Relato da mesa “Colecionismos do contemporâneo no Brasil”
nhotim: entre a arte e a natureza, o local e o global
O Centro de Arte Inhotim[1] surgiu a partir da iniciativa do empresário e colecionador Bernardo Paz. Localizado no distrito de Bromadinho, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, tem mais de 300 obras em seu acervo - assinadas por cerca de 60 artistas de renome internacional. Trata-se de uma combinação interessante entre museu e parque botânico, já que os pavilhões projetados pelo arquiteto mineiro Paulo Orsini dialogam com dezenas de espécies de flores, árvores e folhagens, que compõem um enorme e sofisticado jardim.
Inicialmente, havia no terreno apenas uma casa de campo, onde Bernardo Paz guardava sua coleção de arte moderna brasileira. Roberto Burle Marx, amigo próximo, presenteou-o com plantas e desenhou um novo paisagismo para o local. De 2000 a 2004, Ricardo Sardernberg foi o curador-chefe da coleção, tendo dado espaço a artistas da geração de 1990, como Ernesto Neto, Iran do Espírito Santo, Marepe e Olafur Eliasson. Três pavilhões foram dedicados exclusivamente a Cildo Meireles e Tunga. Nesse primeiro momento, o acesso ao local ainda era restrito.
Em 2006, foi aberto ao público o Centro de Arte Contemporânea Inhotim – CACI -, que tem recebido, em média, 2 mil pessoas a cada final de semana. A nova equipe curatorial, da qual Jochen faz parte, recebeu a missão de dar um novo rumo à instituição. O foco, agora, recai sobre artistas contemporâneos que se destacaram em exposições mundo afora, com trabalhos produzidos do final dos anos 1960 até hoje, abrangendo pintura, escultura, desenho, fotografia, vídeo e instalação. “Se Burle Marx misturou plantas estrangeiras e brasileiras no projeto paisagístico, a coleção de Inhotim faz a mesma coisa no plano da arte contemporânea”, explicou Jochen.
O trio de curadores[2] se viu diante de três desafios principais: levar em consideração as condições particulares de tempo, espaço e duração da visita; vencer o isolamento geográfico da instituição; e fortalecer a relação da instituição com o contexto local – consideração esta refletida na própria escolha do nome, corruptela de “Nhô Tim”.
Há 2 anos, o CICA oferece infra-estrutura para os visitantes, com restaurante, café e visitas guiadas, tendo se tornado um dos museus de arte mais visitados, não só de Minas Gerais, como do Brasil: recebeu 130 mil visitantes, só em 2007. Jochen Valz arrisca algumas explicações para o sucesso: “talvez porque essa seja a única coleção aberta ao público em que arte contemporânea brasileira e a estrangeira estão lado a lado, discutindo as mesmas questões de mobilidade; ou porque o espaço de jardim seja mais aberto e flexível que o de museus tradicionais; além disso, o museu não se fecha em círculos, oferece espaços morbianos, um arquipélago de pavilhões sem hierarquização, sem centro, pode-se ir e voltar várias vezes, utilizando-se cada vez um novo caminho. (...) Inhotim é a síntese perfeita entre arte e natureza, arquitetura e paisagem, centro e periferia.”
Já existem trabalhos artísticos recentes, dentro da coleção de Inhotim, que resultam de relações com a comunidade local. Jarbas Lopes, em 2002, dispôs fuscas coloridos – meio de transporte muito comum na região - nos jardins, em um trabalho intitulado “Troca-troca”. Pipilotti Rist filmou grande parte das cenas de sua vídeoinstalação “Homo Sapiens”, de 2005, em Inhotim – o trabalho, diga-se de passagem, representou a Suíça no Bienal de Veneza de 2005 (figura 1). John Ahearn e Rigoberto Torres, por sua vez, fizeram um painel externo tematizando os grupos locais de congada, no trabalho “Abre a Porta”, de 2006 (figura 2).
Figura 1 – Cena de vídeo-instalação da artista suíça Pipilotti Rist, “Homo Sapiens” (2005), filmada em Brumadinho, MG. Foto: Assessoria de imprensa da artista.
Figura 2 - John Ahearn e Rigoberto Torres – “Abre a Porta”, tinta automotiva sobre fibra de vidro, 530 x 1500 X 20 cm, 2006. Foto: Eduardo Eckenfels.
