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Entrevista com Walter Zanini: formação de um sistema de arte contemporânea no Brasil

Em entrevista inédita realizada pelo Fórum Permanente em 17 de dezembro de 2009, o historiador, crítico de arte e curador Walter Zanini fala sobre sua formação internacional em arte, sua experiência como docente da FFLCH-USP, da FAAP e da ECA-USP, como diretor do MAC-USP —constituindo as bases conceituais e curatoriais do primeiro museu do Brasil dedicado à arte contemporânea— bem como sobre sua atuação como curador de duas Bienais Internacionais de Arte de São Paulo que transformaram as bases epistemológicas, dessa que é uma instituição central no sistema da arte contemporânea no Brasil. A introdução da curadoria no Brasil por Zanini também é exposta e problematizada nessa entrevista.
Essa é uma versão ampliada da que foi publicada na Revista Estudo Avançados93 em agosto de 2018, apoiada em quase 100 notas de fim de texto.
Integrantes do Forum Permanente que participaram da entrevista: Isis Baldini, Martin Grossmann, Pamela Prado, Vinicius Spricigo
transcrição: Daniel Tertschitsch | coordenação e edição: Martin Grossmann [1]

Todo modelo tem que procurar um modelo novo. Remodelar o modelo.

 

A Formação Européia e o contexto dos estudos em História da Arte

Walter Zanini: Essa experiência inicial na Europa, digamos, partiu de uma pessoa como eu, que estudava na Sorbonne, no Instituto de Arte e Arqueologia e que também frequentava o curso de Museologia do Museu do Louvre. Lá havia professores como Germain Bazin [2], de quem vocês devem conhecer muita coisa, as reflexões dele, a teoria dele, os posicionamentos dele. Era uma época, assim, já metade dos anos 50 e também de uma vivência de museus na Europa, em vários países, e evidentemente de todos esses circuitos de galerias de arte da época. Anos 1950, começo dos 1960 [3].

Viajei  para a Europa em 1954. Aliás, no meu navio iam alguns argentinos, não havia brasileiros. Na Sorbonne, no curso de graduação, encontrei uma argentina também. Foi uma  das primeiras pessoas que eu conheci por lá, proveniente de Buenos Aires. Ficou lá alguns anos também. Brasileiros que estudassem arte... Eu conheci artistas brasileiros que estavam lá naquela época. Da minha geração. Mas poucos...pelo que eu me lembro.. Não me  recordo de pesquisadores brasileiros. Também estudei em Roma. Passei um ano escolar nos programas da universidade. Sempre dentro desse campo da história da arte, que foi o meu campo. Naturalmente havia complementação teórica,... No que concerne ao preparo específico de licenciatura de história da arte, eram programas muito intensos, muito largos, que ocupavam praticamente todo o tempo. Também se estudava estéticas. Mas extremamente focado, como o nome já diz, na história da arte em várias épocas. Isso em Londres, também na Itália. Em outros países, na Holanda. Sorte que eu tive uma experiência de frequentar museus... prática, não é? No Louvre fiz outros cursos [4]. Por ser uma boa escola, era diferente dos estudos da universidade.

Convivíamos com as obras
Convivíamos  com as obras. Por exemplo, o curso de Ceramologia [5].  Ceramologia era feita nas próprias salas dos museus. No Louvre, a gente subia por uma escada interna que dava acesso a  sala das grandes crateras [6], das ânforas [7], e outros objetos onde os assistentes davam aulas abrindo as vitrines e, às vezes, pegando as peças nas mãos. Era um contato sensorial e acho que se manteve essa pedagogia por muito tempo na Europa.

Vi também muitas exposições temporárias, bem como dos acervos dos museus. A minha experiência, em linhas muito genéricas, foi essa. E alguma informação no grande museu de Paris, mas conhecendo também outros museus. Museus de arte moderna. Inúmeros outros, isso em Paris. E viajando. Vocês falaram em trem agora, vocês viajaram muito de trem. Eu viajei muito de autostop [8] com minha esposa [9]. Estudante tinha que viver com poucos dólares. A minha bolsa do governo francês era de 50 dólares, um pouco mais. 25 mil francos. Era um pouco mais. Dava para você pagar um pequeno quarto de hotel. E receber bilhetes com redução para teatros, concertos, que ajudava muito, não é? Mas se vivia assim, com dificuldade para conseguir fazer as coisas. Conhecer um pouco os museus de um modo geral, na Europa, os principais pelo menos. E foi assim. Uma experiência que teve um lado dentro dos bancos escolares, mas também no território, digamos, fora, a experiência prática, visual, contato com pessoas. Nas linhas mais genéricas possíveis, foi isso. Cada uma delas se precisaria entrar muito em detalhes, mas acho que bastaria dizer isso.

Zanini em Paris nos anos 60 (da esq para a dir): com o artista Marcelo Grassmann; com sua esposa Neusa Boari Zanini; com o artista Istrati na galeria XXe Siecle.

eram muitas dificuldades que a gente tinha. Mas a recompensa cultural era enorme.

Os artistas brasileiros que ganhavam prêmio nacional de pintura, de escultura, recebiam 500 dólares por mês. Quando se apresentavam, quando a gente conhecia... Havia uma diferença, não é? Não se podia comprar livros, por exemplo. E naquele tempo não existiam copiadoras. Não se podia escanear coisa nenhuma. Então tinha que copiar, me lembro de copiar livros de bibliotecas. Eu acho que, se não me engano, não tinha nem as coisas mais elementares de reprodução. Pode ser que tivesse, mas eu me lembro disso, de copiar textos. E as bibliotecas eram muito boas, não é? As bibliotecas que eu conheci, e vocês devem ter conhecido também, em Londres. Eu frequentei muitas bibliotecas de Londres. Sobretudo a do Courtauld [10] e a Warburg [11] também. E outras. Estive em Londres no fim dos anos de 1950 e começo de 1960. Porque eu estava desenvolvendo uma tese e essa tese me permitia - eu era obrigado a viajar - ver vários museus, bibliotecas, consultar pessoas. Mas eu só queria dizer que eram muitas dificuldades que a gente tinha. Mas a recompensa cultural era enorme.

Fórum Permanente: Quando você foi estudar na Europa você já tinha uma ideia do que, eventualmente faria quando voltasse? Porque a ideia era voltar para o Brasil, ou não?

