As galerias como espaços modificados
Christine Mello abriu a primeira série de debates do Galeria Expandida
comentando as relações históricas ligadas ao questionamento do
Institucional na Arte. Na sua visão, o encontro daquele dia poderia
“remexer” um pouco a questão de um dos maiores dados institucionais que
é a História da Arte. No eixo histórico, alguns artistas produziram
“ações midiáticas ao longo dos últimos 40 anos”. Christine evocou as
idéias de Peter Burger em A teoria da vanguarda: O efêmero, a
cotidianidade, o questionamento da instituição e do objeto da arte
seriam alguns dos conceitos que fundamentam esse debate. Também sugeriu
pensar a História da Arte como produção de relações móveis, com ênfase
no processo. Asseverou que a concepção de história deve envolver uma
idéia de mobilidade, de processualidade, crítica em relação ao
presente. A ação proposta nessa exposição é “micro-contextual”, “uma
das temporalidades possíveis”. Christine sugeriu também a
possibilidade de um processo de historização e des-historização,
simultaneamente. Direcionar novos sentidos e sensações para o que
costumamos chamar de História da Arte. Naturalmente se referia à
própria organização da Galeria Expandida, cuja primeira parte é
composta pelo que a curadora chamou de “eixo histórico” (Analívia
Cordeiro, Regina Silveira, Ricardo Basbaum, Gilbertto Prado, Lucas
Bambozzi, Fabiana de Barros).
Trata-se, segundo ela, da arte ligada às práticas vitais, ligadas ao
circuito midiático. O que me fez pensar na performance do Second Life
que vimos anteriormente, o Fiteiro Cultural de Fabiana de Barros
colocado no espaço digital. Como o fluxo de transmissão de dados ainda
é insuficiente para a massa de informação a transmitir (a emulação da
vida envolve uma quantidade imensa de processamento) resulta que a
sensação de vitalidade fica sempre aquém daquela que remete
constantemente a uma codificação conhecida. Um jogo entre arte como
afirmação e como negação, talvez, como a própria Christine sugeriu.
Na exposição, o que se busca é o experimental na arte, como se costuma
dizer: quebra com as convenções, desobediência ao senso comum. Fico me
perguntando se seria uma espécie de “fuga do tempo” (como quis Hugo
Ball no DADA), uma des-historicização, uma tentativa de ultrapassar as
razões de mercado que balizam, queiramos ou não, uma situação como a
que está em debate.
Christine oferece uma alternativa ao dizer que na Galeria Expandida, as
obras se afastam da atitude clássica de negação em prol de uma outra
idéia, de negociação. Forças produtivas que reúnem percepção,
reprodução e distribuição, juntas. As forças produtivas do espaço
expositivo, da história da arte, do debate público. Nesse sentido, a curadora apresentou os convidados com base nas
expectativas sobre suas falas: Priscila Arantes – o histórico do
institucional na arte com ênfase no internacional (70 e 80) e André Mesquita – o mesmo, no contexto nacional e de SP.
Ao começar sua fala, Priscila aludiu ao fato de que o nome Galeria
Expandida já traz em si a idéia de limite/deslimite. Esta é uma questão
extremamente contemporânea pois não só se trata dos limites físicos,
mas de fronteiras maiores, geográficas ou políticas. Propôs, como
título de sua fala, Artemídia e circuito institucional – espaços de
troca
Em seguida, sugeriu três vetores para entender a discussão do deslimite
– crítica institucional, criação de novos circuitos e a discussão da
prática em arte mídia. E ainda como esses três vetores se rearticulam
no contemporâneo.
Historicamente, os movimentos de vanguarda já buscavam conexão com os
meios de comunicação. Priscila deu um exemplo dos futuristas, o
Manifesto Radiofonico de Marinetti (1933). Havia nisso já a discussão
da linguagem, da utilização da mída como dispositivo estético. Na mesma
década de 30, a transmissão radiofônica da Guerra dos Mundos de H. G.
Wells por Orson Welles tira seu sentido político da situação, o poder
do rádio, da mídia. Welles percebe a força da mídia, o que se patenteia
também através de Cidadão Kane (1941) e sua contraparte, que faz uso do
sentido reversor do personagem, Beyond Citizen Kane (1993 - no Brasil
Muito Além do Cidadão Kane) do documentarista britânico Simon Hartog ,
espécie de “denúncia” da hegemonia da Rede Globo no País. Priscila
lembrou também experimentos como os “Quadros telefônicos” do húngaro
Lázlo Moholy Nagy, professor da Bauhaus.
