Documenta – o quê, como e para quem? [resumo]
Palestra do curador da Documenta 12, Roger Martin Buergel, com a participação de Teixeira Coelho
Roger M. Buergel iniciou sua palestra já esclarecendo que não falaria da Documenta 12, pois ainda considerava bastante cedo para isso. Optou por falar do modo como trata a questão da Documenta, fazendo uma abordagem histórica e arqueológica desta.
A primeira pista que Buergel nos deixou sobre o que podemos esperar da Documenta 12 foi seu relato histórico a respeito da 1ª Documenta, em 1955. Contextualizou a criação da Documenta citando a situação da cidade de Kassel no pós-guerra. Durante o período nazista, Kassel foi uma referência como fonte de armamento, pois por ser rica em ferro, foi palco central da revolução industrial alemã com a construção de tanques e aviões. Por este motivo, a cidade foi foco dos bombardeios durante a 2ª Guerra mundial, tendo 95% de seus monumentos arquitetônicos destruídos, um dos quais é o primeiro museu europeu, o Museum Fridericianum.
Assim, com a tentativa de cobrir as feridas da guerra procurando retomar as raízes cortadas pelo nazismo, Arnold Bode criou a Documenta. A princípio, um evento em paralelo a Bundesgartenschau – exposição de Horticultura/Jardinagem de cunho federal, dava suporte às áreas que necessitavam de auxílio para reconstruir-se – o qual atraía não somente recursos de investimentos privados como também a visitação de turistas. A idéia de realizar a exposição de arte contemporânea tinha como intenção familiarizar o público com a produção artística do momento, justamente para propor a retomada do que foi extirpado pelo nazismo (chamada de "Arte Degenerada”), permitindo ao público o contato com a fragilidade humana, de forma modesta, sem os monumentalismos dos nazistas.
Deste modo, obra e público se confundiam nesta exposição, levando a apropriação das raízes antropológicas da própria construção do artista, isto era parte de como Bode entendia a natureza histórica da arte. Para ilustrar esta experiência de Bode, Buergel utilizou-se de um slide que demonstrava a entrada da exposição, na qual continha um mural com fotos de pessoas comuns que acabava se confundindo com os espectadores que visitavam a mostra. Esta intenção de interação entre espaço arquitetônico e obra que Bode realizou na 1ª Documenta foi bastante enfatizada por Buerguel.
Montagem das obras na Documenta 1. À direita, cortina em PVC preto.
Photo: Günther Becker, ©documenta Archiv.
Com isso, Buergel, ainda em relação a questão da organização espacial, falou da disposição das obras no espaço arquitetônico, ressaltou como Bode utilizou-se de plásticos (PVC) nas cores preta e branca para realçar e diferenciar as superfícies valorizando as obras. Buergel exibiu alguns slides como exemplo da utilização que Bode fez com as superfícies, como é o caso da cortina de plástico preto que intensificava o sentimento erótico das pinturas de Picasso ou a anulação da parede - do contexto - pintando-a de preto e valorizando as obras de Mondrian. Bode misturou métodos convencionais de pendurar as obras com recursos que facilitavam o encontro do espectador com a obra, tudo isso em um espaço (o museu) em ruínas, que destruído foi reconstruído, reordenando as relações afetivas do público com o ambiente arquitetônico. Este foi o modo que Bode encontrou para fazer provocações aos espectadores.
Photo: Günther Becker, ©documenta Archiv.
Assim, Buergel destacou dois importantes pontos na 1ª Documenta: a idéia de conectar o público com a arte contemporânea, familiarizá-lo com a produção dos artistas e a questão de como exibir a obra valorizando-a (relação obra-espaço). Buergel reforçou a responsabilidade do curador de iluminar as obras de arte.
Antes de comentar sobre a curadoria que realizou em uma exposição no MACBA (Museu de Arte Contemporânea de Barcelona), Buergel deu uma breve explicação sobre como compreende a arte em seu papel social. Falou sobre a relação entre arte e política, justamente sobre questões de poderes entre os indivíduos, propõe que se deve tirar o poder dos indivíduos e parar de ver os governos como indivíduos. Acredita que a arte contemporânea tem o poder de modificar o comportamento das pessoas através da relação afetiva que se estabelece entre público-obra. Explicou que este é o poder da ação, que vem da dinâmica da vivência, que promove a educação. Concluiu que é a partir desta relação afetiva que se estabelece com a obra, a relação de pessoas vendo pessoas, contato com a arte contemporânea, que leva ao momento de iluminação e ao momento de estranhamento. Este é o caráter educativo da exposição: o poder de modificação.