WZ: Eu comecei a escrever em jornais aqui em São Paulo. Tinha uma rubrica aqui em São Paulo, mas a crítica brasileira era inteiramente autodidata. Geralmente pessoas vindas da literatura. A exceção de uma só figura, o Sérgio Milliet [12], que era formado na Suíça. Mas formado em sociologia, em ciências econômicas. E que era o diretor da Biblioteca Municipal...[13] Essa figura do Sérgio Milliet, eu tenho a impressão que era a única que tinha realmente uma formação humanística. Eu não diria filosófica, porque ele mais se interessou pela sociologia. Ele era um pensador dentro da literatura, um escritor que publicou livros, colunista no jornal O Estado de S. Paulo. Era muito raro isso. Eu achava que eram completamente insuficientes essas crônicas que saíam nos jornais. Muito empíricas. Geralmente, pessoas com talento, inteligência, mas faltavam esses recursos de uma formação que não encontrávamos por  aqui. No Brasil havia Escolas de Belas Artes, que eu nunca frequentei. O meu ponto de partida... Eu tinha um tio que era pintor, um pintor da cidade de São Paulo. Meu tio Mário [14], que já morreu há muitos anos. Eu frequentava a biblioteca que ele tinha em casa. E foi um começo, assim, familiar, posso dizer. Mas precisava ter uma... Havia essa necessidade de uma cultura realmente especializada, uma cultura densa. Não se tinha aqui no Brasil essa possibilidade. Absolutamente. O Rio era um centro mais conservador, com a Escola Nacional de Belas Artes. São Paulo, quando fez a Semana de Arte Moderna, mostrou aquele momento de vanguarda, por ser uma cidade industrial. E, vejam bem, quando se criou a Universidade de São Paulo, nos anos 1930, em meados dos anos 1930, criaram-se todas as disciplinas humanísticas a partir da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Estava também prevista a criação de um instituto de arte, um setor de artes, que nunca passou para a prática. Ficou apenas no projeto. Somente nos anos 1960 e 1970, quer dizer, 30 e 40 anos depois, é que começou a haver o desenvolvimento, na Universidade de São Paulo, dos estudos práticos e teóricos da arte. Com muito atraso em relação aos países mais antigos. Bom, tudo isso puxa a conversa para todos os lados.

Aqui no Brasil ... Nas escolas. Precisa mais rigor no ensino ... disciplina do estudo, da pesquisa

Eu sei que o estudo na Europa era realmente exigente, a pessoa sabia ou não sabia. A pessoa precisava estudar lá. Aqui no Brasil ainda hoje acho que é um pouco facilitado, não é? Nas escolas. Precisa mais rigor no ensino. Essa disciplina do estudo, da pesquisa. Acho que melhorou. Eu acho que na arte brasileira atual há uma influência do ensino universitário que foi inaugurado na faculdade de filosofia, em começo da década de 1960. Mas uma escola mesmo destinada à concentração em teoria e prática surgiu só com a Escola de Comunicações e Artes no começo de 1970. Aí haveria, ainda no fim dessa década, o primeiro mestrado no Brasil. Em meados dos anos 1970 teve o primeiro doutorado [15].


Arte moderna e curadoria

FP: Você falou da relação com a arte moderna e com o Mário Zanini, aí a sua ida para a Europa e os estudos, uma imersão em museus, visitas que você fez às principais coleções. Perguntamos como isso te levou a começar a trabalhar nesse eixo que é curatorial. A pensar as coleções e a produção contemporânea.

WZ: Eu entendi, isso precisa frisar bem. Olha, em Paris eu escrevia em algumas revistas, por exemplo, a Gazette des Beaux Arts [16], XXe siècle [17], Review de L´Histoire de L´Art [18]. A revista Vasari [19], em Florença. Porque meu trabalho de tese tinha sido sobre o problema do Renascimento. Então isso deu uma abertura para algumas coisas. Frequentava as exposições de arte moderna, as grandes exposições como a Réalités Nouvelles [20]. As grandes mostras que se faziam no Grand Palais, Petit Palais [21], em múltiplas galerias. Há sempre exposições lá. Era um momento em que cresciam muito as exposições temporárias.

FP: Como era esse ambiente mais institucionalizado da arte moderna em Paris nessa época?

WZ: Os museus de arte moderna surgiram com Marcel Duchamp [22]. Houve com Katherine Dreier um museu de arte moderna que surgiu com o "Société Anonyme"...[23] Ah, mas aí me escapam os dados. Mas um primeiro museu europeu de arte moderna surgiu na Polônia em Lodz, estabelecido no início dos anos 30.

Os museus de arte moderna surgiram com Marcel Duchamp

FP: Você mencionou isso em sala de aula, eu lembro disso (Martin). Contemporâneo ao MoMA, o primeiro museu de arte moderna na Europa foi na Polônia, não é isso?

WZ: Sim, o MoMA veio depois [24]. Mas em Paris já existia o Musee Nacional d´Art Modern, que é originalmente o museu do Trocadero em Paris. Cuja coleção está hoje no Beaubourg em Paris, o Centro Pompidou [25]. Eu frequentava muito. Nessa parte de Paris havia museu de arte, o Museu do Homem, vários museus. Londres também tem tantos museus, não é? Coleções. Não só Londres, aquelas cidades todas em volta, até Edimburgo.

FP: Como era a relação entre o curador e a instituição naquele momento? O que pensa sobre esta relação?

WZ: A curadoria basicamente era endereçada ao colecionismo, à preservação das coleções, à apresentação das obras e já havia uma propensão e uma efetivação de organizar mostras fora do território do edifício do museu. Através de mostras que pudessem circular. Isso foi um hábito frequente no museu de arte moderna de Nova York. Enfim, havia uma questão didática também, de formação do público. Esse tipo de visita dirigida, diante das obras. Os museus, eu me lembro... Lá no inverno é muito... Três horas da tarde, três e meia os museus já estavam escuros. E não tinha jeito, não tinha lâmpada nem vela, digamos assim, não havia toda a tecnologia atual. E o problema da conservação também era das preocupações essenciais. Algo que continua até hoje.

 



Certamente a minha preocupação era arte moderna.

Volta ao Brasil

FP: Mas retomando a pergunta: você já tinha uma idéia do que, eventualmente, faria quando voltasse ao Brasil?

WZ: Sim, havia encaminhamentos. Certamente a minha preocupação era arte moderna. Mas, eu estava muito interessado em arqueologia num certo tempo em Paris. E lá tinha um brasileiro, sim. Tinha um brasileiro que chegou logo depois, que foi o Ulpiano. Vocês devem conhecê-lo. Ulpiano Bezerra [26]. Vocês o conhecem? Ele é da Filosofia, do Departamento de História. Eu também era do Departamento de História da Filosofia quando voltei.

FP: Ele é o pai da museologia científica do Brasil. De um rigor, de um pensamento de museologia mais filosófico, abrangente...

WZ: Ainda jovem chegou em Paris e foi realmente com essa função, esse programa de continuar estudos de arqueologia que ele fazia no Brasil. E que depois o levou para o museu. Inclusive, na volta, foi criado o Museu de Arte e Arqueologia em São Paulo, na USP. No começo dos anos 1960, 1964. E é uma pessoa... Vocês precisam conhecer o Ulpiano. Com ele, nessa volta, se criou um Museu de Arte e Arqueologia, com uma coleção legada à USP pelo Museu Pigorini [27], de Roma. E logo vieram outras doações, de outros países.

FP: O próprio Matarazzo também doou, não é?