Em meio aos jardins e edifícios que compõem o complexo de Inhotim, que ainda não está totalmente pronto, trilhas darão acesso a recantos inexplorados e alguns espaços foram criados exclusivamente para expor determinadas obras ou espécies vegetais. Vale lembrar que o CACI fica em uma zona de transição entre cerrado e mata atlântica, contando com grande biodiversidade - objeto de pesquisas científicas que correm paralelamente à vocação artística da instituição. De acordo com Jochen Valz, a educação ambiental, hoje, tem seus próprios programas, ligada ao departamento de botânica e estudos ambientais.
Tamanho desejo de unir arte e natureza remete, de um lado, à inspiração de Burle Marx, e de outro, lembra a maneira como o antropólogo Claude Lévi-Strauss[3] definiu a arte. Em O Pensamento Selvagem (1962), o pai da antropologia estruturalista escreveu que a arte se insere a meio caminho entre o conhecimento científico - que opera por conceitos, livres em relação ao referencial - e o pensamento mágico ou mítico - que opera por signos, reorganizando resíduos sensíveis colados à realidade concreta. Para Lévi-Strauss, a arte se aproxima do pensamento mítico ao manipular signos e, ao mesmo tempo, representa uma forma de conhecimento, como a ciência. As obras artísticas, portanto, estão entre o mito e a ciência e relacionam-se tanto com a natureza, como com a cultura.
Pinacoteca: um museu cidadão
A coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo compreende peças do século XVIII até o presente. Se no início, sua coleção era voltada para a produção oficial e consagrada, a partir de 1970 passou a comprar obras contemporâneas e, em 2003, lançou um programa de aquisições sistemáticas. Marcelo e Taísa destacaram o Projeto Octógono, com curadoria de Ivo Mesquita, que promove exposições temporárias de trabalhos contemporâneos, nacionais ou estrangeiros, concebidos especialmente para uma sala do edifício que tem a forma de um octógono.
Figura 3 - Vista do Octógono da Pinacoteca, durante a produção da instalação "Contaminação", de Joanna Vasconcelos, em fevereiro de 2008. Fotografia de Clóvis França.
O forte do acervo da Pinacoteca e o princípio que norteia sua política de aquisições é “a produção feita no Brasil ou que dialogue com o Brasil”. Marcelo Araújo admitiu que tal proposição é chamada de “provinciana” por alguns de seus colegas, mas se defendeu: “não partilhamos de uma visão nacionalista e xenófoba, mas é preciso pensar, em termos práticos, nos limites de um museu”. De acordo com os representantes da Pinacoteca, priorizar a aquisição de trabalhos assinados por artistas brasileiros ou cuja temática dialogue com o País não significa, de maneira alguma, se fechar aos diálogo, ás influências e às trocas interculturais.
Tanto é que a fala de Marcelo Araújo e Taísa Palhares teve como ponto de partida um trabalho de Marepe, exposto em 2005 no Centro Georges Pompidou, dentro da programação do Ano do Brasil na França. O artista baiano levou um “Retrato de Bubu” – apelido de seu avô, nascido no recôncavo baiano - para ser exposto ao lado de um retrato do presidente Pompidou, feita pelo húngaro Vasarely, que fica pendurada no hall do centro cultural parisiense. O trabalho foi depois adquirido pela Pinacoteca do Estado de São Paulo, porque condensa diversas questões.
Conforme explicou Araújo, “trata-se do diálogo entre a formação popular, a memória pessoal e a tradição européia. (...) Essa obra é também exemplar no que diz respeito à inserção dos artistas brasileiros. (...) Só nos anos 1990 a circulação de artistas brasileiros atingiu o patamar global, sendo que alguns estão muito mais bem representados no exterior do que outros – como é o caso de Marepe. Por outro lado, demora até que suas obras sejam incorporadas pelas coleções brasileiras. Esse fenômeno coloca em xeque a relação entre cópia e original, entre modelos do hemisfério norte e releituras locais. Parece não haver mais a dicotomia rígida entre nacional e internacional, (...) a passagem do moderno para o contemporâneo é marcada pelo desejo de construção de uma arte internacional”.
Figura 4 – Projeto de Marepe para a instalação “vermelho, amarelo, azul e verde” (Paris, 2005), inspirada nas cores do edifício do Centro Pompidou e concebida para dialogar com sua arquitetura. No canto superior esquerdo notam-se os dois retratos a que Marcelo Araújo se referiu. Imagem de divulgação distribuída pelo Centro Gerorges Pompidou.