Nas décadas de 70/80 começa de fato uma predisposição ou desejo de usar
novos meios (videotexto, fax, outdoor, satélite, xerox, slowscan). Por
um lado, a utilização desses novos dispositivos envolve problematização
da linguagem, repensar outras maneiras de fazer arte, para além do
objeto acabado, a discussão do deslocamento, da desmaterialização; por
outro, essas produções também põem em debate a criação de novas
trajetórias no campo da arte que vão para além da mainstream (galeria,
museu). Naquele momento buscava-se também criar circuitos
alternativos. Romper com o institucional era uma saída para uma arte
produzida sob regime de exceção. São práticas muito underground; mesmo
as tentativas de inserção (Bienais, curadores) permaneceram pouco
aceitas. Dentre elas, Prisicila destacou o pioneirismo da Arteônica de
Waltemar Cordeiro.
Na perspectiva do contato com a arte para além do espaço físico,
através de outros canais, lembrou a Seção de Arte Postal curada por
Julio Plaza na 16a Bienal de São Paulo (1981). É importante assinalar
que este é o período da curadoria geral de Walter Zanini e que a Bienal
seguinte, especificamente, teve um papel decisivo de tornar estáveis as
percepções em torno de várias modalidades artísticas , desde o
happening (com a bela retrospectiva do Fluxus) até formas de criação
eletrônica que ainda emergiam. Não à toa, chamou-se essa Bienal de
“Interartes”. Acho que é interessante pensar que essa perspectiva,
sugerida em alguns dos escritos de Dick Higgins reaparecerá na
recuperação da noção de Tradução Intersemiótica pelo mesmo Julio Plaza,
que fizera a curadoria da exposição de Arte Postal. A perspectiva de
uma criação de novos circuitos leva a outras exposições dentro do tema
que põem em questão o caráter de propriedade privada da obra de arte.
Da mesma forma, a concepção de Arte pelo Telefone, agora com uso de
Modem e Fax, é retomada por Plaza em 1982 (MIS). O espírito que
presidia experimentos como esses apontava para a crítica ao espaço
institucional e consequente criação de novos circuitos. Paulo Laurentiz
em 1990 se propõe a invadir o Museu do Louvre via fax, sem autorização
(L'oeuvre du Louvre - invasões poéticas - trabalho unidirecional da
Unicamp para o Museu do Louvre). São práticas que repercutem uma série
de outras iniciativas que não necessariamente incorporam esses
recursos, como é o caso das Inserções nos circuitos ideológicos de
Cildo Meireles.
Tudo isto serviu a Prisicila para dizer que a interferência nos
circuitos não se dá apenas na artemídia. É o caso, por exemplo do grupo
3nós3: seja o X na galeria, seja encapuçar monumentos, muitas vezes as
ações reverberavam na mídia. A reverberação da ação física no espaço
midiático amplificava sua zona de interferência.
Nesse caso é incontornável a figura de Fred Forest e sua space media –
espaços em branco colocados em jornais de grande circulação. Há uma
relação direta com a situação da censura no Brasil da época (início dos
anos 70, quando visitou o País). No caso dele, tratava-se da criação de
outros circuitos dentro do circuito midiático. Da utilização do espaço
em branco no jornal determinado pelos cortes da censura.
Contemporaneamente, Forest vem atuando no 2nd Life.
Eu também acrescentaria os experimentos de Flávio de Carvalho nos anos
30 e 50 (desde a experiência no. 2 até o Traje de Verão). As
repercussões da mídia produziram efetivas interferências nos caminhos
do cotidiano e da arte em São Paulo. Esse é um princípio que desde
sempre estava presente na atuação daquele que foi chamado, por Haroldo
de Campos, de “o inventor do happening”. Assim, críticas aos mecanismos de mercado que envolviam a produção das
obras de arte vem ocorrendo desde Duchamp (museu portátil, cheque; no
Brasil o Zero cruzeiro e Zero dólar de Cildo Meireles, a chuva de
dinheiro da Márcia X, por exemplo).
A discussão do circuito/criação de novos circuitos também traz junto a
discussão do mercado. O problema que se coloca é: historicamente a
produção artística questionou o institucional; será que a arte
contemporânea ainda precisa do espaço institucional para legitimar-se?
Ou é o contrário: é este espaço que precisa da arte para se
legitimar? Nos anos 70 a arte cria outros circuitos para fora do espaço
consagrado. Hoje, talvez, a maneira de verificar isso seja um pouco
diferente. Priscila leu uma passagem do polêmico livro Art Power de
Boris Groys. Segundo ele, houve uma mudança do século 19 para o 20.
