reconhecimento daquele discurso, como se alguma parte das experiências narradas fossem também as nossas – e o são. A proposta pedagógica da Bienal realiza coletivamente o que cada mediador, em algum momento, realizou “sozinho”. Não há uma “invenção da roda”, mas a realização de práticas criativas, colaborativas e de reflexão constante, que destituem hierarquias e criam uma unidade autônoma e criativa onde todos – instituição, artistas, curadores, mediadores, colaboradores – são atravessados pela troca, pelo diálogo, pelo encontro.
A fala de Mônica Hoff ecoou por horas. O mediador é o público primeiro, dizia ela. E eu me perguntava: sou público primeiro? Nós somos? Soava tão óbvio e tão libertador que busquei na memória todas as exposições das quais participei, tentando lembrar se em alguma delas eu havia me sentido público. Há tanta preocupação em torno do que é o público que as instituições não percebem o que (ou quem) está diante delas. Para Mônica, os mediadores são o pulmão da Bienal, são eles que trazem um pulsar constante, são os que transformam e os que são transformados. Não mais vistos como prestadores de serviço, os mediadores são formadores de opinião, e é para eles que a experiência na Bienal tem que ser maravilhosa.
Mônica Hoff é coordenadora do programa pedagógico da Bienal do Mercosul desde 2006, ano em que o programa torna-se permanente. A fala de Mônica, segundo ela própria afirma, vem carregada do ponto de vista do mediador, pois é como mediadora da 2ª Edição que começa sua atuação na Fundação Bienal. Mônica afirma que a 8ª Bienal se deu como a revisão das experiências anteriores. Luiz Camnitzer foi o primeiro curador pedagógico da Bienal, em 2007, responsável pela virada pedagógica ao propor uma ação permanente, que antecedesse e extrapolasse a exposição. Durante a 7ª Bienal, Marina Decaro trabalha a partir de objetos artísticos com forte caráter educativo, pulverizando a atuação da Bienal em diversas localidades do Rio Grande do Sul. Já na 8ª edição, a curadoria pedagógica de Pablo Helguera esteve presente, pela primeira vez, na equipe curatorial que integrou a participação educativa na seleção dos artistas, dos componentes educacionais e ativadores. A revisão referida por Mônica se mostra à medida que cada curadoria pedagógica se apropria das ações anteriores, não como fator limitador, mas como ponto de partida, onde são feitos avanços, mudanças e melhorias em uma atividade criadora e colaborativa.
A formação de público, para a Bienal inicia-se com a formação dos mediadores. Esta tradicional ação da Bienal, existente desde a primeira edição, também sofreu modificações ao longo dos anos. Para a 8ª Bienal, Mônica divide o processo em quatro etapas. A primeira refere-se ao curso inicial, pautado no conceito de mediação e de diálogos possíveis. Esse momento propõe uma experiência crítica e transformadora através do uso das estratégicas poéticas dos trabalhos artísticos, embates com a participação dos artistas, aulas teóricas e práticas, sem deixar que o conteúdo esteja à frente da experiência, do diálogo e da bagagem do grupo. Neste momento, os mediadores começam a entender e a fazer parte da proposta da Bienal, atravessando suas questões com novas proposições. Um dos exercícios exemplificados pela palestrante é a “mediação qualquer coisa”, onde se apresenta algo a alguém no intuito de iniciar uma conversa, saindo do lugar comum da arte.
O segundo momento, entendido como o grande encontro, acontece na exposição. A intensa troca dos mediadores com o público e entre si, cria um “universo paralelo”. Este “universo paralelo”, discutido por Mônica, me faz lembrar uma anedota. Brincávamos, eu e alguns colegas, que cada nova exposição assemelhava-se a um reality show, no sentido em que imersos em uma inabitual divisão de espaço e tempo, junto a muitas pessoas de interesses comuns e perfis diversos, eram estabelecidas relações muito fortes, de aprendizado, cooperação, de amizade e também de brigas e desentendimentos. A diferença entre a anedota do “reality show” e o “universo paralelo” de Mônica é o olhar da instituição. Para esse “reality show”, assim como na televisão, os atores nada mais são do que ferramentas para atrair a audiência, avaliados por suas performances e controlados para que o resultado final mantenha-se equilibrado. Para o “universo paralelo”, ao contrário, a Fundação Bienal do Mercosul entende que ali se constroem diferentes saberes, ali ocorre a formação efetiva desse público primeiro, que é compartilhada e multiplicada para os outros públicos da Bienal.