Depois disto, Buergel comentou sobre a curadoria que realizou no MACBA. Iniciou fazendo comentários sobre o museu, falou sobre os interesses governamentais em captar recursos financeiros a partir da atração de turistas, do incentivo a pontos comerciais nas proximidades e toda a estrutura que envolve um grande museu. Com isso, Buergel definiu o MACBA como um “elefante branco”, pois considera que a periferia da cidade de Barcelona não tem contato com a “alta cultura”. Procurando minimizar este contraste social, o MACBA passou a utilizar-se de espaços comunitários nos subúrbios para promover o contato daquelas comunidades com arte contemporânea, contato que Buergel define com uma expressão questionável: “educação do público”. Neste ambiente, Buergel organizou uma exposição de fotografias e projeções que jogavam com o conceito de historicidade, ou seja, olhando o passado e relacionando-o com o futuro. Utilizou-se da relação obra-espaço de forma a valorizá-las no ambiente.
Após o término da palestra, Teixeira Coelho comentou as pistas que Buergel deixou do que será a próxima Documenta em 2007. Refletiu sobre a importância da genealogia da obra de arte em contraposição aos seus aspectos exteriores, focou a questão da reconstrução do processo no modo de expor a obra de arte. Relacionou a forma de estrutura da exposição do MACBA com a da Documenta. Deste modo criticou a falta da abordagem arqueológica das exposições em geral e ressaltou que principalmente no Brasil há uma preocupação muito grande com questões exteriores. Criticou a não valorização dos aspectos estéticos da arte, pois estes deveriam ser os mais importantes, seguidos da preocupação com o sociológico, o antropológico, o político. Por fim, concluiu fazendo um trocadilho de que deveria haver uma preocupação com o impacto cultural da cultura.
Outro ponto enfocado por Teixeira Coelho é a questão da negatividade da obra de arte, esquecida na arte contemporânea. Contextualizou citando que nos últimos 60 anos só se têm procurado ver os aspectos positivos da obra, sendo deixado de lado justamente seu aspecto central: a negatividade. Criticou os artistas que estão se deixando domesticar para atender aos apelos mais imediatos, e fazendo com que a negatividade seja controlada. Exemplificou falando da Bienal de São Paulo que não permite à arte contemporânea aparecer, não somente a questão da negatividade, mas também a falta da relação obra-espaço, a questão da importância de iluminar a obra, a salva-guarda espacial, que não é feita em grandes exposições por causa de suas dimensões. Assim, Teixeira Coelho questionou se serão necessários reduzir as dimensões deste tipo de exposições para permitir uma iluminação à obra de arte.
Retomou o contexto que Buergel relatou sobre a 1ª Documenta, dando um maior enfoque à relação obra-espaço, e argumentando a respeito da questão de tornar a obra familiar, refletindo se não é de maior importância a obra causar estranheza. Fazendo uma crítica a esta tentativa de anular a estranheza.
Outro ponto de discussão, já citado acima, agora reforçado por Teixeira Coelho, é a questão da arte como educação, ou seja, educar as pessoas para que compreendam melhor a arte é um ponto que Teixeira abomina, pois, para ele, arte e educação são duas coisas diferentes.
Não considera, como Buergel, que a arte não deve ser espetáculo, ao contrário, considera que essa é uma das funções da arte. E por fim provocou Buergel perguntando: “como será o espetáculo da Documenta de 2007?”
Para esclarecer os questionamentos levantados por Teixeira Coelho, Buergel explicou o que entende por educação e função social da arte, a importância da familiarização no sentido de passar pela experiência afetiva, o próprio colapso da experiência, ou seja, o contato com o negativo. Recusa a idéia da experiência como um commodity, mas ressaltou a apropriação da arte para educar corpos pensantes, utilizando-se de ambientes que engaje o observador com a obra.
Aberta para questões do público, foram realizadas duas questões: uma, sobre o conceito dos termos familiar x estranho e da negatividade; e, outra, solicitando uma apuração do conceito de genealogia que lhe pareceu diferente entre Burgel e Teixeira Coelho.
À primeira, Buergel retomou a questão da relação afetiva obra-espectador para falar de familiaridade. Já Teixeira Coelho complementou falando do desafio que a obra de arte impõe ao expectador, a idéia de provocar reações antagônicas possíveis. A negatividade como contestação.
À segunda questão, Buergel explicou a importância da genealogia para se elaborar uma exposição, pensar em história, relacionando as coisas umas às outras. Texeira Coelho exemplificou falando do processo que Buergel reconstruiu para deixar pistas da Documenta 12, dando importância ao processo interno da obra e em segundo lugar ao aspecto externo.
(por Luciana Valio)