Sobre a exposição - Ready Made in Brasil
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- Texto do curador Daniel Rangel no caderno ilustríssima do jornal Folha de São Paulo em 08 de outubro de 2017
Há exatos cem anos, Marcel Duchamp chocou o mundo da arte, inscrevendo, sob pseudônimo de R. Mutt, um urinol numa exposição no Salão de Artistas Independentes de Nova York. A obra, intitulada Fonte, causou comoção: poderia um objeto do cotidiano ser considerado arte?
Idealizado pela N+1 arte e cultura e com curadoria de Daniel Rangel, a exposição Ready Made in Brasil estreia dia 10 de outubro no Centro Cultural Fiesp, trazendo um panorama da influência do readymade na produção artística brasileira de diferentes gerações, partindo dos anos 1960, até o presente. Os conceitos de apropriação e deslocamento, bases do readymade, são os eixos condutores da exposição, que reúne 50 artistas.
“A mostra Ready Made in Brasil celebra o centenário da obra Fonte de Marcel Duchamp, primeiro de seus readymades apresentado ao público, e sua ressonância na produção artística brasileira. A escolha dos artistas e obras que compõe a mostra se constitui a partir de dois eixos centrais: a proximidade direta com a obra de Duchamp e a conexão com o universo da indústria e da construção civil, ressaltado pelo espaço cultural que abriga a mostra”, afirma o curador. Daniel Rangel ainda destaca que o próprio título da mostra é, em si, um readymade, algo que surge da fusão e da apropriação de dois termos populares: readymade e made in Brasil.
Duchamp no Brasil
A influência duchampiana começa a ser percebida no meio das artes em diversos países simultaneamente, inclusive no Brasil, a partir dos anos 1960. Ready Made in Brasil apresenta os Popcretos, de Augusto de Campos e Waldemar Cordeiro, mostrados na Galeria Atrium em 1964, assim como um exemplar de Bólide, de Hélio Oiticica. Os Bólides compõem uma série de trabalhos de Oiticica, iniciados em 1964, em que o artista coloca o espectador em contato com diferentes artefatos de vidro, plástico e cimento, explorando, assim, a relação espectador-objeto a partir de uma conexão que se pretende intuitiva.
Ainda deste período, a mostra inclui obras de Lygia Clark, Lygia Pape, Wesley Duke Lee e Nelson Leirner, sendo esses dois últimos, membros do importante Grupo Rex, atuante em São Paulo entre 1966 e 1967.
A exposição também apresenta trabalhos dos principais artistas da geração dos anos 1970, sobretudo, daqueles que foram influenciados pela arte conceitual. Entre os trabalhos expostos estão ainda obras de Tunga, que pertencem à série Objeto do conhecimento Infantil, e que integraram a primeira exposição do artista, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1974. Também estão presentes a série Jogos de Arte, de Regina Silveira, realizada em 1977 a partir de apropriações de imagens e da sintaxe das revistas de palavras cruzadas e passatempos, e trabalhos de Cildo Meireles realizados em 1970, parte do projeto Inserções em Circuitos Ideológicos. Neste trabalho, Cildo interfere em garrafas retornáveis de Coca-Cola e em cédulas de cruzeiros e dólares, devolvendo-as à circulação.
Da mesma geração, destaca-se ainda Waltercio Caldas, presente com Prato comum com elástico, de 1978, trabalho que compõe o livro Manual da ciência popular. Utilizando o livro como suporte, o artista problematiza a diferença entre um objeto – artístico ou não – e sua reprodução, relacionando este trabalho também com a produção duchampiana.
A partir dos anos 1980, a maioria dos artistas já não se define mais como pintores ou escultores, no sentido tradicional. Seus trabalhos, muitas vezes, renovam o conceito do readymade duchampiano – tal conexão torna-se praticamente inerente a essa produção contemporânea. Jac Leirner, Marepe, Marcos Chaves, Felipe Cohen, Alexandre da Cunha, Pablo Lobato e Detanico Lain são alguns dos artistas que referenciam o readymade nesse período.
A mostra está espacialmente distribuída a partir de aspectos que consideram tanto cronologia quanto os procedimentos e materiais dos trabalhos dos artistas, com o intuito de permitir que o espectador crie circuitos diversos no mesmo ambiente: obras de artistas históricos do começo dos anos 1960 estão dispostas ao lado de produções recentes e algumas inéditas de artistas mais jovens.