Você está aqui: Página Inicial / Eventos / Exposições / 28ª Bienal de São Paulo - 'Em vivo contato" / Relatório da curadoria da 28a Bienal de São Paulo

Relatório da curadoria da 28a Bienal de São Paulo

por Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen


Índice

1. A 28ª Bienal de São Paulo

2. Recomendações do Ciclo A Bienal de São Paulo e o meio artístico brasileiro: memória e projeção

3. Recomendações do Ciclo Backstage

4. Recomendações do Ciclo Bienais, bienais, bienais...

5. Recomendações da Curadoria da 28BSP ao Conselho de Administração da Fundação Bienal de São Paulo

6. Conclusão


Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen
Curadores 28BSP
São Paulo/Abril 2009.




Relatório da Curadoria da 28ª Bienal de São Paulo

1) A 28ª Bienal de São Paulo
É com satisfação que podemos dizer que a 28ª Bienal foi mais um projeto bem sucedido da Fundação Bienal de São Paulo. Com aproximadamente 162 mil visitantes em 37 dias de exposição temos um sucesso de público, considerando que as últimas edições da Bienal de Veneza, aberta por quase seis meses, e da Manifesta, por quatro, tiveram 365 mil e 175 mil visitantes, respectivamente. Mesmo em relação ao público dos museus brasileiros de arte esse número é bastante significativo.

Do mesmo modo, o clipping da imprensa nacional e estrangeira atesta o êxito do projeto em vista do grande número de textos, entrevistas, resenhas, críticas recebidas pela 28ª Bienal, além de um grande espaço nas diversas mídias eletrônicas. Independente de posições a favor ou contra, o fato é que, talvez, essa última bienal talvez esteja entre as mais comentadas, e quiçá, com certo sentido de humor, tenha sido a mais falada e a menos vista!

Esse fato reforça a importância da realização das publicações planejadas pela curadoria, que incluem os comunicados dos ciclos de conferências (ver itens 2, 3 e 4 desse documento), textos reflexivos e críticos, além de imagens de todo o processo da 28BSP. Essa é a forma de expandir o trabalho para além do período de realização do evento, possibilitando, sobretudo sua circulação internacional. Juntamente com a pesquisa sobre a memória crítica da Bienal de São Paulo, reunida pela pesquisadora Carolina Soares durante o ano de 2008, essas publicações contém todo o processo de trabalho e reflexão. Mais do que o registro da 28ª Bienal, essas publicações constituem uma parte importante do projeto curatorial, parte essencial para que ele alcance seus objetivos de difusão do debate proposto e desenvolvido.

Com relação ao clipping dessa última bienal, vale observar a diferença de abordagem entre a imprensa brasileira e a estrangeira. Enquanto a primeira, com significativas e gratificantes exceções, faz alarde de impressões generalizadas e questões localizadas, sem ver, tentar analisar, ou entender o todo do projeto, independente de suas qualidades e problemas, a segunda, recebe a 28ª Bienal como uma demonstração de energia e vitalidade da tradicional Bienal de São Paulo, por seu investimento num projeto de risco, provocador, abrindo um debate radical em lugar de continuar na sua confortável posição de uma instituição consolidada. Na imprensa internacional a 28BSP representa uma proposta de resgate das exposições de arte contemporânea como um espaço de reflexão e experimentação, uma espécie de laboratório para as práticas artísticas e o pensamento na atualidade. Ela é percebida como um esforço de recuperar para a exposição um papel de ponta no debate e difusão da arte contemporânea, e para isso pôs em movimento um grupo qualificado de artistas, curadores, críticos e acadêmicos que ativaram o espaço e a memória da própria instituição que o realiza, assim como problematizaram o modelo e o sistema das bienais no circuito internacional.

Desde o princípio sabíamos que o projeto causaria polêmica e despertaria reações emocionais e acaloradas. Entretanto parece ter sido esse mesmo clima que prejudicou ou impediu a percepção do projeto, não apenas como uma mostra de arte contemporânea, mas como um programa totalmente articulado entre os seus componentes e que demandava a experiência de um tempo próprio, de um “estar na exposição”. O projeto buscava um visitante autônomo, curioso e aberto para fazer seu próprio roteiro dentro do pavilhão, tendo à sua disposição a mediação de educadores, guias, mapas e textos de parede.

Se, por um lado, a visualidade rebaixada em todo o espaço expositivo contribuiu para dificultar essa percepção por parte do público – e talvez merecesse da curadoria outra estratégia ou formalização, por outro lado, a experiência da 28BSP representou uma relevante mudança no padrão da própria Bienal de São Paulo. Propôs outro uso do pavilhão, reduziu as dimensões da mostra, abandonou o espetacular em favor do processo de trabalho, e construiu um tempo próprio do acontecimento, isto é, bases inteiramente novas para a relação com os visitantes. Essas qualidades só poderão ser percebidas e avaliadas no seu sentido pleno dentro de algum tempo, depois de uma ou duas novas edições da exposição.

Algumas realizações, no entanto, podem ser tomadas como conquistas importantes para os programas da exposição. No que concerne às publicações, o Guia da 28BSP, juntamente com o plano do pavilhão, conduziam o visitante pelo projeto segundo a orientação dos curadores e dos artistas. O Guia seguiu o partido editorial da Bienal anterior, apostando desse modo na importância da identidade visual, uma constante nos meios usados como forma para afirmar a presença da organização.

O Jornal 28B, sob editoria de Marcelo Resende, tinha como objetivo levar a Bienal de São Paulo para um público novo, fora do circuito da grande imprensa. Para tanto, associou-se ao Jornal Metro, de distribuição gratuita pela cidade. O jornal trazia para um leitor desinformado sobre a Bienal o que acontecia semanalmente no pavilhão no Parque Ibirapuera, ao mesmo tempo em que funcionava como um catálogo, um registro, do processo da 28BSP. Segundo depoimentos de Educadores nos espaços expositivos, diversos visitantes vieram a Bienal pela primeira vez por terem recebido o jornal na rua. Isto indica um potencial de visitantes e freqüentadores a ser explorado pelos novos projetos da FBSP, além do acerto na estratégia de aproximação.