Nos oitocentos, o museu é que ditava o gosto artísico. Mas na virada
20/21 o convite para abandonar o museu tem um sentido totalmente
diverso. Vida real é o mercado global. O gosto é determinado por uma
circunstância que ultrapassa o museu.
Hoje, ainda segundo Priscila, há um exercício por parte do
institucional de fazer uma metacrítica de si mesmo e de sua atuação no
sentido de poder incorporar práticas disruptoras. O MoMA fez uma
exposição chamada “O museu como musa” (1999,
http://www.moma.org/interactives/exhibitions/1999/muse/ ), na qual só
aparecem produções críticas ao Museu ou que tentam repensá-lo. A idéia,
portanto, seria que este deveria abrir seu espaço para se renovar, mas
em função de um contexto que exige maior maleabilidade, um exercício de
se repensar. Já Adorno, na década de 60, assinalava a importância desses espaços
institucionais como lugares de produção de sujeitos críticos. Priscila
entende que hoje trata-se de se colocar estrategicamente dentro e não
fora. De criar circuitos dentro dos circuitos.
Também se persegue o institucional se repensando. Hoje a instituição é
um circuito e também não é. É de uma rede dentro da rede, com uma
configuração diversa daquela dos anos 70. Não há um fora, o circuito
tem, ao que parece, uma diferença de escala, não ontológica. Priscila
lembrou uma curadoria própria, em 2008, no Paço das Artes (i/legítimo,
dentro e fora do circuito). O sentido, segundo ela, foi criar uma
discussão dessa questão através de quatro vetores: trabalhos que
ironizavam o próprio espaço institucional; produções que não se costuma
ver nesse setor (hq, skate, video-clip); projetos políticos; e o
quarto, o vetor da curadoria, questões de direito autoral, propriedade
intelectual etc
O que se percebe, portanto, é um deslocamento da discussão que, se na
década de 70 obedecia a uma contraposição entre um dentro e um fora,
hoje muda para uma articulação dos diferentes agentes do universo da
arte.
O interesse declarado pela fala de André Mesquita voltou-se não só para
o Brasil mas também para o exterior e sobretudo os coletivos ligados às
práticas de arte, comunicação e ativismo. A proposta de André foi
discutir o interesse de alguns artistas em trabalhar com diferentes
redes de informação. Segundo ele, o nome da exposição (Galeria
Expandida) pode sugerir uma chance de confrontação da arte com o real.
Citou, então, a artista argentina Graciela Carnevali que, nos idos de
68, finalizou o “Ciclo de arte experimental” realizado pelo Grupo de
Artistas de Vanguardia em Rosario confinando os visitantes numa
Galeria. A apreensão do público foi tão grande que o vidro da
edificação foi quebrado na tentativa de buscar uma saída. O evento
ocorreu no dia de captura de Che Guevara e foi encerrado pela polícia.
Estava em questão, obviamente, a violência – física e a de um governo
autoritário. Que reações imprevisíveis as ações dos artistas podem
provocar? No encerramento das atividades do Grupo Rex em São Paulo, em
25 de maio de 1967 (Exposição não-exposição), os artistas divulgaram
que seriam dadas obras de arte de graça. A mostra durou 8 minutos e o
público reagiu agressivamente pois as obras estavam acorrentadas.
Acho interessante assinalar a frase de Wesley Duke Lee citada por
André: “Não é mais possível que as pessoas entrem numa galeria,
postem-se na frente de um quadro e fiquem a balançar a cabeça como
camelos”.
André citou também o antropólogo David Graeber que assinala que no
momento do protesto os atos de violência também são atos de
comunicação. A intenção declarada de André, portanto, seria mostrar
como a arte pode produzir espaços de questionamento. Menciona em
seguida o grupo Guerrilla Arts (1969) que entraram pelo lobby do Moma
cobertos de sangue de origem animal e exigiam que os Rockfeller saíssem
da curadoria do museu. Naquela época lutar pelo museu equivalia a se
posicionar contra a guerra do Vietnam, tendo em vista a ligação dos
Rockfeller com as empresas que fabricavam Napalm.
André insistiu que a arte não está fora do contexto social. Citando
Rosalyn Deutsche, afirmou que museus e galerias são espaços que
“abrigam privilégios e conflitos políticos. Como exemplo, mencionou o
artista Hans Haacke que instalou um equipamento de teletipo em uma
galeria (News, 1969) trazendo para aquele espaço “neutro” as manchetes
produzidas por uma agência internacional. Recentemente o artista
voltou a realizar o trabalho, ligando uma impressora a um site de
noticias.
