Problematizando Narrativas Museais
A mesa nº 4 ainda entorno dos “Acervos repertórios patrimoniais e novas abordagens curatoriais” tratou em suma de compreender resgate e novas possibilidades narrativas em museus. Participaram William Alfonso Lopez, Emanuelle Atania e Aida Rechena. Os três participantes observaram questões pertinentes à construção social do museu, em amplos sentidos, notando aspectos pertinentes da extroversão narrativa que o aparelho museológico coloca diante de seus visitantes.
O caso mais distante é o de Atania. Sua pesquisa concentrou-se na recuperação e aprofundamento de estudo de uma coleção do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo que reuniu obras de artistas que estavam vinculados ao grupo “Fluxus”. Estes tinham como um de seus princípios a troca de trabalhos através do correio e em diversos momentos estas obras são peças conceituais que trazem no seu bojo uma mistura entre uma práxis social e a arte, que naturalmente transgride os sistemas de catalogação tradicionais do Museu. É possível perceber que a recuperação desse material assim como a tentativa de catalogação de poéticas que engendram dificuldades classificatórias, trazem também à tona uma outra condição daquilo que representa o MAC-USP.
Ao meu ver o MAC, antes conhecido principalmente pela sua coleção de artistas modernistas, parece ressurgir como museu de arte contemporânea. Além disso o sistema metodológico de catalogação que observe as poéticas gerará naturalmente um novo ponto de vista não só sobre a coleção, mas sobre todo o museu. Fica portanto a expectativa das novas abordagens possíveis.
Lopez tratou diretamente da dificuldade de reescrever uma narrativa histórica na Colômbia. Seu procedimento parece claro de tentar dar às pessoas a sensação de participação na construção narrativa, assim como colocar em estado “crítico” a posição de heróis que estão em revisão dentro da História acadêmica. Ou seja, o museu deseja expor, para além da história do povo colombiano, a possibilidade de transformar o espectador em narrador. Lopez expõe as dificuldades metodológicas desse processo, e em alguns momentos coloca a questão de como fazê-lo sem incorrer em anacronismos ou desentendimentos. O museu segundo Lopez enfrentou o que é considerada a história institucional colombiana, construída pelos militares, mas sem abandonar seus paradigmas, mas sim os enfrentando. Não prevalece mais a ideia de transmitir um passado impositivo aos visitantes, mas uma exposição que possibilita o visitante a construção de uma Colômbia. Interessante maneira de abordar um problema comum da América latina, que se dá no eixo da construção de cidadania. Acredito que muitos ficaram com vontade de conhecer o Museu Nacional de Colômbia e observar esta interessante tentativa de reconstrução narrativa que na verdade deve ser realizada pelo visitante com instrumentalização do Museu e observar o que é um museu de história sem a sua tradicional monumentalização.
Aida Rechena apresentou sua pesquisa sobre a construção de gêneros nos museus Portugueses. A pesquisa concentra na observação na representação das mulheres, na sua simples presença (também da não presença, ou apagamento) nos discursos museais, e na condição de igualdade de gêneros. Em suma, sua constatação é negativa. Como ela mesmo coloca, o museu tem papel preponderante na representação social; mas o resultado é a observação de que os museus não se preocupam com o gênero em suas narrativas. Em geral as mulheres estão representadas de maneira estereotipada, e os museus assumem uma postura de encarar como verdade o que é apresentado através das representações antigas e objetos reunidos e vinculados às mulheres. Portanto, as mulheres ficam no campo da idealização. Rechena desta maneira avalia as narrativas sob a ótica do gênero nos colocando questões bem mais amplas, faz com que nos questionemos sobre toda a criação narrativa que pretende representar uma sociedade.
As apresentações em suma travam embate e/ou contato com o problema básico da museologia, que é a construção do passado e suas implicações futuras, ou seja como conduzir o patrimônio para uma finalidade onde a sociedade possa ser conduzida a saberes democráticos e coletivos. Estes trabalhos expõem a lógica que permeiam os museus e seus trabalhos perante a sociedade. Versam sobre o passado, mas vislumbram o futuro e tentam guinar o museu para interesses de maior alcance social. Como nos mostrou bem Lopez, monumentalizar e sacralizar uma história que talvez não seja de toda uma nação. Por fim, nos colocam num fio de navalha onde as narrativas podem estigmatizar o visitante e sua própria história.