Neste quadro, o website da 28BSP, ainda no ar por um ano, também demonstrou ser um recurso fundamental para a realização do projeto. A possibilidade de preparar uma visita ou de recuperar um evento quase ao mesmo tempo em que ele acontecia, representou a oferta de um serviço eficiente e qualificado .

A montagem do setor educativo da 28BSP, inicialmente, encontrou dificuldade na contratação de um Curador de Educação em razão do desgaste da Fundação Bienal junto aos profissionais da área – relações conturbadas, falta ou atraso nos pagamentos, interferências internas e externas – assim como pelo pouco tempo disponível para a montagem de uma equipe e o planejamento e implantação de um projeto. Desde o início, era intenção da curadoria rever as visitas guiadas como prioridade dos programas educativos, em favor de outro tipo de relação mais qualificada com os visitantes. Daí a opção por educadores que atuavam próximo aos trabalhos nos espaços expositivos, num embate direto com os visitantes, mas com a possibilidade de uma experiência ou relação mais individualizada, contrária ao roteiro padrão das visitas guiadas. Para tanto, foram contratados educadores mais experientes e investiu-se na formação deles através do contato direto e intenso com artistas, curadores, trabalhos e programas da 28BSP. Desse modo, cada um desses profissionais teve a oportunidade de desenvolver um trabalho a partir da sua própria experiência do projeto. Se a curadoria buscava a autonomia do espectador, o mediador também teria que ter a sua própria para poder responder conforme a demanda de cada novo visitante. A idéia era não haver padrões a serem seguidos. Segundo relatórios recebidos, a experiência parece ter sido apreciada por todos, com registros de respostas significativas e gratificantes.

Por outro lado, e de modo a assegurar e implementar certa continuidade nos programas da Bienal, dois outros projetos desenvolvidos na bienal anterior, em 2006, tiveram uma nova etapa na 28BSP: O Ambulante, antes chamado de Centro-Periferia, coordenado por Guilherme Teixeira, que desenvolve um trabalho localizado de inclusão social por meio da arte, e o Formação de Professores, coordenado por Anny Christina Lima, destinado à atualização dos professores da rede de ensino e a capacitação deles para conduzirem as visitas de seus alunos à Bienal, assim como a outros espaços destinados à arte contemporânea. A coordenação e orientação dos educadores estiveram a cargo de Jussara Fonseca.
É importante registrar ainda a significativa contribuição da 28BSP para o enriquecimento e especialização do Arquivo Histórico Wanda Svevo. Por meio de doações e aquisições, mais de 500 volumes de catálogos e publicações diversas produzidas pelas muitas bienais ao redor do mundo, são agora parte integrante do acervo. O material é único e de tal relevância que já vem sendo solicitado para empréstimo e apresentação em outras bienais. Além disso, todas as palestras e conferências foram gravadas em vídeo e devidamente editadas e incorporadas ao AHWS. Dessa forma, muito do que foi a 28ª Bienal de São Paulo, em seus ciclos de palestras e apresentações por parte de críticos, historiadores, curadores e artistas convidados, pode ser revisto e estudado a médio e longo prazo por meio dos registros organizados no Arquivo. Também foram incorporados ao acervo cópias dos programas de vídeo de artistas, curados por Wagner Morales e Maarten Bertheux, e que eram apresentados no vídeo lounge da 28BSP.


2) Recomendações do Ciclo A Bienal de São Paulo e o Meio Artístico Brasileiro – Memória e Projeção

O ciclo de encontros A Bienal de São Paulo e o Meio Artístico Brasileiro – Memória e Projeção foi uma das quatro plataformas de debates que integraram o projeto curatorial da 28ª Bienal de São Paulo. Com início em 19 de junho e término em 4 de dezembro de 2008, e sob a coordenação da curadora Luisa Duarte, a série de depoimentos reuniu ao todo 49 nomes relevantes do meio artístico brasileiro, convidados a resgatar uma memória pessoal em relação à história da Bienal de São Paulo, pensar sua vocação, e ainda expor expectativas quanto ao futuro da exposição e à relação da instituição com a comunidade. Apresentamos aqui um resumo das principais considerações feitas ao longo das 24 semanas de debates. São proposições que podem contribuir para a reflexão do Conselho de Administração, oferecendo possibilidades para uma atualização desse patrimônio das artes e da cultura do país.

Foi possível perceber, ao longo dos encontros, dois eixos principais de questões no debate sobre a Bienal de São Paulo. Um deles diz respeito ao formato da exposição e aos processos ligados diretamente ao seu planejamento, produção e implantação. O outro diz respeito à relação da instituição Fundação Bienal com a exposição Bienal, seu objetivo primeiro, e com o meio artístico brasileiro em particular, já que se trata de uma organização que opera com recursos públicos, supondo, portanto, representatividade na gestão e transparência nos processos de trabalho. Nesse resumo dos pontos trazidos pelos participantes deste ciclo, ressaltamos o aspecto institucional, pois ele é, seguramente, o maior motivo de tensão/fricção da FBSP com a comunidade artística.

a) O futuro da exposição Bienal passa por reformas profundas na Fundação Bienal, que dependem, sobretudo, da atuação de sua diretoria e do seu conselho, mais do que da curadoria. Há uma pergunta que a comunidade artística gostaria de fazer, a cada conselheiro da Fundação: Qual o seu papel dentro da instituição? Foi sugerido que a Fundação Bienal deveria possuir um código de obrigações e procedimentos para seus conselheiros.