WZ: O Matarazzo, Francisco Matarazzo Sobrinho, é que fez os primeiros contatos com esse Museu Pigorini. Ele tinha muitos contatos na Itália, por ele ter sido o fundador da Bienal. Ele era presidente do Museu de Arte Moderna, tinha contatos com a Bienal de Veneza. Eu não conheço bem essa história de como isso se estendeu também nesse campo da arqueologia, mas realmente ele foi uma pessoa que contribuiu muito para que viesse uma coleção de obras de Roma. Então surgiu esse museu, dentro da USP e dentro do Departamento de História da Faculdade de Filosofia [28]. Isso foi em 1963. Então aí vai ligar um pouco com o que vocês perguntaram a meu respeito. Na volta para o Brasil em 1962, como eu tinha terminado os estudos na Europa, chegamos, minha esposa e eu, sem emprego, sem nada, para começar uma vida nova aqui, depois de muitos anos.

WZ: 1962. No navio que nós voltávamos vinham uns imigrantes belgas, que no navio disseram que vinham para o Brasil porque eles iam trabalhar aqui no interior de São Paulo. Só que eles pronunciavam a cidade do interior de São Paulo [de um jeito] que a gente achava muito divertido. Agora eu esqueci o nome da cidade. Por causa do acento deles.

 

Inserção na USP

Um corpus de História da Arte, realmente com mais ambição, com mais densidade, com maiores requisitos, requisitos práticos e teóricos, surgiu na Escola de Comunicações e Artes.

WZ: Bom, então chegando no Brasil, a gente não sabia o que seria do destino. Será que poderia conseguir alguma coisa? Havia alguns prenúncios de aproveitamento. Fui encaminhado para a Faculdade de Filosofia e eles me contrataram, alguns meses depois de chegar. Ah, havia um professor aqui, que estudava arquitetura brasileira, especificamente fazia uma tese que ia apresentar na volta à Paris, chamado Yves Bruand [29]. Ele fez essa tese sobre a arquitetura moderna no Brasil. Ele aproveitava para dar aulas de História da Arte lá na Filosofia. Então, ele dava aulas de história da arte no Departamento de História da Faculdade de Filosofia da Universidade. E é interessante que nos anos 1930 o Levi Strauss e outros professores franceses que vieram, eram jovens, mas não eram especialistas em arte. O Levi Strauss veio para outros trabalhos aqui, a gente sabe disso. E ele, e outros professores franceses, isso é muito conhecido, davam também aulas de História da Arte à partir dos anos 1930, na filosofia. Então trinta anos depois também um professor francês, no começo dos 1960, dava aulas de História da Arte. Quando eu cheguei, ele passou essas disciplinas pra mim. E ele ficou nas dele. Ele dava aulas de metodologia. Eu comecei na História da Arte. Isso em 1962. Eu comecei assim, quando surgiu uma oportunidade na USP, esse ensino. Que na Argentina era anterior. A Argentina tinha um envolvimento nessa problemática há mais tempo que o Brasil. O Brasil, como eu disse a vocês, perdeu uma oportunidade nos anos 1930. Não se instituíram as artes dentro da universidade. Ela ficou por último e foi largada. Na FAU, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, também se criou um departamento, onde se ensinava a História da Arte. Mas, digamos assim, vinculada à Arquitetura, não era uma História da Arte com a amplitude que ela tem. Era uma coisa destinada a arquitetos, ao desenho industrial, que a FAU desenvolvia. Mas a História da Arte, assim, nesse complexo de disciplinas, começou vagarosamente, no Departamento de História da Faculdade de Filosofia da USP, no começo dos anos 1960.

Repetindo o que eu disse pra ficar claro. Um corpus de História da Arte, realmente com mais ambição, com mais densidade, com maiores requisitos, requisitos práticos e teóricos, surgiu na Escola de Comunicações e Artes.

Em 1970 entraram (na Eca) as artes plásticas e a música e aí o cinema teve, digamos, uma conotação maior com as artes.

Essa Escola foi criada em 1966, na USP. Não tinha artes plásticas. Tinha o teatro. E o cinema, que era considerado comunicações. Em 1970 criaram-se as artes plásticas, entraram as artes plásticas e a música e aí o cinema teve, digamos, uma conotação maior com as artes. O teatro já estava, então surgiu a Escola de Comunicações e Artes, no começo dos 1970. Era muito modesto esse departamento. Poucos professores, tanto na área prática como teórica. E a História da Arte, infelizmente, era uma disciplina que a dosagem de aulas, a carga horária, deveria ser dividida entre a prática e a teoria, e as horas em sala de aula eram poucas. Permitia apenas uma iniciação aos estudos. Então foi um começo modesto. Mas foi um começo que se desenvolveu aqui na Universidade de São Paulo, depois com o mestrado e doutorado também [30].

FP: Você então entrou na FFLCH, pra dar alguns cursos. Só uma disciplina de História da Arte. Eram cursos relacionados a outras carreiras, não é?

WZ: Sim, mas os estudantes que faziam esse curso, vários seguiram depois o rumo das artes. E em São Paulo,, havia uma grande escola particular, que é a FAAP. Lá eu também dei aulas de Histórias da Arte, por vários anos.

FP: O curso começou mais ou menos no mesmo momento, não é? O curso de Arte. Porque, assim, eu entendo que você foi transferido da FFLCH para a ECA, quando foi iniciado o curso de Artes Plásticas.

WZ: Na FAAP eu fui em 1970 [31]. Então, na USP, singelamente foi isso. No Rio não tinha nem mestrado, nem doutorado. Nem nos outros Estados. A USP começou isso aqui no Brasil, embora tenha sido uma universidade tão refratária em entrada nas artes. Sempre tem esse problema das artes, das ciências exatas, biológicas, de não considerar muito o campo artístico. Achar que não são tão exatos nas pesquisas... são mais emotivos... É muito conhecido esse preconceito, até hoje.

 

A USP e a criação do MAC

Aí é como na música, o legato. Legato, sabe? Que é um som intersticial a outro.

FP: E como veio o convite para dirigir o MAC? O MAC foi, de fato, inaugurado em 1963. Em 1962 você estava na FFLCH. Você falou do Ulpiano. Tem a ver com o Ulpiano esse convite para você assumir o MAC?

WZ: Não, não. Aí é como na música, o legato. Legato, sabe? Música legato. Que é um som intersticial a outro. Começo do século XIX. Tá tudo ligado, por isso que não sai perfeito. Sai tudo meio picado, não? Mas aconteceu de fato que, quando cheguei, havia uma crise cultural em São Paulo. Foi uma coincidência. Fim dos anos 1950. Aqui, tentando dar certo alicerce, os próprios museus, os museus mais avançados... Havia museus. No Rio havia o Museu Nacional de Belas Artes, que vocês conhecem, não é? Com esse acervo... Mas era um museu tradicional. Aqui em São Paulo surgiram dois museus. Um foi o Museu de Arte de São Paulo-MASP. E o outro foi o Museu de Arte Moderna-MAM. MASP em 1947 e o MAM em 1948. Eu não vou me deter no Museu de Arte de São Paulo porque, se não, não falo, não há tempo. O Museu de Arte Moderna foi fundado, foi criado com uma coleção que era do Matarazzo. Esse Matarazzo não é o Matarazzo conde. Aquele migrante que veio no século 19 e que fundou esse império industrial. Não. É um sobrinho dele. Por isso que... Francisco Matarazzo [32], o Ciccillo Matarazzo, que trabalhava com metalurgia e que tinha constituído uma coleção de arte. Ele tinha quadros antigos e não era nenhum expert em pintura, em arte, mas constituiu um acervo moderno apoiado num artista italiano que vivia perto de Paris, abstrato, que é o Alberto Magnelli [33].

