apresentação
galeria expandida é uma plataforma curatorial que reflete sobre circuitos da arte e da mídia. Baseada em artistas que promovem ações midiáticas, discute espaços de visibilidade na arte. Em um contexto em que a produção artística é por natureza desmaterializada e transitória, a pergunta que transpassa é como abrigar tal produção numa galeria de arte?
A idéia de expansão da galeria diz respeito a nela provocar uma situação de pesquisa e um espaço de reflexão que incitem situações de interação e debate sobre a circulação da obra em circunstâncias imateriais e imprevisíveis, para além do seu espaço físico.
A operação curatorial traz para dentro da galeria trabalhos que geralmente ocorrem em ambientes fora dela, acontecem no espaço público, de natureza efêmera e midiática. Ao possibilitar uma contra-circulação desses trabalhos em seus ambientes, sugere que a galeria se expanda como um ambiente de relações e trocas, como um fluxo informacional.
O conceito de expansão situa-se especificamente nos cruzamentos existentes entre espaços da arte e experiências midiáticas acessíveis no nosso cotidiano (como as promovidas pela internet, televisão, telefonia móvel, mídia indoor e outdoor, jornal, revistas, cartazes, filipetas, adesivos, transmissões sonoras e camisetas) que integram o universo das redes de comunicação, do circuito publicitário e das marcas. Ao colocar em atenção situações por onde circulam boa parte do capital simbólico e econômico que integram a sociedade contemporânea, a curadoria propõe que o ambiente da galeria transforme-se num espaço aberto tanto ao enquadramento quanto ao desenquadramento de tais experiências.
galeria expandida articula, de modo simultâneo, dois eixos curatoriais: histórico e novas vertentes. Com eles são produzidas tanto revisões históricas como apresentação de obras inéditas, que juntas possuem a capacidade de revitalizar as discussões sobre espaços de visibilidade nos circuitos da arte-mídia. Os trabalhos artísticos são intercalados a um ciclo de depoimentos, performances e debates, associados à realização de um jornal-catálogo (realizado pelos artistas Eduardo Verderame e Manuela Eichner), ação educativa e espaço online, que questionam o fora e o dentro de ambientes expositivos através de ações artísticas em diálogo com contextos comunicacionais.
O interesse da exposição reside em apresentar um conjunto de documentações em torno de experiências como as de Analivia Cordeiro, Regina Silveira, Ricardo Basbaum, Gilbertto Prado, Lucas Bambozzi e Fabiana de Barros. Esse grupo de artistas integra o eixo curatorial histórico e suas ações foram produzidas respectivamente entre os anos 1970 e a atualidade. A esses artistas associam-se Ana Paula Lobo, Bruno Faria, Claudio Bueno, Denise Agassi, Esqueleto Coletivo e Paula Garcia, que fazem parte do eixo curatorial novas vertentes e que criaram ações midiáticas especialmente produzidas para a exposição.
O jogo conceitual produzido entre um e outro eixo curatorial acentua a vontade de colocar em contato experiências que aconteceram nos últimos quarenta anos no campo das relações entre arte e comunicação (e que ainda não foram devidamente inscritas pela história e crítica de arte), revisando-as contemporaneamente em torno de realidades artísticas e comunicacionais surgidas já no contexto do século 21.
A escolha dos onze artistas e do coletivo que integram a exposição deve-se às potências e diálogos que suas obras produzem em contato com circuitos comunicacionais, ao modo como reorganizam a informação e tecem alternativas ao discurso hegemônico corrente nesses meios, bem como à dimensão social de suas práticas. O principal intuito é apresentar suas experiências como uma plataforma de discussão, em estado laboratorial, relacionadas a um conjunto de atividades e não necessariamente apresentá-las sob o aspecto de obra acabada, no sentido convencional do termo.
Desde a invenção da fotografia a arte promove deslocamentos dos seus circuitos tradicionais para circuitos não convencionais, reconhecíveis, entre outros, no âmbito dos circuitos da comunicação, sendo, inclusive, um lugar privilegiado de investigação do Fluxus, da pop art, das proposições conceituais e dos coletivos. Nesse sentido, as discussões apresentadas na presente plataforma curatorial ocupam um contexto histórico e ao mesmo tempo tenso dessas relações, pelo fato de explorar esse debate hoje e perceber relações existentes no âmbito da cultura digital.
Diferentemente dos debates produzidos entre os anos 1960-1970, as ações produzidas em galeria expandida abrangem a experiência de se inserir e agir dentro do tecido institucional e social das redes por onde circulam a arte e os canais de comunicação. Nesse caso específico, a experiência de inserção é promovida de modo negociado. Significa o gesto de se inserir no espaço econômico e público do tecido institucional, procurando agir como um dispositivo relacional entre o espaço da galeria e o espaço das mensagens comunicacionais. Busca, com isso, abrigar discussões sobre os paradoxos, os conflitos, as dificuldades, as impossibilidades, as dúvidas, as negociações, as analogias e os diálogos existentes entre um e outro campo de ação.
Nessa reflexão, em lugar de buscar discernir especificamente em que contexto encontra-se uma e outra realidade, as atividades aqui propostas privilegiam o debate a partir do contato com experiências mais ambíguas, de caráter descentralizado, baseadas nos estados intermediários, nos estranhamentos e nas contaminações de uma realidade pela outra. Não se trata de pensar os espaços da arte e os espaços da mídia como temas das discussões. Ao contrário, trata-se de notar como as negociações e agenciamentos entre esses espaços oferecem um outro modo de questioná-los e percebê-los.
Se os espaços midiáticos permeiam questões que não podemos deixar de enfrentar pelo fato de carregarem em si boa parte dos sinais da vida contemporânea, é compreensível, portanto, que o conjunto constituído pelos artistas, críticos, agenciadores culturais, galeristas e profissionais da mídia aqui envolvidos reflitam sobre tais realidades, assim como sobre os embates da arte como canal de circulação da informação.
Ao se pronunciarem tais desafios, a intenção é colocar em discussão as relações e os paradoxos existentes entre arte e circuitos midiáticos, traduzidos aqui sob a forma de uma revisão histórica de determinadas experiências e tendo como princípio o convívio ampliado das idéias artísticas na decodificação da vida em seus sinais.
Christine Mello, abril de 2010