b) A revisão da estrutura organizacional e do modelo de gestão administrativa da Fundação Bienal, que apareceu diversas vezes ao longo do debate como algo urgente, deve ter como objetivo imprimir racionalidade, planejamento e um caráter programático para tornar efetiva e sistemática a realização da exposição Bienal, adotando métodos e procedimentos transparentes, orçamentos controlados e realistas, e buscando eficiência e aprimoramento na implementação dos objetivos prioritários da instituição.

c) É consenso geral a necessidade de se rever o cronograma de atividades da Fundação, adequando-o às demandas do planejamento e produção de cada nova edição da Bienal. Isto é, parece ser necessário ajustar a escolha de cada nova curadoria para a exposição, bem como do próprio presidente da Bienal, de forma a garantir tempo hábil para os trabalhos de pesquisa e produção do evento, bem como para o planejamento administrativo/financeiro, que viabiliza o projeto, qualquer projeto.

d) Proposta de um novo pacto social na formação do Conselho de Administração, buscando reunir voluntários genuinamente interessados na cultura e na arte, e que possam ajudar a preservar a vocação primeira da Bienal de São Paulo, a de continuar sendo uma reserva de criatividade, conhecimento e pensamento crítico, qualidades próprias da arte. A exposição Bienal de São Paulo surge em 1951, marcando o aparecimento de um projeto civilizatório da elite paulista da época, cujo objetivo era o de fazer de São Paulo um centro da cultura de ressonância mundial. Para que esse espírito primeiro retorne à Bienal, é necessário repensar as motivações de cada conselheiro para fazer parte da Fundação Bienal, bem como repensar a qualidade dos vínculos que a Fundação estabelece atualmente com o meio artístico brasileiro.

e) Implantar um setor educativo que trabalhe de forma permanente na Fundação Bienal. A falta de continuidade nos programas e atividade da Fundação é o seu ponto mais fraco e vulnerável, com um alto custo financeiro. É como se, a cada edição, começasse tudo do zero! A existência de um núcleo básico funcionando dentro da instituição garantiria uma continuidade de atividades nos intervalos entre as exposições, de modo a despertar e promover o interesse continuado pelos temas e questões em debate na arte contemporânea. A formação e a educação do público para a arte do seu tempo, assim como o aprimoramento do meio artístico brasileiro, é de modo inquestionável o principal papel desempenhado pela Bienal de São Paulo ao longo da sua história. Juntamente com o Arquivo Histórico Wanda Svevo, um serviço educativo permanente seria um espaço de reserva de conhecimento e acúmulo de experiência, podendo desenvolver um programa mais efetivo e sistemático junto aos diversos públicos que freqüentam a Bienal. Nesse sentido, é importante observar que durante todo o ciclo, houve unanimidade por parte dos participantes quanto ao papel fundamental que a Bienal teve na formação do olhar local. Ou seja, pensar com determinação o setor educativo da Fundação Bienal é tratar com cuidado um dos principais eixos vocacionais da Bienal desde o seu primeiro momento a formação para a arte contemporânea.

f) Uma questão freqüentemente abordada pelos convidados era como ativar o espaço do pavilhão no Ibirapuera e fazer um melhor uso dos recursos da Fundação Bienal, para além do período da exposição. Como resposta, a parceria entre a Bienal e outras instituições de arte seria um dos passos iniciais, utilizando-se da rede de trabalho, única no país, construída pela Fundação Bienal nos seus 58 anos de história, para transformá-la numa espécie de agência de incentivo à atividade artística no Brasil e promover a sua difusão no exterior. A FBSP poderia trabalhar para se tornar um lugar de apoio e investimento na pesquisa e produção contemporâneas com um programa de residência para artistas, curadores e críticos, algo semelhante às agencias governamentais nos países europeus, por exemplo. Nesse quadro, um programa de publicações periódicas também deveria ser considerado.


3) Recomendações do Ciclo Backstage

Sob coordenação do curador Jacopo Crivelli Visconti, o ciclo Backstage reuniu representantes de agencias governamentais de países como Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Portugal, Noruega, Grã-Bretanha, Bélgica, Chile e Argentina, que se ocupam do financiamento e apoio à participação de seus artistas em eventos internacionais de artes visuais. Eles são agentes fundamentais para o funcionamento do sistema das bienais, principalmente em relação à sua economia. Devido à especificidade dos profissionais e visando um melhor aproveitamento da oportunidade, o evento foi apenas para convidados, particularmente curadores e diretores de instituições culturais. As conversas trataram de questões como a proveniência dos recursos em cada um dos países, seus objetivos e a definição de programas e estratégias a médio e longo prazo, o papel dessas agencias nas novas formas de promoção do nacionalismo no mundo globalizado, as novas lógicas geopolíticas e as variáveis socioeconômicas que as norteiam. Backstage foi uma plataforma privilegiada e original de discussão do sistema globalizado das Bienais.

Nesse encontro foi importante perceber o prestígio que tem a Bienal de São Paulo, juntamente com as bienais de Veneza, Sydney, Istambul e a Documenta, as únicas com apoios assegurados sempre nos orçamentos dessas agencias. Entretanto, por falta de planejamento e um calendário ajustado a realização de uma mostra periódica internacional de arte contemporânea, a Bienal de São Paulo perde valiosos recursos de financiamento para as pesquisas de cada curador convidado. A falha foi observada por quase todos os participantes do encontro, que trouxeram à consideração o fato de que muitas vezes a Bienal de São Paulo solicita recursos de última hora, e em desacordo com o calendário financeiro e fiscal de cada uma das organizações. Segundo eles os recursos existem para a Bienal de São Paulo, mas na maioria das vezes ele não é usado no momento certo. Isto para dizer que a Bienal de São Paulo poderia, se de fato o intervalo entre duas bienais fosse integralmente planejado e trabalhado em consonância com essas agencias, obter apoio e recursos pelos dois anos.