Isto conduz à pergunta: Como um trabalho pré-internet pode ser
reativado hoje? Isto significa retomar a polêmica da desmaterialização
da arte, reflexão suscitada, no autor, pelo trabalho de Ricardo
Basbaum. No contexto do minimalismo/conceptualismo dos anos 70, Lucy
Lippard chamou esta tendência de “desmaterialização do objeto da arte”
mas segundo ela e próprio André, essas “tentativas de escape” do
confinamento pelas paredes erguidas nos museus e galerias não foram
suficientes para libertá-los desse mundo e nem mesmo do mercado”.
Tomando outro caminho, sugerido por Luis Camnitzer, André buscou, com
aquele autor, ensejar uma aproximação entre desmaterialização e
guerrilha urbana (Tupamaros no Uruguai), “ os quais, apesar de não
terem preocupações estéticas, buscaram comunicar suas idéias
diretamente com o público”. Nesse ponto eu chamaria a atenção para o
detalhe relevante da “ausência de preocupações estéticas”, o que é em
si mesmo um dado muito sério. Remeto à famosa frase do discurso de
Caetano Veloso nos anos 60 (“se vocês forem em política como são em
estética, estamos feitos”). O resultado de um certo encantamento com a
estética da tática política pode muitas vezes ser desastroso, em que
pese o bom argumento trazido por André.
Segundo ele, haveria uma espécie de tradição desmaterializada –
expandida pelos coletivos Mídia Tática quando frases impulsionavam
manifestações . O Grupo de Rosario contribuiu decisivamente para
evidenciar a falência do projeto capitalista. Na Operação Tucumán,
organizada pelo governo militar, a atuação dos artistas teve como
objetivo denunciar a falsidade da campanha publicitária do regime. Com
esse projeto (Tucumán Arde), o grupo antecipou as ações da mídia
tática. Em 3 de novembro de 1968 montaram na sede da CGT – e não numa
galeria – uma exposição de denúncia sobre dados e informações que
“corrigiam as manipulações da imprensa”.
Em seguida André citou trabalhos brasileiros que anteciparam a mídia
tática como A categoria básica da comunicação do 3nós3 (1979): frases
supostamente tiradas de livros de semiótica, mandadas para uma coluna
de um jornal de grande circulação. Em fins dos anos 70 e começo dos 80
artistas fizeram uso dos outdoors. Nelson Leirner teria sido o pioneiro
com uma obra para outdoor ainda em 1968. No caso do outdoor, a cidade
se converte em suporte para a atuação comum. Para o transeunte era uma
surpresa se deparar com trabalhos de coletivos como o Manga Rosa (anos
80), grupos que interferiram na propaganda já existente – frases
coladas em outdoors e placas de metrô. Outros trabalhos citados foram
os do Esqueleto Coletivo e do GAPA – (grupo anti-publicidade abusiva).
Para finalizar, André referiu-se às práticas coletivas que usam o
espaço da galeria com uma certa violência e se perguntou onde está
essa crítica? Segundo ele, ela escapa dos espaços das galerias, seja
questionando o transporte público em SP, a questão da moradia, etc.
Mencionou Alexander Albert que comenta os coletivos de arte e crítica
institucional. Para os artistas de coletivos não se define crítica mais
em função de espaços institucionalizados pois se trata de operar fora
dos limites do museu e dos espaços de arte. Nesse contexto a arte é
muito mais um meio do que um fim. O artista dentro da galeria é um
agente duplo. Como a questão da violência vem sendo exercida?
Citou então o caso do Professor da Universidade da Califórnia Ricardo
Domínguez, que vem sendo perseguido porque fez parte de movimentos de
midia tática. Em Transborder imigration tour a proposta consitia em
usar um sistema de GPS para ajudar imigrantes ilegais na fronteira do
Mexico. A pessoa em questão está sendo ameaçado de perder seu cargo e
sua situação na Universidade da Califórnia o que configura uma
situação de criminalização de uma ação artística.
(http://arte-nuevo.blogspot.com/2010/04/cartas-de-apoyo-para-ricardo-dominguez.html
No debate em seguida Christine Mello começou por chamar a atenção para
o trabalho do Esqueleto Coletivo, como um dos produtos que patrocina a
exposição.
Uma primeira interferência solicita que Priscila Arantes comente essa
maleabilidade do Museu (no caso, MoMA). Ela responde que, em função de
questões históricas, as coisas começam a se misturar, há uma
“brincadeira” com o patrocinador. A situação é de um agente duplo com
ação de guerrilha mas a própria instituição abre para isso e também faz
uma crítica a si mesma.
