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A tirania da visibilidade

relato por Jorge Menna Barreto - Agulhas Negras - Primeiro dia


"Bem vindos a esta situação muito estranha" foi a frase com a qual a diretora cultural do Goethe Institut em São Paulo, Jana Binder, iniciou sua fala de boas-vindas no primeiro encontro do Projeto Agulhas Negras nesta instituição.

O estranhamento se devia principalmente a um público presencial exíguo, formado por apenas 3 ou 4 pessoas. Todos os outros presentes, mais de 15 pessoas, pertenciam ao próprio projeto, que por sinal é um número incomum para os padrões da instituição que costuma receber apenas 2 ou 3 convidados em eventos.

Embora o objetivo desse encontro fosse "discutir o que são as práticas colaborativas em arte", a partir da residência que os artistas tiveram nas duas semanas em que ficaram em Campos do Jordão, a fala da diretora da instituição inquietou o grupo. Grande parte das discussões daquela noite, portanto, incluiu a provocação de Jana: "Por que ninguém está interessado no projeto Agulhas Negras?"

É claro que esta provocação foi feita em um certo tom jocoso, para logo em seguida elogiar o projeto e colocar o quanto ele está alinhado com os objetivos da instituição, no sentido de construir novas redes, relações multilaterais, amizades, novos formatos e apoiar ações artísticas deste gênero.

Em relação às práticas colaborativas, pouco foi dito ou problematizado. Já no final do encontro, eu mesmo, preocupado que o assunto não havia sido endereçado e que tinha a expectativa de que meu relato seguisse nesta direção, pedi que me dessem uma definição mais clara sobre o que se entendia como uma prática colaborativa no Agulhas Negras e de como distiguir processos colaborativos de processos coletivos. As respostas foram magras, e nenhuma das curadoras se manifestou sobre o assunto. Amilcar Packer, artista brasileiro participante do projeto,  se restringiu a dizer que "fazíamos tudo juntos, e portanto era um ambiente colaborativo". A artista Kristina Ask foi um pouco além, colocando que "colaboração é um grupo de pessoas trabalhando em uma direção, com diferentes tarefas". A artista colocou em dúvida se o projeto Agulhas Negras se caracterizaria como uma colaboração ou como uma prática coletiva, acabando por optar pela segunda.

Quanto à discussão sobre o público, Carla Zacagnini, co-curadora do projeto, buscou esmiuçar a provocação inicial de Jana. Colocou que a quantidade de pessoas presentes talvez se devesse ao aspecto aberto do projeto e à dificuldade de apreendê-lo em todas as suas camadas, pois talvez ainda fosse cedo demais para dar forma à experiência que o grupo teve nas duas semanas em que os artistas estiveram em Campos do Jordão. Este lado "amorfo", portanto, dificultaria uma instância de compartilhamento com um público maior, pelo menos neste momento.

Para Amilcar Packer, a falta de público estaria relacionada ao descompromisso do projeto com um resultado: "talvez [o projeto] não tivesse um intuito de produzir algo compartilhável". Amilcar coloca que talvez tenha sido o compromisso com as instituições apoiadoras que de uma certa forma geraram uma certa ansiedade em dar visibilidade a um produto neste momento. Ainda, o artista coloca que muitas vezes o público se interessa por "coisas prontas", e pensa que a ausência de público, neste sentido, não é necessariamente um fracasso do projeto.

De todas as maneiras, algumas peguntas que se colocam nesta situação são: de que forma a experiência vivida durante estas duas semanas em Campos do Jordão pode ser traduzida, ou compartilhada com um público maior? Ou, é realmente necessário que esta experiência ou produção ganhe visibilidade? Isto a legitimaria? Para quem e para quê? De que forma e quando? Qual a idéia de público, ou de tornar uma experiência de arte deste gênero pública? Quantas pessoas são necessárias para constituir um público, e de que forma a sua quantificação é um sinal do sucesso?

Tornando estas questões mais complexas, alguns artistas do projeto colocaram mais perguntas sobre este problema:

"O projeto está trancado em nós mesmos, e não é explicável nos formatos usuais do sistema das artes, assim que mais cedo ou mais tarde poderá se tornar um produto. No momento é como um cofre fechado com um tesouro...pode ser uma ofensa para o público, um cofre trancado com um tesouro".

Sophia Tabatadze, uma outra integrante, fala sobre o público: "Ninguém apareceu. Pode ser  cedo demais para falar sobre o projeto. Talvez este projeto não estivesse pronto para ser mostrado. Talvez tivesse sido corajoso dizer: "Desculpem, mas nós não estamos prontos". É cedo demais para refletir, e a ausência de público confirma isto".

Para Unnar Örn: "Há um público, mesmo que sejam apenas algumas pessoas. Isto é uma parte importante, mesmo que seja uma audiência imaginária. Este tipo de frustração é devido a impossibilidade de verbalizar...".

Conforme apontou a artista Emma Kihl, "somos artistas profissionais, portanto sabemos como comunicar, transmitir assuntos complexos. Mas aqui a gente se desarma, se estupidiza,... o interessante deste projeto é recuar deste profissionalismo e ser "burro", e não ser tão profissional. A beleza louca deste projeto é a dificuldade de traduzir isto tudo em profissionalismo."

De maneira geral, havia uma certa frouxidão no ar, uma falta de amarração conceitual, que não se sabia se fazia parte do projeto ou se simplesmente era cedo demais para esperarmos uma resposta do que foi a experiência, tal como mencionaram alguns dos artistas. Como não estive em Campos do Jordão, fica difícil não emitir um juízo de valor sobre a opacidade que o projeto manifestou neste formato de encontro, embora não deixe de simpatizar com aquilo que me escapa.