Nesse encontro foi apontada ainda a necessidade de uma organização semelhante às agências no Brasil, que pudesse fazer uma interface local na rede de trabalho que constitui essas organizações, assessorando-as em questões logísticas e operacionais. Um parceiro representa um aprofundamento nas relações entre os países, ao mesmo tempo em que uma demanda das novas estratégias que movimentam a cooperação entre as nações: bienais, residências de artistas, trabalhos coletivos, intercâmbio. A possibilidade de tomar para si esse papel de articuladora poderia ser considerada pela Fundação Bienal num processo necessário de avaliação e revisão de suas possibilidades de atuação no Brasil e no mundo hoje. Trata-se de assumir um campo de atividades permanentes para a instituição, tendo em vista sua experiência e rede de trabalho constituída.


4) Recomendações do Ciclo Bienais, bienais, bienais...

Esse ciclo organizado pela curadoria, com a colaboração de Giancarlo Hannud e Marieke van Hal, reuniu diretores e/ou curadores das seguintes bienais ou exposições similares: Sydney, Istambul, Manifesta, Palestina, Carnegie International (Pittsburgh, EUA), Angola, InSite (San Diego/Tijuana, EUA/México), Lyon, Sharjah (Emirados Árabes), Bruxelas, São Tomé e Príncipe, Trondheim (Noruega), Berlim, Chile e Mercosul. O encontro tinha como objetivo discutir a proliferação de mostras sazonais, problematizar o modelo e seus procedimentos reguladores, confrontar e trocar experiências e realizações. Ao mesmo tempo, buscava formar para o Arquivo Histórico Wanda Svevo um conjunto de documentos de modo a constituir uma tipologia de bienais, um mapa da cultura das bienais hoje, registrando seus diferentes propósitos, o contexto em que se inscrevem, e seus modos específicos de planejamento e desenvolvimento.

Além do valioso material reunido, descrevendo experiências como a de uma bienal na Faixa de Gaza, ou da sofisticada Bienal de Trondheim, dedicada a escolas de arte, fica como elemento para reflexão uma vez mais o prestígio e a expectativa que existe sempre em torno da Bienal de São Paulo, assegurando-lhe um lugar único e consolidado entre todas elas. O modelo de exposição, “mostra internacional de arte contemporânea” aliado ao nome “bienal”, parece ser ainda uma estratégia eficiente para os mais diversos interesses e agendas ganharem visibilidade internacional, se inscreverem em circuitos políticos, sociais e culturais os mais variados, e com resultados mais ou menos eficazes. Também variam as estruturas administrativas e os recursos financeiros, mas, com maior ou menor peso, quase todas se apóiam ou recorrem aos recursos existentes nas redes e agencias internacionais de promoção da cultura, da inclusão social e da educação.

Não haveria deste encontro uma recomendação específica para o Conselho, a não ser o de registrar uma expectativa de que a Fundação Bienal de São Paulo, por seu considerável peso político e cultural, apóie e participe de uma rede de bienais que se está articulando a partir de um núcleo na comunidade européia, responsável, entre outras atividades, pela mostra Manifesta. Entretanto foi interessante observar que a Bienal de Sydney é, talvez, a que mais se assemelhe à de São Paulo: mostra já tradicional, no Hemisfério Sul, resultado do trabalho em parceria entre a iniciativa privada e a administração pública, e com propósitos muito semelhantes, ainda que com diferentes resultados. Mas o aspecto a ser considerado da experiência australiana é o calendário com que operam. Ao início de cada nova edição da mostra é também anunciado o curador da próxima bienal. Desse modo, o novo curador tem a oportunidade de acompanhar a etapa final de um projeto expositivo, ao mesmo tempo em que é introduzido em uma rede internacional de colaboração e cooperação. Também é importante registrar que um grande número dessas bienais desenvolve suas mostras a partir de um valor pré-estabelecido para cada projeto curatorial. Isso é um fator determinante para as dimensões e ambições do projeto, pois assegura a sua realização em conformidade com o planejamento e a capacidade de captação da instituição responsável.

Dentro desse ciclo houve ainda dois painéis sob o título A Bienal de São Paulo vista de fora. O objetivo era o de trazer ao público brasileiro um pouco da imagem da Bienal de São Paulo no exterior, como ela é vista, qual o papel que tem no conjunto das bienais internacionais e na promoção e difusão da arte contemporânea. Pela primeira vez no Brasil, pode-se ouvir uma multiplicidade de vozes que ofereceram outra cartografia da Bienal através de olhares externos a ela.

O primeiro painel, organizado por Michael Asbury e com a apresentação de quatro trabalhos especialmente produzidos para a ocasião, trouxe aspectos históricos na construção do lugar da Bienal de São Paulo no cenário internacional como o espaço privilegiado para arte brasileira e latino-americana, e a proposição de novos parâmetros para se pensar o lugar da arte contemporânea. O segundo, organizado pela curadoria, encomendou quatro trabalhos a curadores e acadêmicos da Argentina, Venezuela, Canadá e Alemanha sobre o histórico das representações nacionais desses países em São Paulo, revelando os programas e estratégias adotados por essas participações desde 1951 e o que elas representavam em termos nacionais e internacionais. O interessante de ambos os painéis foi perceber que a Bienal de São Paulo – independente das crises havidas ao longo da sua história e que são entendidas no exterior como um problema local e afeito exclusivamente à sociedade e à cultura brasileira – é considerada pelas suas realizações e pela mudança que causou na cena artística internacional nos seus quase 60 anos de atividades regulares.


