Comunidade e Acessibilidade - Públicos Adultos

Relato do debate ocorrido no dia 30/11/2005, na Pinacoteca do Estado.
Documentação
Seminário Educação e arte Seminário Educação e arte (texto)


Cativar a vizinhança, promover eventos de longo alcance, possibilitar diálogos alternativos com a arte. Estas são algumas das preocupações inerentes aos programas direcionados a adultos da Tate Modern, que Toby Jackson apresenta em sua fala.

O educador abre sua fala pontuando as atividades da Tate voltadas ao público adulto, deixando claro que os resultados mais importantes do programa são o envolvimento comunitário, a ação educativa transformada em ação política, a crítica cultural, a mudança de postura do público na recepção da arte e conseqüentemente na aceitação da história da arte.

Os programas da Tate voltados para adultos começaram a ser pensados há 4 anos, sempre com a consciência da diversidade de visitantes adultos.

A relação de proximidade com os participantes dos programas gera debates acerca da instituição e leva à conclusão de que os museus precisam promover mudanças endógenas, ou seja, dos procedimentos internos da instituição em relação ao seu público. Este processo acontece, por exemplo, no contato com os arte-educadores, nas visitas dentro das galerias onde é construída uma relação de cumplicidade crítica entre o público e os profissionais envolvidos. O museu torna-se assim um espaço para questionamentos sobre políticas públicas, ensino da arte e usuários, com o objetivo de vislumbrar uma nova idéia de museu.

Os Eventos Abertos da Tate têm uma programação renovada a cada 3 meses, com os “melhores palestrantes” ingleses da área de artes. Por meio de parcerias entre o museu e universidades ocorre uma ampla divulgação das palestras. O coordenador desta área torna-se um curador de atividades procurando recursos para complementar a programação das exposições apresentadas pelo museu.

A extensão dessas atividades se dá por meio dos Eventos On-Line que contam com uma programação de 30 a 40 palestras por ano. O principal objetivo é estender para pessoas de todo o mundo a memória das palestras e eventos ocorridos no auditório do museu, que tem capacidade para 200 pessoas. O registro dos eventos formam um importante arquivo sobre arte, que podem ser usados como fonte de pesquisa de estudantes, outras instituições e mesmo outros setores da Tate.

A Tate foi o primeiro museu a fazer um broadcast (transmissão em tempo-real pela internet) de uma palestra ao vivo há 5 anos, e isso se tornou uma prática na instituição. A palestra de Anish Kapoor, transmitida em tempo real, tornou-se um marco pelo número significativo de participantes on line. Os proponentes do programa nunca imaginaram que a iniciativa tivesse um alcance de público tão grande, o que prova a necessidade de ações de ampla difusão como esta.

Os recursos on line da Tate diferenciam-se completamente de outros sites de museus, que na opinião de Toby mais se parecem com vitrines de obras. Para que estes recursos tenham qualidade visual e funcional, a equipe do programa desenvolve pesquisas com grupos, patrocinadores e parceiros. Na montagem das propostas digitais são utilizados softwares populares para que o público possa estar cada vez mais próximo da visita presencial, por exemplo, virtualmente circulando esculturas, penetrando em instalações. Também são elaborados recursos para pessoas com objetivos diversos: crianças (trabalhos escolares), professores (recursos para aulas), artistas (pesquisas de artistas), pessoas com deficiências (recursos especiais), etc. O site também oferece um curso de arte à distância gratuito com emissão de certificado. Além dos 25 módulos, que compõem o curso, os alunos podem trocar idéias entre si e com os docentes em chats. Ainda no site são disponibilizadas atividades e pdfs com recursos de aprendizado que podem ser acessados livremente.

Os programas para adultos também contemplam o trabalho com comunidades locais. O entorno do museu é constituido por uma população de baixa renda, minorias étnicas, pessoas desempregadas, com baixa expectativa de vida. O papel da Tate neste contexto local é baseado em parcerias com organizações sociais, hospitais e centros comunitários. Além de abrir as portas do museu a este público, que não tem como costume visitar museus, a Tate também promove cursos de formação para os agentes sociais das instituições sociais vizinhas. Nestes cursos os agentes conhecem toda a estrutura da Tate e têm possibilidades de desenvolver um trabalho interinstitucional de qualidade.

Ainda no trabalho comunitário é desenvolvida uma iniciativa com um grupo de jovens intitulada “O Valor da Arte”, espaço para questionar as estruturas do mercado de arte. Os benefícios desta iniciativa são mútuas: o museu aprende como o público recebe seus produtos, cria estratégias para envolver as pessoas com a arte de forma mais natural e aprende como ensinar arte sem depender da formação cultural prévia do visitante. Já a comunidade ganha um museu mais aberto e acolhedor. Estes mesmos jovens podem participar de um curso de artes aberto, que por sua natureza interativa tem extrapolado as barreiras de estudo ao não só desenvolver conteúdo específico, como também ao facilitar aproximações políticas e identitárias, formando amizades e até casamentos. A interação nesse caso é ativa e real pois suas opiniões intercedem na estrutura do museu, ao, por exemplo, questionar a direção do museu sobre valores de ingresso e menu da cafeteria. Toby afirma que leva as reivindicações às últimas conseqüências, porque é preciso que a instituição mostre na prática a influência de seu público para não perdê-lo. A comunidade é um importante agente de divulgação boca-a-boca do museu, o respeito dela pelo museu fortalece sua razão de ser na localidade.