A pessoa ainda insiste no tem da suposta institucionalização a crítica. Isto teria acontecido?
Priscila responde dizendo que acha que sim e não. Aqui (na galeria),
ao que parece, houve uma institucionalização mas ela não vê assim. Ela
acha que esse tipo de resposta “sim ou não” não se sustenta mais.
Quando se traz isso para “cá” também se produz a oportunidade do
institucional se repensar. Acaba acontecendo, segundo ela, uma
abertura para a crítica dentro desses lugares.
André Mesquita respondeu dizendo que prefere pensar no fora. Mas
esforça-se por uma reflexão a partir da citada Ilegítimo. Quando o
próprio museu tenta absorver o discurso dessas práticas que estão fora,
será que aí a critica é diminuída porque é incorporada?
Christine Mello então lembrou de uma experiência de curadoria de Net
Art na bienal em 2002, em parceria com Daniel Sêda. Lembrou das
dificuldades que teve de organizar os artistas e o próprio espaço.
Lembra que o seu colega assinalou o fato de que o que teria ocasionado
os conflitos foi a falta de um reportar-se ao curador geral da Bienal.
Segundo Sêda, faria toda a difernça se Christine tivesse copiado, numa
sequência de e-mails, o curador geral (Alfons Hug). É um exemplo que
fala, segundo ela, do espaço do diálogo. No institucional é sempre
presente a figura do diálogo e este é uma realidade. “A realidade
constituída aqui é a realidade do diálogo”. Aqui se está, segundo ela,
num espaço “de negociação” e não de afirmação ou negação.
Novamente a platéia se manifesta para questionar se “nesse espaço”, a
galeria não ocupa o mesmo território do museu (funções distintas). A
proposta de Galeria Expandida romperia o limite galeria/museu.A
negociação parece ser um princípio dessa exposição. Para além do espaço
público ou privado, a galeria potencializa a relação privado-privado.
Como é que a curadoria resolveu a questão de fronteira de uma galeria
que também tem função museológica e que tem dimensões de natureza
econômica?
Christine respondeu afirmando que é interessante ver o quanto fica mais
complicado. Na fala dos debatedores há uma série de experiências que
estão interligadas. Passado um período, um certo tempo, estaríamos
agora em uma situação de complexificação disso tudo. É interessante
pensadores como Deleuze trazendo a idéia de que a resistência é
exercida de dentro. Essa situação mais complicada é mais exigente. Mais
cheia de paradoxos, as redes tem uma outra natureza de circuito. Existe
um imenso abismo de conhecimento da arte em geral em relação às
práticas aqui expostas.
Priscila comentou que a dificuldade da pergunta da platéia revela as
dificuldades desse momento que vivemos. Há proximidades e diferenças
entre a galeria e o museu. O museu faz escolhas que vão ficar para a
história. Sobretudo em um museu público. É responsável pela criação de
pensamentos, de relações críticas. No caso dessa exposição ela acha que
ela desestabiliza lugares, revelam-se um pouco os deslocamentos dos
lugares. Não há uma resposta para que lugar é esse, mas talvez revele
um pouco da situação que vivemos.
André revelou que se sentia estranho ao pensar que iria falar numa
galeria, mas resolveu aceitar o desafio. Será que a galeria é um espaço
que anestesia a obra do artista? A todo momento a exposição o desafia
nesse sentido. Também se pergunta como se dá essa relação com a galeria
ele, pessoalmente, como pesquisador. A questão do trabalho, da
economia, tem de ser levantada. Citou Brian Holmes – investigações
disciplinares – práticas artísticas na rua. Seu percurso é de pensar
nas práticas em outros espaços. Para André, havia uma tensão em estar
ali.
Da platéia, o artista Tiago Judas pede para que se comente mais um
pouco essa questão do agente duplo. André sustentou que esse
questionamento só aparece no momento que o artista está dentro da
instituição. O artista citado (Hans Haacke) é um artista protegido,
consegue negociar, o sistema protege o artista, ele está dentro. Já a performance do
sangue só faz sentido feita naquele espaço; ao mesmo tempo o que ocorre
fora da galeria e do museu, isso modifica todos esses espaços.
Novamente a platéia se manifesta através de uma consideração: o que
parece é que esse agente duplo está acontecendo em todas as instâncias.
A galeria se torna mais pública, todo mundo “está duplo”. Não seria o
momento de ampliar essas relações?
Christine Mello fechou dizendo que é melhor que fique no ar. O crítico,
o historiador, não tem o propósito de responder perguntas e sim de
deixar abertos os questionamentos.