5) Recomendações da Curadoria da 28BSP ao Conselho de Administração da FBSP

A partir do início dos trabalhos de planejamento, implantação e realização da 28ª Bienal de São Paulo, a curadoria concentrou esforços no sentido de registrar e analisar cada etapa do processo, de modo a produzir uma espécie de radiografia da instituição Fundação Bienal de São Paulo, para apontar perdas, desvios, sugerir ajustes e eventual reciclagem ou transformação no seu modo de operação, tendo em vista a realização de seu objetivo primeiro, uma mostra periódica de arte contemporânea internacional.

Vale observar ainda que, passados 46 anos da criação da Fundação Bienal de São Paulo, o seu objetivo principal, fazer as bienais de São Paulo, segue sendo muito importante para o meio artístico brasileiro e internacional. Entretanto, considerando as profundas mudanças ocorridas no país, no continente e no mundo desde a I Bienal, em 1951, fica evidente a necessidade de uma reformulação dos processos para a execução de sua atividade principal, assim como levar em conta as demandas por novos serviços no circuito em que ela se inscreve. Isto implica numa re-estruturação da sua organização e na implantação de métodos e sistemas para planejamento e gestão em acordo com a realidade do sistema em que operam as instituições culturais hoje.

a) Conselho de Administração
A questão central para o Conselho é deixar claro sempre qual o seu papel e como se constitui. No momento, é irrelevante se pode haver conselheiros vitalícios ou não. Antes, a questão é a composição do Conselho, como ele se articula para cumprir com os objetivos da Fundação. Se os conselheiros não contribuem financeiramente para as operações da Fundação, conforme propunha o modelo de filantropia que criou o MAM e a Bienal nos anos 1950, então o que cabe ao Conselho é o gerenciamento dos trabalhos da instituição, a busca pela realização de seus objetivos. Assim, parece sem sentido a divisão entre a Diretoria Executiva e a Presidência do Conselho. A Presidência da Fundação Bienal tem que ser uma só, identificada com e apoiada pelo Conselho. Este tem que ter claro os propósitos da instituição e dar voz e presença a eles. Os procedimentos necessários, o planejamento e a gestão dos programas da Fundação requerem uma estrutura profissional, atualizada e eficiente, compatível com o competitivo quadro de disputa entre diversas instituições culturais em todo o país, por patrocínio e financiamento de suas atividades.

O que parece importante e procedente é uma nova composição do conselho, incluindo não apenas os amantes da arte e da cultura, mas também profissionais experientes como diretores de museus, curadores, artistas, galeristas, acadêmicos, que possam contribuir para um entendimento e uma presença mais orgânica da instituição na sociedade e no meio artístico brasileiro e internacional. Poderia e deveria incluir pessoas de outros estados ou mesmo de outros países para que a Bienal de São Paulo deixasse de ser circunscrita à cidade e se tornasse uma organização verdadeiramente internacional e cosmopolita. Com essa nova configuração, o conselho ganharia um perfil mais técnico e profissional, e menos uma “ação entre diletantes”, ou “amadores”, conforme a percepção na mídia e nos círculos intelectuais e críticos do país. Se não há contribuição financeira dos conselheiros e a organização opera com recursos públicos, o conselho, um trabalho de voluntariado, deve procurar articular um coletivo e ser representativo do meio artístico e intelectual brasileiro. O conselho deve ser, portanto, um espaço de convívio, ilustrado, de troca de conhecimento e experiência na construção de um bem comum, refletindo e dando continuidade ao projeto civilizador proposto pela elite paulista ao final dos anos 1940.

b) Estrutura Operacional e Organograma
É muito importante uma atualização da estrutura administrativa da Fundação Bienal. Ela tem que ser ajustada e centrada nos objetivos da entidade: fazer uma exposição de arte contemporânea. A prioridade deve ser a realização das bienais e/ou outros serviços na área das artes visuais e da cultura. Para isso se faz necessário um novo organograma, uma nova composição funcional e que reflita uma estrutura de profissionais e serviços especializados capaz de realizar uma bienal, privilegiando suas necessidades específicas: superintendente, comitês/comissões, curadoria, planejamento, captação de recursos, produção, arquivo, imprensa e comunicação, financeiro, recursos humanos, administração, manutenção e segurança. Algo extremamente enxuto e adequado aos fins da instituição. Não se trata de uma grande equipe, mas de um time de profissionais especializados trabalhando com agendas definidas e metas objetivas.
O modelo de organograma que tem no topo um superintendente, no comando de setores e de profissionais para tarefas específicas como a curadoria, o planejamento e desenvolvimento, a captação de recursos e marketing, a produção, a imprensa e RP, já foi adotado por gestões anteriores da Fundação – Villares, Muylaert, Wilheim, Landmann – com considerável êxito. As 17ª, 18ª e 19ª Bienais estão entre as poucas que, por exemplo, não apresentaram problemas de fluxo de caixa 60-90 dias antes da inauguração graças ao planejamento do projeto, ao tempo para sua execução – dois anos cada um deles – e a eficiente estrutura de captação de patrocínio. Da mesma forma a continuidade administrativa e o tempo foram importantes aliados para o êxito das bienais de 1996, 1998, 2004 e 2006.
O superintendente, um profissional qualificado em administração e inteirado das especificidades da produção artística e cultural, seria o responsável pela gestão da Fundação e pelo planejamento e implantação de seus projetos. A Presidência do Conselho se relacionaria diretamente com ele e reportaria aos demais conselheiros o andamento dos trabalhos.