O terceiro momento refere-se ao desenvolvimento da autonomia. Os mediadores são livres parar construir, propor, criar, subverter o processo e suas próprias práticas. Surgem propostas como “Mediações nômades”, que propõe migrações e percursos pela exposição e pela cidade; e as dinâmicas desenvolvidas na “Casa M”, um espaço de convivência que existiu antes, durante e depois da exposição. A liberdade de atuação oferecida aos mediadores faz com que cada um aproprie-se dela como propositores, não só como prestadores de serviço. Para Mônica, a principal constatação desse processo é que sem diversão não há educação, nem transformação. Neste ponto, questiono sobre uma exigência/expectativa comum acima de uma experiência prazerosa relacionada às ações educativas. Tem elas que ser necessariamente prazerosas? Assim como a arte, a experiência com os programas educativos não poderia ser, em algum momento, também provocativa, incômoda, transgressora?
O quarto e último momento refere-se à expansão da experiência. O programa pedagógico cria uma relação significativa com a comunidade: geração de emprego, revisão de currículo nas universidades, discussão sobre mercado de trabalho e, principalmente, formação de profissionais sensibilizados e criativos. O intuito é que o trabalho coletivo gere resultados que excedam a Bienal, entendida como um dos pontos de atuação dos mediadores.
Para uma avaliação e acompanhamento de todo o processo pedagógico da Bienal, foram convidados Jéssica Gogan e Luiz Guilherme Vergara, que dentre outras atuações são cofundadores do Instituto MESA – Mediações Encontros Sociedade e Arte. A dupla partiu de uma discussão reflexiva sobre o termo “avaliação” na tentativa de criar um ambiente onde as pessoas são convidadas a refletir. Para Jéssica, há uma carência de avaliações nos projetos educativos e, por outro lado, o conceito de avaliação mantém a ideia de distância, ou seja, “avaliadores” e “avaliados” nunca coexistem, nem são consonantes. A “avaliação” então se propõe refletir de dentro, onde “avaliadores” são como cúmplices de todo o processo.
A avaliação da mediação parte para uma investigação da motivação, ou da vontade, perceptível nas falas dos mediadores. São feitas as “coletas e partilhas de vozes”, onde os profissionais constroem as perspectivas e depoimentos sobre suas próprias experiências. Vergara utiliza-se das palavras de Madalena Freire ao afirmar que o registro da prática é o fio que vai tecendo a história do nosso processo e, para além disso, é no seu compartilhamento que se produz a consciência.
Para Jéssica e Luiz Guilherme, a Bienal é entendida como escola pública de arte: profissionais se formam e vão seguir diferentes caminhos, dentro de uma consciência aberta e autônoma. Segundo Luiz, a construção dessa autonomia faz parte de uma mudança no pensar a arte contemporânea e o seu papel na sociedade, levada adiante por uma legião de apaixonados pela pedagogia ao longo dos anos da Bienal. Cria-se nela uma possibilidade pública do encontro, de pertencimento, onde o sujeito, fora da zona de consumo, pode ser acolhido como um portador de vozes. Neste sentido, a curadoria de Pablo Helguera criou a performance do diálogo, entendendo que os objetos falam por si e que dar “vozes” ao público é um trabalho político que quebra narrativas hegemônicas.
Dentre os aprendizados proporcionados pela 8ª Bienal, na cumplicidade de suas práticas artísticas e pedagógicas, surgem também novos desafios diante de um território que não é determinante ou claro. Vergara discute que o humanismo é inaugurado pelo conceito do “ato criador” através de um sujeito que tem autorização pública e social para ser o criador, porém, hoje uma nova leitura é criada de acordo com múltiplos pontos de vista, múltiplas vozes. Uma ética tripartida é levantada: diversidade, solidariedade e criatividade somam as complexidades contemporâneas, o pertencimento coletivo e a potência de agir como pontos centrais a serem novamente explorados pelas próximas edições. Vale a pena pensar, para além do discurso e da prática muito bem colocados neste seminário sobre a 8ª Bienal do Mercosul, se esta curadoria pedagógica e sua prática tão intensa e transformadora funcionariam da mesma forma se aplicada ao dia-a-dia de um museu. Seria possível manter-se transformador tratando-se de um acervo e uma equipe permanentes?