A Bienal não saiu de um sopro, de um grupo. Não. Saiu de dentro do Museu de Arte Moderna.

Ele auxiliava na compra das obras de arte para esse industrial, Matarazzo. E essas obras que foram para a USP. Ao mesmo tempo, essa crise a que eu quero me referir, foi provocada porque a Bienal, em 1961, se também a memória não me falha, aliás, em 1951... Aí preciso recuar dez anos. Foi no Museu de Arte Moderna que surgiu a Bienal. A Bienal não saiu de um sopro, de um grupo. Não. Saiu de dentro do Museu de Arte Moderna. E, dentro do MAM, com o passar dos anos 1950, ela foi, digamos assim, se tornando uma carga, um núcleo muito forte, de trabalho, de contatos, de realizações, de tudo o que vocês quiserem. Dentro do museu. A ponto de, em 1961, ela ter se desagregado. Se desmembrou do museu e se tornou a Fundação Bienal de São Paulo. [34].

FP: O MAC surge em 1963. A crise do MAM é uma crise que vem do final da década de 1950, quando o Ciccillo resolve desmembrar a Bienal do MAM. E o Mário Pedrosa tenta evitar esse movimento do Ciccillo, mas ele estava bastante certo que era necessário.

Os empresários geralmente não tinham interesse pelo Museu de Arte Moderna

WZ: Eu acho o seguinte. Os empresários geralmente não tinham interesse pelo Museu de Arte Moderna. Pouco interesse. Raros deles tinham comprometimento mais efetivo de contribuir para o museu. A questão é a seguinte. A Bienal se tornou uma Fundação e o museu estava em crise. O Ciccillo resolveu doar as obras dele e as da esposa, a Yolanda Penteado. Ao mesmo tempo, houve uma assembleia geral - não me lembro se eu já estava aqui, talvez já estivesse. Houve uma assembleia geral, sabia-se pelos jornais isso, que resolveu doar as coleções do Museu de Arte Moderna para a universidade.

Nessa assembleia extraordinária dos sócios do museu, dos membros do museu, resolveram passar toda essa doação para a USP. Era algo assim inusitado. Na USP o pensamento era: “Mas como? A gente tem que lutar pelo nosso salário, tem o problema da Medicina, o problema da Politécnica, problema não sei o quê, ainda vem esse?”. Porque nas artes, o que entrava na USP, entrava sempre com dificuldade, como foi nas próprias Comunicações. Mas o fato é que passaram. Agora, aconteceu o seguinte. Na USP havia, naquele momento, um reitor (Antonio Barros de Ulhôa Cintra) que tinha viajado pelos Estados Unidos. Ele se interessou pelo problema. E ele foi um fator forte dessa entrada das coleções na USP [35]. Sempre falo isso quando me perguntam.

E se criou o museu.

E se criou o museu. Aliás, quando passou não era bem museu, eu pensei que fosse museu. Eu pensei que o museu passaria pra USP também com o nome, Museu de Arte Moderna. Quando me chamaram eu conversei com algumas pessoas. Tinha que ver esse acervo, fazer o inventário. Antes de passar para a USP, tinha-se que fazer esse relatório. Que obras vão passar? Elas estavam todas espalhadas pelo prédio atual da Bienal. As do Calder [36], por exemplo. Tinha que fazer o relatório, obra por obra. Eu me lembro que me deu muito trabalho.

FP: Mas por que você foi escolhido? Não havia outros nomes na época, para assumir?

WZ: Suponho que basicamente tenha sido por eu ser professor de História da Arte da universidade e a formação europeia deve ter pesado. Não posso chegar a esse ponto de discernir essa questão porque havia outras pessoas.

FP: No seu caso foi um convite mesmo, não por banca, ou por concurso, mas um convite mesmo...

WZ: Eu não entrei como diretor, entrei como superintendente. Anos depois, um reitor, no começo dos anos 1970, definiu-me diretor. Mas não houve abertura de concurso. Como não houve depois, também. Por exemplo, o caso do meu sucessor, doutor Wolfgang Pfeiffer [37], também foi uma indicação do reitor. E outros que vieram depois, como a Aracy Amaral [38].

 

Diretor de um novo museu: o MAC

FP: Como você desenvolveu esse programa do MAC, que levou a ser um museu experimental, um museu que tinha uma proximidade com os artistas, que tinha um perfil extremamente inovador? Não só no Brasil, que não tinha muitos museus, não tinha uma história de museus de arte, mas você faz uma gestão que tem um perfil de vanguarda.

WZ: Olha, os museus geralmente... Exclua o Bardi [39] aqui que era uma pessoa com muita experiência na arte. Mas, você quer dizer como isso se desenvolveu aqui.

FP: Isso, uma vez que  você tinha um programa muito claro de atuação. Você se cercou de artistas.

WZ: Olha, quando entrei no museu, tive que corrigir certas lacunas dentro das coleções existentes. Como tive contatos na Europa, isso ajudou a trazer algumas obras. Não existe essa possibilidade de aquisição permanente, a não ser para museus com grande sustentação econômica e financeira. Então, essa antiga coleção do Museu de Arte Moderna, que passou para USP, ela tinha não só as coleções do Ceccilio e Yolanda Penteado, mas tinha também as coleções tanto nacionais como internacionais do museu de arte moderna, onde muitas obras eram prêmios das Bienais. Porque os prêmios das Bienais de São Paulo, desde 1951, 1953, 1955, ficavam em São Paulo. Sejam pinturas, sejam esculturas, gravuras, desenhos, essas categorias tradicionais ficam aqui.

Então era um museu já único (....) era um museu muito representativo dentro do hemisfério.

Então era um museu já único, mesmo em termos de Estados Unidos, era um museu muito representativo dentro do hemisfério. Na coleção do Matarazzo você tinha as obras futuristas como o Boccioni [40], uma série de artistas importantes. É só abrir o primeiro catálogo do museu. Ao mesmo tempo fazia as exposições temporárias e também exposições circulantes fora de São Paulo.

FP: Então, esse modelo baseado em um colecionismo, voltado ao preenchimento de lacunas da coleção anterior, do MAM. E de uma atualização, também?

WZ: De uma atualização. Só que, para comprar um artista Pop nos Estados Unidos, precisaria levar uma parte do orçamento da USP muito grande, [risos] então nem cogitar. Mas se conseguiu algumas coisas. Alguns artistas.