No que diz respeito à inclusão de pessoas com deficiências, a Tate possui um curso de língua de sinais para pessoas surdas. Esse curso visa também a formação de futuros tutores da coleção que atuarão como mediadores junto ao público surdo que visita o museu. Para deficientes visuais , além de um roteiro tradicional pelas galerias com toque em algumas obras, recentemente foi promovida uma exposição com desenhos em relevo feitos por artistas contemporâneos. Esta última ação, além de promover um envolvimento dos artistas com a deficiência visual, chamou a atenção da mídia.

As propostas apresentadas deixaram os participantes do seminário extremamente curiosos e instigados. A articulação da equipe de Toby Jackson com a comunidade em suas diversas representações (patrocinadores, entorno, internautas, pessoas com limitações sensoriais) impulsionou questões chave para o desenvolvimento de práticas similares no Brasil.

Mila Chiovato, coordenadora da área de Ação Educativa da Pinacoteca do Estado e mediadora do dia, relaciona a situação geográfica e social da Pinacoteca com a da Tate, afirma que a primeira preocupação dos educadores é trazer as pessoas para dentro do museu, para depois desenvolver a apreciação artística.

Também alerta para um ponto crucial: no Brasil, não é tradição nem nas classes menos favorecidas e nem nas classes mais abastadas a freqüência a museus, o que torna o número de excluídos culturais muito maior.

Afirma que a arte é uma construção da humanidade, o que possibilita transformar a realidade por meio de sua análise. Este é um dos grandes trunfos de motivação de sua equipe. Mila acredita que é necessário incluir o museu no cotidiano das pessoas, para que assim ele se torne um estopim de transformação. Fala da relação com parceiros que podem ser comuns (empresas ou instituições já ligadas ao museus), ou ideais (inusitados, mas que possibilitam uma relação de desafio na instituição, como lidar com situações sociais críticas dentro do museu), das diferenças entre os públicos infantis e adultos e da pressão quantidade x qualidade advinda dos patrocinadores.

Toby faz menção a dificuldades com os adultos céticos, e esclarece que para quebrar a desconfiança os educadores utilizam a própria construção da história como base de incertezas. Afirma que na Inglaterra também não é uma tradição entre famílias de classe baixa as visitas ao museu, afirmando que em primeiro lugar pensou em uma proposta de qualidade para famílias, e que cativar não- públicos é um processo posterior. O educador percebe na fala da mediadora que no Brasil existe uma abertura maior ao trabalho afetivo, o que é uma ferramenta importante de educação.

Sônia Guarita do Amaral, coordenadora do CECA-ICOM Brasil, fala de sua experiência no Instituto Arte na Escola. Afirma que a arte realmente tem um potencial transformador, mesmo que o público não “se apaixone”. Diz que sua última experiência foi com pessoas da elite, que apesar de não mudarem sua postura de preconceito em relação à arte contemporânea, aceitaram as mudanças em seus modos de encarar a realidade atual, pelo contato com obras carregadas de crítica social, enxergando melhor situações sociais de desigualdade, preconceito e massificação.

Paulo Portela, coordenador educativo do MASP, compartilha com os participantes a angústia de que as diretorias de museus e patrocinadores consideram que a qualidade dos programas educativos são conseqüência da quantidade. Também cita a desvalorização do educador de museu no Brasil, que é tratado como um estudante eterno.

Respondendo a solicitação de Amanda Tojal -coordenadora do Programa Educativo para Públicos Especiais da Pinacoteca-, por mais informações acerca das atividades para pessoas com deficiências visuais na Tate Modern, Toby fala de estratégias utilizadas por educadores no trabalho com deficientes visuais para construir pontes entre parâmetros estéticos e o cotidiano, promovendo a percepção e compreensão dos conceitos de arte para aqueles que não pode ver.

Como exemplo fala da comparação da flexibilidade das formas na obra de Dalí com as próteses de silicone para seios. Os cegos sentem a flexibilidade tátil, que é usada visualmente pelo artista. As visitas são sempre acompanhadas por educadores especializados em descrição neutra, isto é, isenta de interpretações e conceitos conhecidos apenas dentro da área de artes e da visualidade.

Depois de mais algumas questões da platéia o palestrante finaliza o dia relatando sua paixão pelo conceito do museu como laboratório, conceito esse lançado anteriormente por Martin Grossmann ao qualificar a ação da Tate Modern junto aos seus diversos públicos, promovida pelos programas coordenados por Toby Jackson.

Compartilha com os participantes que gostaria que o museu tivesse mais abertura para residência de jovens artistas que realmente pudessem intervir na estrutura da Tate. Um museu com tantas possibilidades de mediação poderia também desenvolver mecanismos de participação efetiva dos artistas, que são sua fonte de conhecimento.

(por Viviane Sarraf)