Seminários Joseph Beuys: A Revolução Somos Nós
Dia 18 de setembro de 2010. 10:00 da manhã. Nos jardins do SESC Pompéia, em São Paulo, inicia-se a plantação de sete quaresmeiras como uma referência simbólica ao trabalho “7000 Carvalhos” criado para a Documenta VII, em Kassel, e teve seu término 5 anos depois, na Documenta VIII, em 1987.
Funcionários e visitantes dividem pás e mãos ao lado do curador Antonio d´Avossa, professor da Accademia di Brera, em Milão, Rainer Rappmann, criador da Editora da Universidade Livre Internacional, a F.I.U. e Volker Harlan, autor de O que é Arte? Conversa com Joseph Beuys (1986). A ação coletiva anuncia este dia de seminários organizados pela Curadoria Educativa da Exposição A Revolução Somos Nós, que acontece na instituição e que traz para o Brasil uma mostra com 250 obras de Beuys, entre cartazes, múltiplos e vídeos.
Levantar a energia e o legado deste artista é sempre um convite a um mergulho reflexivo sobre a natureza das artes, da criação e do ser humano. Com seu repertório de conexões hibridas e inusitadas, Beuys evoca questões profundas no que diz respeito a natureza, a política, a educação, a economia e ao sentido da vida levando-nos assim ao tema chave desta exposição: A Revolução Somos Nós sobre o qual, ao longo do dia, d´Avossa, Rappmann e Harlan desenvolveram suas falas.
Segundo a coordenação educativa, os seminários foram planejados para trabalharem de forma a expor o pensamento de Beuys, oferecendo elementos importantes para um acesso ativo aos trabalhos e documentos da mostra, criando assim uma abertura para a prática coletiva e individual do que Beuys nomeava como Escultura Social, expandindo o conceito de escultura para além do campo restrito às artes. Pensamento, linguagem e ações cotidianas inerentes ao próprio viver eram considerados pelo artista como características do processo de modelar ou esculpir.
Neste sentido, a materialidade para o artista; ou ainda; os elemento materiais presentes em seus trabalhos, como a gordura, a cera de abelha ou o feltro, são vistos como ferramentas de demonstração daquilo que seria invisível aos olhos concretos, mas visível aos olhos do espírito: o poder de criação de cada ser humano. Um conceito que podemos encontrar no mote “Todo ser humano é um artista”, uma das mais conhecidas afirmações de Beuys.
É pela via da Escultura Social que Antonio d´Avossa inicia o primeiro seminário do dia contextualizando a partir deste conceito a partitura que dá nome à exposição “A Revolução Somos Nós”. Esta surge em 1971, durante uma estadia do artista na ilha de Capri, na Itália, a convite do galerista Lucio Amelio e é acompanhada de uma das inúmeras imagens produzidas por Beuys durante sua vida artística.
D´Avossa enfatiza a criação desta partitura como um dos momentos mais importantes da produção beuysiana por conter uma essencialidade informativa daquilo que se anunciava na extensa atuação seguinte de Beuys no cenário das artes: A revolução somos nós como a nossa possibilidade de crescimento coletivo.
Trabalhos como Arena, de 1972 e Palácio Real, de 1985 foram expostos pelo curador no sentido de ampliar a reflexão sobre o tema central. Em Arena, temos a questão da imagem como uma documentação ativa que mobiliza internamente a cada espectador a partir dos pensamentos promovidos por estas. A intenção de Beuys era questionar o conceito de tempo. Neste trabalho emblemático de sua carreira, Beuys demonstra seu pensamento a partir de 400 imagens montadas em molduras metálicas. As fotografias expostas foram transformadas sendo untadas com materiais energéticos como a cera e a gordura. Através da presença destes elementos, Beuys buscava unir todas as suas atividades como artista realizadas até então dentro de um único movimento de transformação e cura. Segundo o curador é neste momento que o artista assume seu papel de um terapeuta que ansiava curar o mundo por meio da Arte.
Já na mostra Palácio Real - a última exposição em vida de Beuys - o artista expõe duas vitrines com os objetos pessoais que lhe foram mais significativos, assim como alguns trabalhos anteriores. Pelas paredes da sala, encontram-se sete painéis de metal. Antonio d´Avossa situa esta exposição como um testamento de Beuys no qual ele apresenta os elementos síntese de todo seu legado e que são apresentados pela primeira vez conjuntamente. A imagem de um palácio real dirige-se a uma analogia na qual todos os seres humanos são reais por serem responsáveis pelos reinos que criam e governam: A Revolução Somos Nós.