Por exemplo, eu conhecia o dono da galeria XXe Siècle, de Paris, que era o San Lazaro. E ele, quando eu voltei pro Brasil, falou: “Esse Fontana, aqui, se você quiser levar...”. Não, não foi assim. Foi depois, numa ida à Paris. Ele me disse: “Se quiser esse Fontana [41] eu vendo por duzentos dólares”. Eu me lembro disso, uma frase dele. Ele já muito doente. E aí falei: “Claro, depois quando o senhor estiver aqui,...” Propus isso para comprar esse quadro, Fontana, com aqueles cortes clássicos. O caso Henry Moore [42] foi uma troca com a Tate Gallery que eles deram...[43]

A morte do Boccioni é no começo dos anos 1910. Mas o Henry Moore também já tinha morrido. Eram os filhos... Não, aí era com a Tate Gallery direto. E outros muitos casos. Então você vê, com Joseph Albers [44]. Porque o museu tem uma bela coleção de arte concreta, arte construída, construtiva. Então adquiriu-se o Albers e vários outros lá daquele tempo. Tinha esse propósito de um Museu de Arte Moderna que lida com a arte do presente. Presente eu quero dizer do século 20. E fazer exposições no museu, temporárias, aquelas exposições que chamamos de complementares. Dentro do museu e fora, com as excursões de obras, exposições organizadas para irem para cidades do interior de São Paulo e para as capitais dos outros Estados. Fizemos muitas exposições. O pequeno grupo do museu fez muitas exposições. Muitas, durante vários anos.

 

Por um museu aberto, em abertura...

WZ: E essa questão do museu aberto, em abertura, veio de experiências da própria arte da década de 1960. Do happening [45] que surgiu no fim dos anos 1950. Do environment [46], que saiu do happening, dos artistas Fluxus [47], das várias tendências que surgiram, como o Grupo Gutai, no Japão, até o Situacionismo [48]. O Situacionismo, que tem uma ascendência muito forte na linguagem que se desenvolveu, não só com o Debord [49], mas com outros artistas em Paris e fora de Paris, na região de Gênova, na Itália... E a arte conceitual [50], não é? E o minimalismo, aliás, que, embora lidasse com grandes estruturas, trouxe um impulso muito grande. Deveria ser um clima assim, de grande abertura. Em São Paulo, em 1951, para a primeira bienal, vieram muitos críticos do exterior. Herbert Read [51], veio de Londres. Desde o começo dos anos 1960, eu frequentava reuniões dos museólogos dos grandes museus internacionais.

FP: Que já era o ICOM[52]?

Deveria ser um clima assim, de grande abertura.

WZ: Ainda não era ICOM. Aliás, não é ICOM que se diz, é CIMAM. Comitê Internacional de Museus de Arte Moderna. Então, eu tinha oportunidade de encontrar o Jean Cassou [53], que era diretor do Museu de Arte Moderna de Paris, encontrava o Pontus Hultén [54] que era do Museu de Arte Moderna de Estocolmo; outros de outros países. Depois, ao final dos anos 1960, houve, aí dentro do CIMAM, muitos congressos que a gente ia. Como ia também aos congressos do Comitê Internacional de História da Arte. Tinha vários setores, divididos, nesses grandes congressos que se fizeram. Eu participava, a gente submetia às comunicações, como se faz nos congressos hoje. Mas nos congressos do CIMAM, eu tinha oportunidade de conversar com colegas; por exemplo, Werner Hofmann [55], que era diretor do Museu do Século XX, de Viena, que depois foi para Hamburgo. Foi um dos grandes batalhadores por uma mudança desse conservadorismo que havia nos museus, assim como Sandberg [56]. Nos colóquios, havia sempre essas comunicações, essas brigas... Não físicas, não é? Mas, brigas daqueles que achavam que o museu não devia mais ser um lugar de contemplação. Aí entram esses problemas filosóficos da contemplação, da reflexão e da ação.


brigas daqueles que achavam que o museu não devia mais ser um lugar de contemplação. Aí entram esses problemas filosóficos da contemplação, da reflexão e da ação.

FP: Então era uma briga entre a contemplação e a ação?

WZ: Havia uma contenda, em todos os congressos. De discutir o que era um museu do século 20. E se proclamava essa abertura. Aqui no Brasil também havia, nos colóquios que a gente fazia. No Brasil, com essas exposições itinerantes que o MAC fazia, a gente ficou conhecendo diretores de vários museus de arte do Brasil. Seja em Belo Horizonte, seja em Salvador, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Recife, Belém do Pará, aqui no interior de São Paulo. Então nós formamos uma Associação de Museus de Arte do Brasil. E, nesses colóquios anuais, começamos a fazer exposições.

Então nós formamos uma Associação de Museus de Arte do Brasil

Por exemplo, me lembro do Nelson Leirner [57], querendo fazer uma obra no Lago de Pampulha, em Belo Horizonte. O Wesley Duke Lee [58] levou uma obra em Florianópolis. Ele foi com a baratinha dele e levou aquela instalação do Chateaubriand, uma máquina de escrever, na entrada da exposição em Florianópolis e o pessoal lá não sabia se passava ou não passava a instalação. Ele conta isso nas memórias dele [59]. Enfim, a gente fazia as exposições, conferências. Aí vieram os debates. No final dos anos 1960 se discutia muito aqui também essa renovação dos museus, essa questão do público e privado, da entrada do público. Enfim, de exposições que circulavam, que se difundiam, que difundiam a arte contemporânea, coleções. Levamos a coleção do MAC, uma síntese, ao interior de São Paulo. A algumas cidades, a Porto Alegre, eu lembro e também a Belo Horizonte, por exemplo.

Fizemos a exposição Meio Século de Arte Nova, que foi para várias cidades, inclusive as principais. Com a coleção do acervo. Se trata de pinturas, esculturas...

Romântico no bom sentido, de atuação de fazer com os artistas. Tinha envolvimento, muita amizade.

A gente fazia o que podia naquele tempo. Porque o orçamento era pequeno, poucos funcionários. Atrapalhava fisicamente também... Você pensa no diretor sentado numa cadeira. Não é nada disso. Era tão diferente, era romântico se quiser. Romântico no bom sentido, de atuação de fazer com os artistas. Tinha envolvimento, muita amizade. Também por causa das aulas também na universidade, nas escolas. Éramos colegas. Não tinha essa questão burocrática, de hierarquia. Se procurava contatos, simplesmente humanos, técnicos, profissionais, juntar forças. Tanto na bienal como no museu, na FAAP. Acho que havia um clima assim. Acho que esse conceitualismo trouxe essa força das idéias. Isso é indubitável. E com muitas razões. Estava dentro daquela contemporaneidade, dentro de um momento em que o modernismo estava exausto. A arte formal foi tão forte nos anos 1950. Até os anos 1950. Você não podia pensar em figurativo. A figura era alguma coisa, como é que eu posso dizer, algo assim, fora, expulsa, no contexto mais adiantado. Você tinha que ser abstrato, não se admitia mais a volta da figura. Eu pensava assim, muita gente pensava assim. Quando veio a nova figuração, pop, o novo realismo europeu, foi surpreendente. Claro que dentro do surrealismo havia figura. Mas era uma figura do imaginário, do subconsciente, do Breton. Havia essa cisão radical separando abstrato do figurativo. E o figurativo ficou uma mescla depois, uma intersecção de tudo que se vê hoje. Estamos ainda umbilicados, muito ligados com os anos... Pode ser que estejam já sendo rejeitados por muita gente. Mas penso que essas idéias ainda vigoram.

alunos e artistas-professores do departamento de artes plásticas da ECA-USP

Os artistas no museu

FP: Nessas horas você tinha os artistas ao seu lado. Eles sempre foram muito presentes, o Tomoshigue, o Julio Plaza, o Donato Ferrari [60], a própria Regina Silveira.