Como a Pinacoteca é uma instituição pública, ao contrário do caso de Inhotim, suas aquisições precisam ser muito bem fundamentadas e devem tentar suprir lacunas existentes nas coleções brasileiras. Nas palavras do diretor da instituição: “O museu tem o papel social de formar uma visualidade, formar cidadania. (...) E o público ainda é muito heterogêneo do ponto de vista da formação. Cabe ao museu aproximar essas imagens distantes e facilitar sua leitura. Uma outra preocupação nossa é a inserção da Pinacoteca no espaço urbano, em uma região permeada de conflitos. Pensamos em projetos que a coloquem em relação a seu entorno”.[4]
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Provocação: o colecionismo é apolítico?
O debatedor da mesa, Felipe Chaimovich, reagiu de forma direta e provocadora às exposições feitas pelos membros da mesa, alegando que ambas as instituições – CACI e Pinacoteca – criaram coleções fundamentais, mas se abstêm de posicionamento político. “Tanto no caso de Inhotim, como no caso da Pinacoteca, falta um ponto de vista político sobre o papel da arte brasileira no mundo globalizado, na medida em que existe uma série de pressões que precisam ser problematizadas”. Chaimovich lembrou que o Metropolitam, o Louvre e mais três grandes museus assinaram em conjunto uma declaração que defende o “museu universal”, apto a representar o mundo todo como objeto de uma única coleção, declaração esta que foi rapidamente reconhecida pelo Conselho Internacional de Museus - ICOM. Segundo o crítico, a mensagem de fundo do referido documento seria: “nós não vamos devolver os tesouros pilhados de vários países, como os mármores gregos pilhados pelo British Museum”. Fazendo uma ponte com o trabalho de Marepe adquirido pela Pinacoteca, Felipe Chaimovich afirmou: “a aquisição de Marepe pela Pinacoteca evidencia um problema: endossa o papel central do Centro Pompidou e dá peso histórico à obra do Marepe”. Portanto, se é verdade que o Brasil tem conquistado aos poucos um espaço mais significativo na história e nas coleções de arte, também é verdade que acabamos por “endossar a legitimação internacional, sem criar instâncias locais suficientemente fortes”. Exemplo disso seria o caso de Hélio Oiticica, cujo reconhecimento e a valorização monetária vieram em grande parte de fora, gerando uma bolha inflacionária.
Jochen Valz, em sua resposta a Chaimovich, acabou concordando com a crítica, na medida em que comentou que Inhotim recebe mais destaque na mídia internacional do que na mídia nacional – existe, inclusive, um vôo charter internacional direto para as proximidades de Brumadinho. Jochen também deixou claro que os rumos da coleção que está se formando, em Minas Gerais, foram semeados pelo gosto pessoal de um colecionador particular e que, hoje, seus curadores procuram estabelecer diálogos formais e temáticos entre as peças, porém sem qualquer preocupação narrativa ou de representatividade.
Marcelo Araújo, por sua vez, ressaltou que a aquisição de Marepe é uma entre várias, que o acervo da Pinacoteca aumentou cerca de 50% com o Programa de Aquisições, subindo de 5000 obras para 8000 obras. Traçou ainda a diferença entre uma coleção privada e uma pública: “ao contrário de Inhotim, a Pinacoteca foi criada como museu e sua política de aquisições parte do acervo, dos pontos fortes e falhos do que já se tem. Por exemplo, a Pinacoteca é uma das maiores detentoras de Almeida Jr. e quer investir mais para reforçar essa vertente”. Sobre a pressão internacional, o diretor da Pinacoteca comentou que ela inviabiliza a compra de obras inflacionadas como Oiticica e Lígia Clark. Lembrou que há artistas em comum no acervo de Inhotim e da Pinacoteca – como Cristine Iglesias e o próprio Marepe – e que as duas instituições têm estabelecido processos de parcerias, tendo inclusive realizado seminários em conjunto. Arrematou com a proposta de que “a finalidade social deveria pautar tanto as coleções públicas, quanto as particulares”.
Considerações finais: a importância da mediação cultural
Criar estratégias para democratizar o acesso e a fruição das diversas camadas da população em relação às produções artístico-culturais tem sido um desafio central dos museólogos, gestores culturais e arte-educadores nas últimas décadas. A conscientização do quanto é fundamental derrubar ou minimizar as barreiras que separam público e obras certamente deve muito à sociologia da cultura de Pierre Bourdieu, que convém sintetizar em algumas linhas.