c) Comissão de Arte e Cultura
O antigo Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal, órgão consultor da Fundação ativo nas décadas de 1970 e 1980, foi lembrado, em diversas ocasiões, como uma referência para se pensar e trabalhar as relações da instituição com a sociedade e o contexto em que ela opera. Ele tinha como função orientar a organização das bienais – temas, júris, prêmios – e, a partir de 1980, colaborar com os curadores das mostras. Foi dissolvido no início dos anos 1990.
Assim, nesse momento, a criação de um comitê assessor/consultor para o Conselho pode ser uma oportunidade de profissionalização das relações dentro da organização. Um comitê contratado entre profissionais brasileiros e estrangeiros, com encontros regulares em São Paulo, para um trabalho técnico e profissional de pensar e propor as macro-políticas e estratégias culturais da Fundação. Teria também atribuições como escolher o curador de cada mostra bienal, selecionar projetos para o Pavilhão do Brasil em Veneza, tanto na mostra de artes visuais como na de arquitetura, trazer comentários, reflexões, propor programas e atividades. Seria uma espécie de comitê curador da Fundação com a finalidade de traçar linhas programáticas para ela, prover referências e orientação aos programas e projetos da FBSP.

d) Planejamento
Infelizmente, hoje, o calendário da Fundação parece organizado para: 1) eleger o presidente, 2) alugar o prédio, 3) fazer a bienal. Nessa ordem. Não se começa nada para cada nova bienal sem que o presidente executivo tenha sido eleito. E só depois do presidente eleito é que se escolhe o curador para a próxima bienal. Portanto, os trabalhos para atividade fim da instituição sempre têm início com alguns meses de atraso em um calendário de 24 meses, pois esse é tempo em que se desenvolvem atividades e prazos da FBSP. A abertura, a cada dois anos, de uma mostra de artes visuais deveria ser o ponto de chegada e de partida do seu programa.

O uso do pavilhão para aluguel a feiras e eventos é o que parece garantir a folha de pagamento mensal dos cerca de 30 funcionários, dedicados e colaboradores, que hoje trabalham na Fundação. Aparentemente, não há nenhum problema se for dentro de um processo criterioso, e também um meio de obter recursos para a exposição, arquivos históricos, benefícios ao prédio. Entretanto, esse procedimento parece ter gerado entre os funcionários (não todos, é claro) uma mentalidade que prioriza a feira, tomada como regra da organização, e a bienal como a exceção. Daí surgirem restrições para o uso e circulação dentro do pavilhão, falta de espaços para o desenvolvimento de projetos especiais, procedimentos de feira adotados para a segurança, circulação e serviços da exposição, entre outras tantas. Elas afetam diretamente os trabalhos da curadoria e produção da bienal, e refletem o deslocamento, ou o não entendimento, dos objetivos da Fundação Bienal de São Paulo .

A adoção de um calendário bianual para a Fundação, com prazos adequados à produção do evento juntamente com seu financiamento, é fundamental para retomar seu objetivo primeiro e assegurar o caráter programático da instituição. Hoje, simplesmente, não há nenhum calendário em vigência. Depois de 46 anos de existência, tarefas e procedimentos como eleição de presidentes, aprovações de contas são decorrências da atividade fim da instituição e não podem comprometer o cronograma necessário à sua realização.

Outro aspecto a ser considerado dentro de uma reformulação da estrutura administrativa e do planejamento dos programas da Fundação é o valor de cada uma das mostras. Desde os anos 1990 vimos os custos das bienais, independente das qualidades e problemas de cada uma delas, oscilarem entre valores atualizados de 12 e 20 milhões de reais, segundo a grande imprensa. Sem dúvida um valor muito bom para o meio artístico nacional e para a imagem do país. Mas quantas instituições culturais no Brasil trabalham com orçamentos anuais dentro desses valores? O que temos como resultado disso, e não é de todo público, é o fato que, desde então, cresce o acúmulo de pendências jurídicas, dívidas não pagas, contratos e convites não cumpridos, pagamentos sempre atrasados ao fim de cada bienal. A prática de realizar a mostra deixando dívidas para o próximo ano, a próxima bienal, não é boa para a imagem da Fundação, nem para o funcionamento de suas operações. Pior, algumas dívidas ficam sempre penduradas como, por exemplo, o prêmio recebido por Martin Puryear, em 1989, que até hoje ainda não foi pago. O fato da instituição se comprometer com projetos muito superiores à sua capacidade de captação de recursos parece evidente e é uma das causas de maior desgaste da imagem institucional da Fundação Bienal, afetando sua credibilidade como empregadora e pagadora. Além de um comportamento pouco civilizado para uma instituição cultural. Talvez a solução para isso seja a adoção, como parte do planejamento dos trabalhos da Fundação, de um valor a priori para a realização de cada bienal, fazendo com que os projetos curatoriais selecionados ou convidados possam ser desenvolvidos dentro das possibilidades reais da instituição.

Além da procura por apoio e colaboração internacional mais sistemática para cada edição da bienal, uma organização renovada poderia trabalhar com atividades permanentes como pesquisa, publicações, cursos, programas educativos como forma de obter recursos para o programa principal da Fundação. Do mesmo modo, essas mesmas atividades poderiam ser desenvolvidas como parte dos trabalhos da bienal ou colaborar diretamente com eles. É apenas uma questão de planejamento.

e) Financiamentos, captação de recursos e busca de patrocínios
Nos últimos 15-20 anos assistimos a um processo de profissionalização do meio artístico brasileiro, em particular das instituições museais e expositivas. Com as leis de estímulo à cultura, com a formação técnica e especializada em diversos níveis, com o crescimento do público e da indústria cultural, e a transformação da arte contemporânea num fenômeno mediático, museus e organizações que trabalham regularmente com artes visuais foram levados a novas estratégias na busca de recursos que as operacionalizem. Daí o aparecimento de cooperação sistemática de empresas e corporações, que, em busca por associar sua imagem comercial à institucional e pública, financiam atividades de organizações culturais. Hoje diversas delas vivem dessas parcerias.