Não queriam ver a arte como uma mercadoria.

WZ: Nós vivíamos um momento em que os artistas queriam ter uma atividade paralela. Não queriam ver a arte como uma mercadoria. Foi um momento muito marcante, esse. Não é que o Tomoshigue [61] não vendesse um quadro. Nós adquirimos aquela caixa que se abre, sabe [62]? E outros trabalhos. A gente fazia essas exposições, mas essa questão... Eu me lembro do Julio [63] e da Regina [64], eles viviam do salário de professor. O Tomoshigue era professor na FAAP e também na USP. E muitos outros artistas daquele período.

FP: Então era um papel político, dos artistas.

WZ: Sim, essa questão ideológica já estava nas iniciações. Essas questões ideológicas estão presentes na arte dos anos 1960.

Havia uma convivência, sem essa história burocrática (...)

O MAC acho que trouxe essa abertura. Eram exposições que os próprios artistas... Eles ajudavam no museu, faziam várias coisas, parte gráfica, catálogos como Donato Ferrari, Tomoshigue, ajudaram a fazer montagens fora de São Paulo. No próprio museu. Havia um convívio depois também, com a chegada de outros como a Regina e o Júlio Plaza.

WZ: Havia uma convivência, sem essa história burocrática, mas era um pequeno núcleo de oito, dez pessoas só. Muitos jovens. Estagiários. O museu se abriu também para a fotografia. Adquirimos as primeiras fotografias, já em 1970.

FP: E por quê? Porque isso também era uma novidade, não é? Claro que o MoMA fazia isso, tinha uma coleção de arte de fotografias, uma curadoria específica de fotografia.

Discutia-se muito como fazer esse museu.

WZ: Tive muitos contatos com Nova Iorque. Mas essas brigas nos colóquios internacionais eram interessantes, porque tinham os europeus que já tinham... Que olhavam... Que, enfim, tinha sempre uma distância entre europeus e americanos. Com suas opiniões próprias, seus pensamentos, suas ideias. Discutia-se muito como fazer esse museu. No fim dos anos 1960 eu fui ver o museu do Havre. Que não era propriamente um museu, era um centro cultural que me impressionou bastante [65].

Esses contatos com Pierre Gaudibert [66], ele era jovem e foi um dos criadores do ARC-Animation, Recherche, Confrontation que era Arte, Pesquisa e Confrontação, que ele abriu no Museu de Arte Moderna da cidade de Paris. Que era um centro aberto. Acho que isso foi ainda no fim dos anos 1960. Saía só do colecionismo, da tradição do conservador que conserva as obras, para trazer pessoas dentro do museu. Era uma coisa que se generalizava. Difícil estabelecer um ponto preciso. A gente tem algumas datas, mas foi algo que, como a arte daquele tempo, se difundia. Nós vivíamos num outro tempo de comunicação, de comunicações, embora a televisão não tenha se prestado muito para o desenvolvimento das pessoas, como a gente sabe ainda hoje.

museu como laboratorio: exposição JAC-Jovem Arte Contemporânea de 1972 (1ª e 2ª imagens) e exposição Prospectiva'74 em 1974

 

Arte, comunicação, tecnologia, analogia de linguagens...

WZ: Mas no meu entendimento a videoarte não surgiu de uma necessidade. Alguém pensa “Não, a videoarte surgiu porque os artistas se opuseram à televisão”. Claro que se opuseram à televisão e procuraram fazer outra coisa, mas vinha mesmo de uma necessidade de aproveitar essas novas imagens. Sempre foram de proveito as pesquisas científicas na arte.

FP: Isso que é interessante, Zanini. Porque, assim, quando a gente pensa na sua formação, vamos dizer que ela é clássica, de historiador e tal. Como é que você se abriu a esses novos meios?

WZ: Mas eu já disse! Eu saía do Brasil vendo as exposições da arte moderna daqui, os artistas modernos brasileiros e também as exposições que se faziam no começo dos museus, na própria Bienal. Na Bienal de 1951, de 1953, a gente tinha contatos com curadores. Me escapam os nomes.

FP: [Martin] Eu trabalhei com você na Bienal de 1983. Mas em 1981 ouvi o Vilém Flusser[67] e me chamou muita a atenção a exposição de Mail Art. Uma pergunta que a gente tem, esse seu interesse por comunicação. A relação entre arte e comunicação. Claro que a gente pode falar de arte e tecnologia, mas...

a Bienal boa daquele tempo, acho, foi a de 1975

WZ: Não. Foi a Bienal de 1973. Ali tinha o Flusser que se encarregava. Vieram dois suíços. Veio o Forest [68]. Veio o rapaz que trabalhava com cor, para decorar as casas, indústrias. Vieram alguns. Mas o Canadá foi organizado lá no centro do McLuhan, na Universidade de Toronto [69]. E a vinda dos vídeos americanos - quem era curador era uma especialista americana – também deu problema porque não tinha compatibilidade de sistema para as exibições. Foi uma coisa muito encrencada, difícil. É complicado recuperar toda essa questão que foi 1973 [70]. Antes também foi muito complicado. A de 1969 foi complicado, a Bienal boa daquele tempo foi a de 1975, quando os americanos vieram para a exposição com todos os pioneiros deles, desde Nam June Paik [71], entre outros.

Mas a Bienal tinha esse prejuízo da repartição de países, que acabou no começo de 1980

Uma exposição de videoarte que parecia um museu cibernético lá no pavilhão da Bienal. Mas a Bienal tinha esse prejuízo da repartição de países, que acabou no começo de 1980. Atravessando a ditadura, e aí também em 1981, conseguindo trazer países que estavam fazendo, não é censura, o contrário: o boicote. Porque não eram só artistas que fizeram boicote à Bienal.

os artistas resolveram, no mundo inteiro, a fazer um boicote na Bienal

A Bienal em São Paulo pagou o pato, de certa maneira, pelo fato de o governo daquela época ter censurado os trabalhos dos artistas brasileiros que iam para a Bienal de Paris. Eu me lembro bem disso porque eu estava na escolha, estive nessa escolha. E aí os artistas resolveram, no mundo inteiro, a fazer um boicote na Bienal. Houve um grande encontro lá no Centro Pompidou com o Restany [72]. Não sei quantas centenas de adesões, de subscrições... E a Bienal daqui, então, esvaziou. Era, para vocês verem, a arte e tecnologia que o Restany queria trazer. O Restany ia trazer uma belíssima exposição de arte e tecnologia

Seria uma grande, enorme exposição de arte e tecnologia

Essas coisas são muito vivas ainda hoje. Pra mim, que sou daquele tempo. Ele queria trazer uma série de artistas, cada um com uma sala, para uma obra só. Não podia ser obra muito grande, mas ia trazer acho que quarenta artistas. Ia dar todo o desenvolvimento da arte e tecnologia, não só da Europa. E os Estados Unidos, pouca gente talvez saiba, ia trazer... O Smithsonian Institution e o MIT, Massachusetts Institute of Technology, iam trazer uma grande exposição que nem eles iam mostrar antes da Bienal de São Paulo. Seria uma grande, enorme exposição de arte e tecnologia no MIT.