Volker Harlan ofereceu-nos o segundo seminário e trouxe-nos um rico material que abordou o pensamento e os trabalhos de Beuys pela via da botânica e de sua relação com os estudos de Goethe e de Rudolf Steiner.
Harlan buscou abordar como Beuys trabalhava e o que o moveu para a criação de suas teorias. A visão Antroposófica de Steiner sobre botânica ou ainda sobre a própria natureza como um todo são colocadas como de fundamental importância para um olhar mais profundo e interior à obra de Beuys. revelando inúmeras ligações simbólicas mais sutis e mais próximas da origem ou do impulso criativo inicial. Harlan escolhe dois caminhos principais: a obra Bomba de Mel no Local de Trabalho, apresentada por Beuys em 1977, na Documenta VI e as anotações pessoais de Beuys, feitas durante sua leitura do livro “Contribuições botânicas e comentários para compreensão das palestras sobre Ciência do Espírito e Medicina do Dr. Rudolf Steiner, uma abordagem”, de G. Grohmann.
Segundo Harlan, é após a leitura deste livro em 1947, quando o artista contava com 26 anos, que Beuys chega à estrutura central sobre a qual se erguerá a Teoria da Escultura Social. Passo a passo, são mostrados inúmeros desenhos realizados por Beuys nas bordas do livro e nos quais podemos acompanhar por meio de pequenos diagramas como o conhecimento oferecido pelo autor vai sendo traduzido na forma de uma linguagem visual carregada de códigos pessoais que irão se desenvolver durante a carreira futura de Beuys.
Já no trabalho Bomba de Mel no Local de Trabalho apresentado durante os 100 dias de duração da Documenta VI, em Kassel, o artista utilizou, 100 kg de margarina, 2 toneladas de mel e dois motores. Estes foram instalados nas escadarias do Museu Fridericianum e ligados por mangueiras a um espaço onde aconteceram discussões, leituras, seminários, filmes e demonstrações da Universidade Livre Internacional, a F.I.U. O objetivo de Beuys era que estes encontros se transformassem em uma orgânica continuação do trabalho, na qual idéias e pensamentos seriam igualmente esculpidos e modelados em harmonia com a energia gerada pelos elementos presentes no trabalho. Com “Bomba de Mel”, Beuys aponta para o potencial criador de cada ser humano como seu verdadeiro capital. Neste sentido, o mel é comparado ao sangue humano, uma interpretação originariamente dada por Rudolf Steiner na qual ambos os líquidos apresentam-se como substâncias vivas que possibilitam a manutenção de um organismo social produtivo e criativo.
Por fim, Rainer Rappmann focalizou o último seminário falando-nos sobre os conceitos que geraram e que mantêm as atividades da Universidade Livre Internacional. Rappmann pegou o microfone e anunciou que a partir daquele momento a Universidade Livre de São Paulo estava aberta e as discussões que seriam iniciadas ali poderiam ser continuadas no contêiner criado para as atividades da F.I.U ao lado do espaço de exposição.
Rappmann enfatizou que no legado artístico pedagógico deixado por Beuys, as idéias não deveriam ser seguidas como uma receita que executa e repete aquilo que ele fez, mas sim, precisavam ser vistas como conceitos substanciais abertos que se transformam organicamente de acordo com a natureza criativa de cada indivíduo ou de cada grupo. Desta forma a F.I.U, embora aconteça em um lugar físico, não é um local físico mais sim um espaço que precisa ser construído a cada instante. Em seguida, analisou diagramas e desenhos que Beuys utilizava durante os encontros promovidos pela FIU. Nestes, a filosofia de Rudolf Steiner se integra a conceitos históricos e sociais, assim com às próprias idéias do artista sobre evolução e organização da sociedade. Para Beuys; assim como para Rudolf Steiner; toda transformação genuína deveria ser física e espiritual ao mesmo tempo e os elementos materiais; sejam estes corpos que abrigam a vida ou materiais orgânicos; são tidos como o eixo fundamental por promoverem calor e movimento.
Assim, como um corpo aberto e em fluxo constante, a F.I.U só pode ser compreendida a partir do conceito de Escultura Social. Neste sentido, os seminários promovidos por Antonio d´Avossa, Rainer Rappmann e Volker Harlan, apontam para a partitura A Revolução Somos Nós como uma afirmação que se dirige em primeira instância para uma formação invisível; uma escultura em constante transformação modelada a partir de um núcleo ativo e criador que parte do interno de cada ser humano para então desdobrar-se naturalmente na construção posterior e conjunta de organizações político sociais. E como coloca o próprio d´Avossa: protejamos esta chama.