A Bienal de São Paulo, entretanto, está em desvantagem dentro desse quadro, pois não está preparada para ele. Ao contrário das outras entidades que já trabalham a partir de estruturas profissionais e planejadas, dentro de programas definidos e regulares, a Fundação não tem quadros nem planejamento para esse setor, tão regulado e com dinâmica própria. Tampouco tem um cronograma adequado às suas atividades. Quando sai em busca de patrocínio para seus projetos, a Bienal sai em desvantagem, pois não pode oferecer um serviço regular ao patrocinador interessado. Faz isso apenas uma vez a cada dois anos. Por essa razão, ela muitas vezes recebe o que sobra de uma quantia anual definida pelas empresas que já contribuem com outras instituições e programas culturais e/ou educativos, e que não é suficiente para as obrigações e ambições dos programas da Fundação.

Além disso, sua especificidade programática, uma mostra internacional de arte contemporânea, nunca foi objeto de um trabalho e planejamento próprio na área de marketing cultural. Falta à Fundação uma equipe especializada, com agenda profissional e objetivos a serem alcançados. Trata-se de trabalhar o que lhe é único e considerar a possibilidade de novos “produtos” (pesquisa, publicações, cursos, programas educativos), assim como de parcerias com outras organizações e instituições afins, no Brasil e no exterior.

A criação de novas atividades na Fundação, nas áreas de educação, pesquisa, publicações deve ser considerada como uma possível fonte de recursos para a instituição desde que planejada e em consonância com a realização da mostra bienal. Novas atividades significam a possibilidade de recursos existentes para outros programas que não exposições, além de patrocínios em áreas específicas.

f) A exposição bienal e outras atividades na Fundação
De tempos em tempos surge a idéia de que a Bienal deveria ser transformada em trienal ou quadrienal. O maior espacejamento entre as mostras não resolve questões financeiras e eventuais crises institucionais. Ao contrário, considerando as dificuldades enunciadas no item anterior (e), seria mais difícil ainda a captação de recursos. Apenas daria maior respiro entre o sufoco de duas exposições! Tal mudança não faria a menor diferença se mantida a estrutura e procedimentos atuais, além de se perder o lastro positivo constituído pelo seu nome, tradição e lugar no mundo hoje. Além do reconhecido potencial de formação e transformação do seu projeto cultural, uma estratégia replicada em diversos lugares todos os anos, a “Bienal de São Paulo” é uma marca conhecida mundialmente e não se pode abrir mão de um patrimônio desses no mundo globalizado. A questão será sempre de organização, planejamento e recursos.
O que parece que necessita ser revisto ou instituído é o processo de escolha do projeto curatorial de cada edição. A competição profissional de projetos encomendados ou não, como foi feita na gestão de Manuel Pires da Costa, parece ser o procedimento mais indicado para uma instituição pública. Ele estabelece um processo transparente, um debate mais aberto e democrático. Para o bom funcionamento desse sistema, é muito importante respeitar o calendário de 24 meses, como observamos anteriormente.

Também parece muito positivo que a Fundação Bienal se ocupe dos envios ao Pavilhão do Brasil nos Giardini em Veneza, em colaboração com o Ministério de Relações Exteriores, dono e responsável pelo edifício. A favor dela está a estrutura profissional da instituição, habituada a esse trabalho, a rede de organizações de que ela faz parte e o fato de que estar em Veneza ajuda em muito a realização da Bienal de São Paulo. A questão é outra vez a necessidade de que a participação brasileira seja resultado de um processo transparente, aberto a diversas propostas, e conduzido de modo técnico e profissional. E os mesmos princípios seriam adotados para o envio à Bienal de Arquitetura veneziana .
Dentro dessa perspectiva e considerando a possibilidade de outras atividades na Fundação, seria desejável uma extensão dessa assistência e apoio a qualquer artista brasileiro convidado a participar em bienais e mostras similares no exterior. Isto já ocorreu durante as gestões de Edmar Cid Ferreira e Julio Landmann. Assumir o papel de uma agência de apoio e promoção da arte e do artista brasileiro contemporâneo pode ser uma atribuição da Fundação Bienal de São Paulo, tendo em vista sua vocação e experiência.

Entre as atividades da Fundação, a Bienal de Arquitetura merece revisão e reconsideração. Primeiro há que se reconhecer que é menos uma exposição e mais uma feira de escolas e escritórios de arquitetura, projetos de órgãos governamentais, e algumas exposições requentadas, ainda que por vezes de muito boa qualidade, vindas do exterior. Não chega a articular um debate, criar uma plataforma, promover o diálogo e a interação entre arquitetos brasileiros e estrangeiros. Falta a elas uma perspectiva curatorial, analítica, e não parece estar criando massa crítica sobre a Arquitetura, nem sobre si mesma, pois se repete, tediosamente, a cada edição. Além disso, representa investimentos valiosos de recursos, energia e tempo da Fundação para resultados muito pouco expressivos de público e crítica. É um evento extremamente circunscrito. Talvez, após um processo profundo de avaliação e análise, ela possa ressurgir dentro de outro formato, com outro tempo. A pergunta a ser feita é se ela é realmente necessária? Que sentido ela tem entre nós?

g) Serviços Educativos
É inegável o papel da Bienal de São Paulo na formação e profissionalização do meio artístico brasileiro, e até de alguns países vizinhos. Mas além da exposição em si, suas publicações, do debate pelos meios de comunicação, os cursos de monitores, o trabalho na produção e nas montagens, a assistência a artistas visitantes, a ação dos educadores junto ao público são sempre lembrados como experiências importantes na formação de artistas, educadores, professores, curadores. Talvez esteja aí, na sua vocação educativa e formadora, a possibilidade de um setor permanente na Fundação, voltado ao conhecimento, estudo e difusão da arte contemporânea. Trata-se de tornar efetivos e sistemáticos cursos de formação e atualização em arte contemporânea para professores educadores, assim como o estabelecimento de programas ou projetos especiais junto a escolas e comunidades, ampliando a projeção e a extensão do tradicional curso de monitores da Bienal. Também podem ser estabelecidos programas de treinamento e aperfeiçoamento profissional nas áreas de produção e montagem de exposições, publicações, arquivos. A Fundação Bienal é uma organização que oferece informação e serviços especializados.