FP: Mas quando foi isso, professor?

WZ: Por volta de 1969. E aí o que acontece? Atrasa o país. Você vê que o nacionalismo... Aí não entra o nacionalismo! Ou você está a par das coisas, a ciência, seja onde ela se desenvolva... Você tem que saber, não pode ficar na sua fronteira. Você tem que ir lá, o dia que você puder você vai trazer os outros. Mas, não.

sem uma convivialidade com o mundo que está se fazendo em toda parte, você se suicida, simplesmente.

Precisaria realmente pensar um pouco mais tudo isso. Acho que aqui no Brasil se deveria, às vezes, um pouco de nacionalismo radicalizado. Fica até contraditória essa frase. Uma propensão muito grande para fatores nacionalistas prejudicam o país. Se ficar, querer coute que coute,  custe o que custar, achar tudo sempre nas suas raízes, sem pensar que sem uma convivialidade com o mundo que está se fazendo em toda parte, você se suicida, simplesmente.

Aí vai passar mais uma bienal, mais um museu, mais não sei quantas, até que um dia os astros se conciliam, dão uma sensação de concatenação astrológica também e aí: “olha, começamos a estar fazendo...” Não é assim. Ou então um solitário que vai estudar em Israel [73], a outra moça que está no interior de Minas [74], com os engenheiros. Ela tinha essa ideia de fazer essa grande mole, essa grande estrutura metálica, que girava. Estudaram os cálculos, tinham os tempos medidos para fazer isso. E outras obras que ela fez com os engenheiros... Então, ficaram sempre nessa dependência do acaso, da possibilidade, dessas dificuldades, de chegar o Max Bill [75] em 1951, coisas assim que acho foi um passado que já passou, como o nome já diz. Mas que permanece... Está mudando claro, as comunicações são muito mais rápidas.

 

Bienal, curadoria...

FP: Antes de ser curador o senhor foi membro do Conselho de Arte e Cultura na Bienal. O senhor fazia parte do Conselho, nos anos 1970?

A luta aqui foi de introduzir uma curadoria, que existiu nos anos 1980. Se consegui fazer a curadoria.

WZ: Fui, mas era uma Bienal. Muito antes. Eu tinha chegado da Europa. Então, eles convidaram um sujeito que veio da Europa, que estudou lá. Era uma comissão que julgava artistas brasileiros, porque os estrangeiros eram julgados lá. Entende essa questão? Era primacial. A luta aqui foi de introduzir uma curadoria, que existiu nos anos 1980. Se conseguiu fazer a curadoria. Aí tinha a curadoria e o conselho. Antes tinha a comissão de seleção. Tinha que ter um curador responsável. Ele naturalmente ia se cercar de pessoas com projeto. Eu me lembro que a Argentina queria por a Argentina em cima. Honduras acho que não. Honduras é um nome que chegou agora. Outras: “Ah, porque o meu país”. Não, mas essa é uma exposição que não tem mais país. Os artistas vão ser confrontados. “Não, pois é, precisa pôr o nome”. Só para pôr a bandeira, porque o Matarazzo gostava de pôr as bandeiras. Aliás, continua, como a Bienal de Veneza. Claro que ninguém vai desrespeitar, que sabe que é do país, mas era uma exposição universal. Mas eu fiz parte. Eram uns críticos e me convidaram. Mas acho que não, acho que era só de um júri, não era da Comissão.

convocamos um simpósio para discutir o que fazer da Bienal no futuro, aproveitando os curadores e diretores de museus que vieram a São Paulo

Historicamente a Bienal sempre foi assim como eu disse para você. Se recorria aos de fora. Comissão de Artes Plásticas. Comissão da Exposição tal. Comissão da Exposição Especial sobre Arte e Tecnologia. Exposição sobre construtivismo qualquer coisa. Ou Exposição Didática. Dependia sempre de uma consulta externa, que vinha através de pessoas... Então a Bienal aceitava um ponto, não aceitava outro. Às vezes se convocavam júris, por exemplo. No meu tempo também, nós convocamos um simpósio para discutir o que fazer da Bienal no futuro, aproveitando os curadores e diretores de museus que vieram a São Paulo.

FP: A escolha do seu nome para a Bienal de 1981 foi uma indicação do Villares [76]?

WZ: A indicação é a seguinte. Eu estava no Aster [77], que era um centro de estudos na Cardoso de Almeida. Eu estava trabalhando naqueles livros de história geral da arte no Brasil [78]. Tinha um escritório lá. E também no Aster dava as lições, com Julio Plaza, a Regina Silveira, tinha uma professora de gravura, tinha aulas de gravura, de heliografia, aquelas coisas. Aí estava lá, uma tarde, e de repente chega o Villares. E aí simplesmente me convidou. “Você não quer vir pra Bienal?” Fiquei, assim, espantado, né, porque eu estava afastado do museu. Já tinha deixado o museu em 1978, isso foi em 1980.

FP: Quer dizer que você teve um ano para fazer a Bienal?

WZ: Um ano. Porque ele convidou no fim de setembro. Eu disse: “Mas preciso pensar”. Até falei, devo ter falado, “falta pouco tempo”. Porque a Bienal inaugura em setembro/outubro, cada ano, e já era perto. Acho que não, era agosto, setembro, mais pro fim do ano. Aceitei, assim, se me lembro bem, pedindo um prazo pra pensar, porque era muita responsabilidade. Falei com colegas e alguns deles até fizeram parte lá depois, da Bienal, ajudaram.

FP: O Jorge Carvajal [79], o Júlio Plaza. O Júlio cuidou da curadoria de arte postal, não foi?

Ainda estávamos na matéria, não é? Agora as Bienais se esvaziaram, até chegar ao vazio pleno.

WZ: Foi. Aceitei, acabei aceitando e trabalhamos. É uma coisa maluca ser curador da Bienal, só mesmo fazendo parte fisicamente é que se pode imaginar o que é a loucura de uma Bienal. É tudo quanto é coisa que converge, as menores coisas, as maiores coisas. Mas eu procurei essa solução, de achar que era uma Bienal que devia ter uma montagem internacional. Que não podia ser um indivíduo só. Embora girasse em torno de processos análogos, de analogias, era necessário ter um corpo de pessoas e dirigentes que estavam a par dos acontecimentos, ali na montagem para ajudar a discutir as obras, e aproximar as obras. Foi todo um debate que houve durante vários dias, quando chegaram as obras - também tinha problema físico de chegada de obra, sempre teve. Ainda estávamos na matéria, não é? Agora as Bienais se esvaziaram, até chegar ao vazio pleno. E aí, é uma loucura. Mas foi feita no prazo. E ela começou a renovar.