Em primeiro lugar, o autor francês foi pioneiro em desconstruir, com base em pesquisas empíricas, a idéia de que a diferença nas atitudes das pessoas frente às obras se devesse a desníveis em suas faculdades sensoriais ou a predisposições naturais – o "bom ouvido", o feeling e assim por diante. A publicação de L'amour de l'art, em co-autoria com Alain Darbel, em 1969, apontava para a direção oposta: o "amor pela arte" seria fruto de aprendizagem e socialização. A partir dessa pesquisa, baseada em ampla sondagem estatística, não se pôde mais falar de um público no singular, um público abstrato, mas de públicos no plural, com competências e repertórios diferenciados. Foi assim que surgiu o conceito de capital cultural[5], medido por diplomas e pela origem familiar. Este livro levou os museus franceses, inclusive, a repensarem suas estratégias de comunicação. [6]
Quinze anos mais tarde, em La Distinction (1979), Bourdieu se lançou à explicação das diferenças de posicionamento político, de comportamento e de apreciação dos produtos culturais presentes nos diferentes estratos da sociedade, por meio de um novo conceito: habitus.[7] O sociólogo francês argumentava que os atores sociais fazem um uso estratégico do gosto, manejando sua destreza lingüística e estética como maneira de se demarcar socialmente de grupos com menor capital cultural e de obter reconhecimento simbólico e prestígio. Nessa lógica, o consumo cultural e o deleite estético são acionados como forma de distinção, ou seja, a familiaridade com bens simbólicos traz, consigo, associações como "competência", "educação", "nobreza de espírito" e "desinteresse material". No pólo oposto, a falta de intimidade com o repertório e os códigos do universo artístico constrangem e afastam os não-iniciados.
No caso da arte contemporânea, a necessidade de mediação entre obras e públicos se torna particularmente aguda. Nathalie Heinich[8], em L´art contemporain exposé aux rejets (1998) discute a rejeição do grande público à produção contemporânea. De acordo com ela, as obras fazem entrar em crise os princípios canônicos que definem tradicionalmente as obras de arte, desde a noção de figuração até a própria idéia de invenção. Elas engendram, assim, um vazio de significado no público, que tenta atribuir-lhes um sentido seja na lógica econômica (quanto custou a obra, quanto rendeu para a cidade, para que serve), seja no registro técnico (quantos metros, quais materiais, dificuldade na elaboração etc.). Além de levar o público não-especializado a se afastar da arte contemporânea, o hermetismo e o radicalismo na experimentação gerariam uma forte dependência das obras contemporâneas em relação ao discurso, que as explica e lhes confere valor.
Ao mesmo tempo, a demanda do público brasileiro tende a aumentar. A dupla de jornalistas e curadores Marcelo Rezende e Fernando Oliva, em sua fala na segunda mesa do Workshop - "Atualização / tecnologias / usos” - alertou para a chegada de milhões de brasileiros das camadas C e D ao mercado de consumo cultural, em virtude das políticas de distribuição de renda e das transformações econômicas observadas no Brasil, nos últimos anos. Oliva e Rezende desafiaram os participantes do Workshop a repensarem, em sua prática, o tipo de produto cultural, as estratégias educativas, as linguagens e as formas de acesso que oferecem, a fim de poderem dar conta dos novos públicos que, em breve, estarão ávidos por participar das práticas e eventos artístico-culturais.
Tendo toda essa discussão sobre mediação, inclusão, democratização e democracia cultural[9] como pano de fundo, nota-se o quanto o discurso dos participantes da mesa de debates sobre colecionismo – e das respectivas instituições que representam – está em sintonia com as tendências mais informadas e generosas de ação cultural. Nas palavras de Jochen Valz, um dos pontos fortes do novo CACI é a preocupação em “atrair novos públicos para a arte, educar o olhar em um contexto onde antes não havia uma instituição artística, (...) fazendo de Inhotim um espaço privado que não é espaço de fuga”. Da mesma maneira, Marcelo Araújo, no final de sua fala, ressaltou a “necessidade de programas educativos que promovam a aproximação do público com essa produção”. Portanto, quem assistiu a essa mesa mesa, saiu relativamente otimista em relação às políticas e projetos culturais em curso no Brasil.
Referências bibliográficas
Bourdieu, Pierre. O Amor pela arte. São Paulo: Edusp/Zouk, 2003.
Bourdieu, Pierre. A Distinção. São Paulo : Zouk, 2007.
Goldstein, Ilana. Responsabilidade Social : das grandes corporações ao terceiro setor. São Paulo: Ática, 2008.
Heinich, Nathalie. La gloire de Van Gogh. Essai d’anthropologie de l’admiration. Paris: Minuit, 1991.
Heinich, Nathalie. L'art contemporain exposé aux rejets. Nimes: Jacqueline Chambon, 1998a.
Lévi-Strauss, Claude. O Pensamento Selvagem. Campinas: Papirus, 1991.
Passeti, Dotohea. Lévi-Strauss, antropologia e arte. Minúsculo-incomensurável. São Paulo: Edusp/Educ, 2008.