Essas atividades educativas reforçam a missão e o compromisso da Fundação com o conhecimento e a difusão da arte contemporânea, assim como com a formação do seu público. Pode ser um serviço permanente e não bienal.

h) Arquivo Histórico Wanda Svevo
Ao lado da sua imagem, o Arquivo Histórico Wanada Svevo é o maior e único patrimônio material e simbólico da Fundação Bienal de São Paulo, o registro de sua história, a sua memória coletada e guardada em milhares de documentos em todo tipo de suporte. Entretanto, tendo em vista uma atualização dos diversos setores que constituem a Fundação, especial atenção deveria ser dada à organização e direção desse segmento da instituição. Independente da qualidade dos serviços e procedimentos com que ele vem sendo cuidado – e eles têm sido muito profissionais e tecnicamente corretos – é importante o estabelecimento de um núcleo de pesquisa e estudo da própria Fundação. É notável o crescente interesse das principais instituições de arte da Europa e dos Estados Unidos por arquivos especializados, formados no correr do século XX, fora dos centros hegemônicos. Procuram neles uma forma de articular a escrita de uma nova História da Arte, mais inclusiva e ampliada, ao mesmo tempo em que garantir sua própria história como referência. Daí a importância da defesa e preservação dos arquivos como forma de assegurar a possibilidade de múltiplas narrativas e perspectivas diversificadas.

Foi fundamental para todo o projeto da 28ª Bienal pensar em como se pode ativar um arquivo como memória. O ciclo História como matéria flexível: práticas artísticas e novos sistemas de leituras, organizado pela curadora Ana Paula Cohen, trouxe historiadores, artistas e curadores, que pensaram o arquivo como algo formado por partes constituintes de uma história a ser escrita em inúmeras versões, com diferentes entradas e hierarquias de informação re-definidas a cada nova leitura. Ainda que consideremos a importância de um arquivo organizado e cuidado, que pode ser trabalhado e ativado por diferentes tipos de pesquisadores, uma instituição como a Bienal de São Paulo requer uma história oficial, escrita pela própria instituição. Essa história só pode ser escrita a partir do arquivo Wanda Svevo. Entretanto, sua prioridade hoje é servir a um público que pesquisa material de artistas organizados por nomes, em ordem alfabética. Esse sistema apenas revela a incompletude desse acervo, suas lacunas, pois se concentra em momento específico da carreira desses artistas, suas participações na Bienal de São Paulo. A ordenação deveria ser por bienal, de modo a permitir um conhecimento enciclopédico do evento, o formato que assegura o papel fundamental do Arquivo. No momento, ele precisa do trabalho de um pesquisador/historiador qualificado, que possa orientar uma equipe profissional, definir e conduzir linhas de pesquisas e publicações no sentido de produzir uma história da Bienal e da produção artística contemporânea sob a perspectiva das bienais de São Paulo. Nesse sentido, publicações a partir do arquivo, propondo novas leituras e análises feitas a partir do trabalho rigoroso em seus documentos deveriam ser promovidas, estimuladas e apoiadas pela Fundação.


6) Conclusão

“Por sua própria definição, a Bienal deveria cumprir duas tarefas principais: colocar a arte moderna do Brasil, não em simples confronto, mas em vivo contato com a arte do mundo, ao mesmo tempo em que, para São Paulo se buscaria conquistar a posição de centro artístico mundial”.
(Lourival Gomes Machado, “Apresentação”, I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1951, pg. 14).

Com 58 anos de trabalho e história, a Bienal de São Paulo é motivo de orgulho para a cidade, o país, e, principalmente, para todos aqueles que trabalharam e colaboraram com ela ao longo desse tempo. Não há como negar que os objetivos a que a mostra periódica criada em 1951 se propunha, foram plenamente alcançados: São Paulo é um centro artístico internacional e os artistas brasileiros são participantes ativos no circuito globalizado das artes visuais hoje. Que papel pode, então, ter agora a Bienal de São Paulo diante de uma nova ordem profissional, técnica, econômica, institucional que ela própria ajudou a construir aqui e serviu de modelo em outros lugares? Como ela pode atender as novas demandas do circuito em que se inscreve? Como seus dirigentes e responsáveis pensam o futuro dela? Está claro que ela não pode continuar sendo uma benesse dada ao público por uma ação entre amigos, pois trabalha com dinheiro público.

Esperamos que esse conjunto de recomendações e sugestões contribua para uma revisão efetiva e atualização da Fundação Bienal de São Paulo. Ela se faz necessária conforme o consenso geral diante do estado atual da instituição, de defasagem na estrutura e métodos profissionais de trabalho em relação às outras organizações no país e no exterior e à realização de seus próprios objetivos; de perda vocacional e ausência de propósitos e metas claras nos seus programas; de falta de sintonia e representatividade do meio em que opera. Como se pode ver por esse relatório e conjunto de recomendações e sugestões há muitas expectativas no sentido de uma resposta da instituição a todas às inquietações da comunidade artística e intelectual, que se interessa pela instituição, porque ainda acredita no potencial formador e transformador do seu projeto. Espera-se que ela seja uma instituição representativa dessa comunidade, transparente nos seus procedimentos, consistente nos seus objetivos e programas, enfim uma organização preparada, atenta e flexível às demandas e desafios do século XXI.


Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen