Mediação e interpretação de exposições, por Toby Jackson (Tate Modern) e participação de Carmen Aranha (MAC-USP)
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Comentando as questões que esquentaram o debate na noite anterior, Toby alfinetou os museólogos: novas práticas artísticas impõem outras formas de conservação, exibição e comunicação que exigem modos de atuação específicos na instituição de arte. A generalidade da “museologia”, segundo Toby, não satisfaz as necessidades do museu de arte.
Toby reforça que as práticas artísticas exigiram uma mudança no setor de educação, levando à concepção de ferramentas específicas para interpretação. Para isso, foi realizada uma pesquisa na Tate que revelou a insatisfação dos visitantes com o excesso de textos, exibidos de forma muito historicista. Ouvindo o público, educadores da Tate puderam perceber o que não estava bom, e propor algumas alterações.
Em 1999, antes de iniciarem as atividades na Tate Modern, educadores e diretores da Tate reuniram-se para discutir princípios adjacentes à questão da interpretação. Toby relatou sete medidas implementadas a partir dessa reunião:
1. decidiram colocar a interpretação no cerne da missão da Tate, o que permitiu explorar esta área de maneira mais eficaz;
2. partiram do princípio que a obra não tem significados auto-explicativos, portanto necessita-se de auxílio para interpretá-la;
3. enfocaram as leituras múltiplas, ou seja, várias maneiras de compreender e interpretar a mesma obra;
4. estimularam experimentação de novas idéias, ferramentas, métodos, isto é, tudo o que levasse à inovação;
5. ampliaram o espectro do conhecimento, valorizando a diversidade cultural (nesse ponto, Toby lembrou que na época era um problema para a Tate não ter um único curador negro);
6. alteraram a “voz” da Tate: ao invés de todos os textos serem assinados como “Tate”, cada autor escreveria ao público, dando seu nome ao texto, como se estivesse passando uma mensagem;
7. estabeleceram que deveriam fazer uma ligação do não familiar com o familiar, relacionando a obra de arte (o estranho) com o cotidiano, trazendo o lado de fora para dentro do museu, para com isso estimular as associações interpretativas.
Toby trabalha com a interpretação de várias formas. Na lista de práticas convencionais que também emprega, Toby citou a reelaboração de textos escritos por especialistas, deixando-os mais interessantes para o público, alterações no conteúdo das etiquetas de identificação das obras, melhorias no audio-guide, desenvolvidas com o apoio de pessoas que trabalham com rádio e misturando sons e músicas.
Sugere também outros recursos voltados a interpretação fora do museu (outreach) – para a ampliação do debate sobre arte e a cultura visual -, dando como exemplo a instalação de pontos de áudio com conteúdo relacionado as exposições do museu em lugares comuns como estações de metro, pubs, centros comerciais, etc.
Saindo da esfera do “convencional”, Toby deixou os participantes do seminário boquiabertos ao apresentar o guia multimídia desenvolvido por sua equipe em parceria com empresas de comunicação que realizam pesquisa de ponta em tecnologia. Trata-se de um aparelho “PocketPC” do tamanho de um PalmTop, mas com as funções de um computador de maior porte. Com este aparelho, o visitante pode acessar textos, imagens, filmes relacionados à obra que está vendo, além de jogos e atividades interativas que o envolvem com o ambiente do museu e com o contexto das obras que ali estão. A intenção é levar a pessoa a se questionar, a interagir, enviar mensagens, mandar informações para seu email pessoal, e fazer pesquisas.
Este aparelho é de fácil manuseio, e executa um programa disponível em várias línguas, inclusive linguagem dos sinais, através de filmes que integram deficientes auditivos na programação educativa da Tate – conta Toby que até alguns termos específicos da arte precisaram ser criados na linguagem de sinais para serem inseridos nestes filminhos.
O guia multimídia também tem jogos para que as pessoas possam brincar no espaço da galeria, além de mapas de localização, e espaço para comentários, que depois podem ser publicados na Internet.
Toby dá a dica do que é preciso para levar adiante um projeto ambicioso como o guia multimídia da Tate Modern: um bom parceiro em tecnologia, mas sempre detendo os direitos autorais; um compromisso com a arte; criar protótipos apostando nas tecnologias emergentes para envolver o público de maneira eficaz na interpretação; e sempre procurar valores agregados, como no caso dos filmes em linguagem de sinais.