[1] Para mais informações sobre a instituição, consultar o site: www.inhotim.org.br.
[2] A maior parte das obras da coleção de Inhotim – que inclui nomes como Matthew Barney e Franz Ackermann - não fica exposta, mas guardada. Desde 2005, quem decide o que vai ser mostrado, a cada dois anos, são os curadores convidados Rodrigo Moura, Allan Schwartzman e o próprio Jochen Valz, participante do Workshop. A última mudança na exposição ocorreu em outubro de 2006, portanto novidades devem estar a caminho.
[3] Claude Lévi-Strauss sempre foi um amante das artes, inclinação que esteve presente desde a sua juventude, antes mesmo da paixão pelo “exótico”. Isaac Strauss, bisavô de Levi-Strauss, era violinista e regente de uma pequena orquestra. Já o pai de Claude Lévi-Strauss, retratista formado pela Escola de Belas Artes, premiava seu filhos pelas boas notas na escola com uma visita ao Louvre ou uma audição na Ópera. Para saber mais sobre o assunto, ver Passeti, 2008.
[4] Não se pode deixar de mencionar, embora o assunto não tenha vindo à tona no Workshop, a importância de Emanoel Araújo à frente da gestão da Pinacoteca, de 1992 a 2002. Ele introduziu uma nova dinâmica na entidade, que resultou no acesso do grande público a várias exposições de nível internacional, promoveu melhorias nos equipamentos e espaços. A reestruturação espacial e conceitual da Pinacoteca rendeu a Emanoel Araújo uma menção honrosa da Associação Brasileira de Críticos de Arte, em 1999.
[5] O capital cultural é um conjunto de qualificações relacionadas ao contexto familiar e escolar dos indivíduos, acumulado e transmitido de geração em geração, e que traz poder simbólico a seu detentor. O capital cultural se cristaliza em três formas principais: a forma incorporada, ou habitus cultura, fruto da socialização prolongada, que permite, por exemplo, falar bem em público ou se sentir à vontade em uma ópera; a forma objetivada, presente em bens culturais (livros, quadros, discos); e a forma institucionalizada, presente nos títulos e cujo valor depende do mercado de trabalho em cada momento.
[6] O trabalho da dupla francesa deu origem a um dos principais instrumentos da política cultural francesa. Desde 1974, o governo encomenda levantamentos estatísticos periódicos sobre a vida cultural das regiões, para um relatório intitulado Les pratiques culturelles des français. São estimados, para cada faixa etária e categoria sócio-profissional, o número médio de idas a museus, de freqüência ao cinema e ao teatro, de visitas a monumentos históricos, a prática amadora de modalidades artísticas, entre outros indicadores. A partir daí, delineiam-se as estratégias e prioridades do Ministério da Cultura para os anos seguintes.
[7] Trata-se de uma espécie de cruzamento entre as determinações estruturais objetivas (origem familiar, área de atuação profissional, situação financeira, escolaridade etc.) e as iniciativas individuais dos agentes; de uma série de "disposições estáveis", que fazem com que operemos numa determinada direção e não em outras.
[8] Em várias publicações da autora, os pontos fortes são a análise e a classificação cuidadosa dos discursos – e dos valores e interesses neles contidos –, emitidos por grupos e indivíduos acerca das obras de arte. Um de seus primeiros livros, por exemplo, La Gloire de Van Gogh (1991) - que já existe em português - procura mostrar o quanto “o mito do artista incompreendido” contribuiu para valorizar os preços das telas desse pintor holandês e para angariar simpatia do grande público. A autora se interessou pela “santificação” do artista, construída em cima de uma biografia cheia de sacrifícios e analisou a fortuna crítica do pintor, escrutinando julgamentos e discursos a seu respeito – não necessariamente de ordem estética.
[9] Dentro dos projetos culturais e políticas, podem-se distinguir duas missões distintas. Algumas iniciativas buscam a democratização cultural, que significa popularizar obras eruditas, tendo como objetivo, portanto, o acesso do maior número possível de pessoas à cultura erudita. Outras iniciativas procuram ir mais longe, perseguindo a democracia cultural, ou seja, oferecem espaço para todas as manifestações culturais, mesmo as populares, não consagradas, oriundas das ruas, como o grafite e o hip-hop. A idéia, neste segundo caso, é aumentar não apenas o consumo, mas a produção cultural plural, em suas diversas linguagens e envolvendo várias camadas sociais (cf. Goldstein, Ilana. Responsabilidade Social: das grandes corporações ao terceiro setor. São Paulo: Ática, 2008).