Além do Tour Multimídia, o setor de Interpretação e Educação da Tate elaborou as Zonas de Aprendizagem, que são espaços distribuídos na galeria contendo computadores multimídia, livros, catálogos, material de arquivo mostrando o momento do fazer da obra, material para contextualizar as obras expostas naquela sala, jogos, objetos para manipulação com os quais os visitantes podem interagir e questionarem-se sobre o que estão vendo.
Assim, são criados estes espaços para que as pessoas possam, inclusive, relaxar ou realizar pesquisas relacionadas às obras que estão próximas. Foram apropriados também os espaços dos cafés: utilizando posters, telas de plasma, livros, catálogos para as pessoas folhearem de maneira informal. No percurso das exposições foram feitos painéis, com telas acionadas por toque, com informações sobre os principais contextos.
Até mesmo a linha cronológica foi elaborada de maneira criativa, sem rompimentos abruptos de um período para outro: são linhas do tempo flutuantes com caixas de vídeos para maiores informações para quem deseja expandir a consulta. São esses pequenos espaços dentro da galeria que permitem a pausa para a interpretação, conclui Toby.
Toby finaliza sua apresentação definindo os pressupostos do novo papel da educação nos museus: assumir os espaços públicos, com o controle editorial; associar-se a empresas parceiras e universidades; tratar a comunicação com a utilização da multimídia e das novas tecnologias; e propor ao museu grandes desafios.
Carmen Aranha retorna a alguns pontos tratados por Toby durante esses quatro dias de seminário:
1. a necessidade de questionamento dos programas conservadores que se desdobrem em idéias e programas inovadores, os quais trarão ao museu novas vozes, internas e externas;
2. a qualidade do aprendizado: fazer com que as pessoas se envolvam com a arte, oferecendo recursos, materiais de qualidade, que permitam essa experiência;
3. as teorias mais disseminadas sobre arte-educação, tópico de bastante discussão, pois Toby não vê necessidade de alinhar-se a nenhuma delas, e sim retirar de cada uma elementos que facilitem a interpretação;
4. a importância da educação como questão chave nos museus.
Assim, Carmen levanta algumas questões: como Toby avalia a cultura visual que a pessoa passa a ter após vivenciar todo esse processo educativo na Tate? O que significa estar sozinho diante da obra de arte, após passar por todos esses instrumentos mediadores? Que memória fica no visitante?
Segundo Toby, no momento em que a pessoa se vê sozinha de frente com a obra, não há nenhuma outra mediação, a não ser sua memória e seu conhecimento e o que se dá em seu coração e mente. Sugere que talvez sejam três coisas que restem da experiência com a obra: o prazer, o conectar-se consigo mesmo e o interrogar-se. Mas o palestrante não se considera ainda apto a avaliar as mudanças que podem ocorrer no indivíduo exposto a seus programas de mediação, e ressalta a importância de pesquisas mais aprofundadas, com diversos especialistas, para responder essa questão, pois gostaria de saber quais mudanças o visitante leva para a vida toda, e se seu público está mais disposto a receber a arte contemporânea e compreender o mundo da arte.
Aberto o debate, são feitas perguntas sobre as diferenças entre o trabalho no museu de arte e no museu, por exemplo, de ciências. Toby centra sua resposta na questão da interpretação, pistas dadas ao visitante para que ele crie um repertório capaz de estabelecer uma “conversa” com arte. Diferentemente do que ocorre no museu de ciências, no museu de arte o visitante precisa da interpretação para se apropriar da experiência com a obra, e o museu tem que criar o ambiente para isso, deve-se criar um espaço aberto e laboratorial para compartilhamento de experiências.
A presença de Toby no Brasil deixa um grande desafio aos participantes do seminário - funcionários de museus, educadores, críticos e artistas: transportar as atividades por ele implantadas na rede Tate à realidade brasileira, colocando a educação no cerne do museu e trabalhando as questões da arte contemporânea de forma inovadora e criativa.
(por Luciana Valio)