uma grande mostra de comparação de linguagens que ocorrem no mundo de hoje

Nessa questão da Bienal, em 1980, me veio a ideia de fazer uma exposição de analogias de linguagem. apresentei no Conselho de Ciência e Cultura da Bienal. Foi aprovado. Acho que eu falava isso em fins de 1980, setembro, quando o Villares me procurou no Aster. Então aceitei, propus isso, e foi aprovada, em 1980, uma grande mostra de comparação de linguagens que ocorrem no mundo de hoje. Buscar cruzar essas coisas, cotejar essas coisas e sair daquela compartimentação em ângulo reto, às vezes com uma passagem circular - a Bienal inteira era compartimentada por países. Então você via o Haiti ao lado dos Estados Unidos, você via 300m2 ao lado do paisinho, um pequeno país que tinha 26,5m de espaço. As nações menores sofriam com isso, por exemplo, não é? Entre outros sofredores, os próprios artistas. Em primeiro lugar. Então não é que não se criticasse essa questão da Bienal dividida por países, desde há muito tempo, desde os anos 1950. Devem ter se criticado muito, eu não estava aqui, mas devia-se criticar: “Como essa divisão por países?”. Acho que a Analogias de Linguagem foi uma boa coisa para a Bienal. Acho que foi muito difícil de fazer, inclusive, achando que não se devia mais fazer... Mas era muito difícil os países escolherem os artistas. Devia ser a Bienal a ter uma curadoria. A bienal deveria ter uma curadoria científica, para organizar a mostra.

16a edição da Bienal de São Paulo: no centro o curador, do lado esquerdo, vista parcial do vão central do edificio, e do lado direito, vista parcial da exposição de arte postal

 

Devia ser a Bienal a ter uma curadoria.

FP: Mas isso foi discutido com o Villares?

WZ: Não, isso discutia-se já há muito tempo. Agora, o que acontece. O Ciccillo Matarazzo foi o fundador do museu e o fundador da Bienal e ele ficou como presidente da Bienal. De sorte que todas as decisões sobre salas, salas retrospectivas, ou salas especiais, qualquer coisa... Ele tinha que convidar... Tinha, digamos, a parte endogâmica, da Bienal, de uma diretoria e tinha uma parte exogâmica, que eram seleções... Eram associações de artistas, associações de críticos, que eram convidados a dar uma opinião sobre como fazer na próxima Bienal. Nesse ponto ele agia certo. Convidar as pessoas. Porque ele não poderia fazer isso sozinho. Ele era um industrial.

a Bienal deveria ter tido uma curadoria já há muito tempo.

Então ele convidava, sugeriam pra ele. Mas o que eu ia dizer, a Bienal deveria ter tido uma curadoria já há muito tempo, não é? E mesmo a divisória de países, acontece o seguinte: cada país escolhia o seu curador. Era um entendimento diplomático com os países, para que eles nomeassem alguém e esse alguém é que escolhia as obras que vinham pra cá. De sorte que era, algo assim, muito dispersivo. Claro que devia apontar para a temporalidade que se vivia, aquele momento, aquele instante.

Essa é a arte que se está fazendo?

Porque um museu de arte moderna - o que eu acho que procurava-se fazer - tem que trabalhar com a arte que está se fazendo. Essa é a arte que se está fazendo? É o que deveria entrar no museu. Esse é o pensamento que eu tive, que esse grupo teve, que estava no museu, e que começou aí por volta dos 70, fins de 1960, nesses colóquios, através de textos, de tudo. Algo que foi num crescendo, não é? Acho que esse crescendo veio até o início dos anos 1980, depois desfaleceu. E a Bienal continuou com essa divisão de países por muito tempo. Apesar dessas Analogias de Linguagem...

Sobre o Flusser, na Bienal de 1981, não me lembro se fui eu diretamente que convidou o Flusser ou se fomos nós lá do museu. Convidamos para ele fazer umas falas. Lembro-me ter ido a duas dele.

FP: E aí o convite foi instantâneo para você fazer a curadoria de 1983?

Bienal tem que formalizar criticamente o que ela quer fazer, convencer as pessoas de fora, os curadores, tratar com eles quais são os artistas

WZ: Foi. Porque foi uma experiência nova. E pro público acho que foi. Porque procurava sair do país, de cada um ter um lote, uma entrada oficial escolhida fora. A partir da segunda, nós colocamos a questão crítica: a Bienal tem que formalizar criticamente o que ela quer fazer, convencer as pessoas de fora, os curadores, tratar com eles quais são os artistas. E isso funcionou em parte. Em boa parte começou a funcionar, melhor que em 1981. Acho que se conseguiu um resultado razoável, bom.

FP: E não houve uma rejeição à ideia de você continuar como curador, pela crítica de época ou por outros colegas?

WZ: Não sei. Teve colega que não entendeu nada da exposição, francamente. Infelizmente. Não houve. Críticos internacionais, de fora, acharam que estava no bom caminho, que estava certo, outros também acharam, curadores, os expositores - tinha muitos expositores de fora - também deram depoimentos. Mas eu sou suspeito para dizer isso.

FP: Não é a temática, mas esse modo de pensar a Bienal de 1981 se baseou na sua experiência do MAC?

WZ: Também. Porque no MAC nós tínhamos feito exposições. Por exemplo, a exposição JAC 72 [80]. Já em 1971 nós tínhamos feito uma abertura de espaços e de happenings. Em 1970 teve...  outros elementos, implicando a presença de pessoas etc. 1971 foi forte. Em 1972 nós fizemos, aí foi de uma vez, com espaço grande, mil metros quadrados... Expusemos isso em colóquio internacional em Varsóvia, teve muito debate. Distribuímos o palimpsesto da exposição, que era engraçado, o regulamento. Foi uma exposição do Donato Ferrari. A idéia veio dele, depois discutida.[81] Fizemos essa exposição. Acho que foi muito interessante para abertura. Mas no caso da Bienal, o Villares terminava... Ele foi muito correto, viu? Muito correto. Estava à altura do cargo dele, o que não era sempre o caso nas Bienais. Foi correto com a Comissão de Arte e Cultura. Sempre que me perguntam sobre isso, sem querer fazer nenhum elogio extra. É verdade pura, ele estava aberto às proposições. Aceitou a arte postal, aceitou happening, tudo o que aconteceu naquela mostra.

Foram épocas de tensão no museu e na Bienal.

Correu o risco de censura, estava sempre sob tensão. Foram épocas de tensão no museu e na Bienal. Acho que se procurou fazer o que se podia fazer naquele tempo, com o minguado quadro de funcionários, com auxílio dos artistas. Isso de um modo geral.

FP: Sobre essa reformulação mais ampla da Bienal. Desde a morte do Ciccillo, a Bienal começa um processo de reformulação. Havia um debate sobre se a Bienal deveria ser latino-americana ou uma Bienal internacional.

Tinha de ser uma exposição global. Vou usar essa palavra sem medo.

WZ: Houve. Eu não participei. Eu não achei que devia ser latino-americana. Acho que a Bienal... Os países... Tinha de ser uma exposição global. Vou usar essa palavra sem medo. Uma exposição, enfim, com os países todos em contato. Eu acho que isso se confirma na evolução das ideias. Tem se confirmado. Não tem que seccionar.

17a edição da Bienal de São Paulo: no centro obra de Julio Plaza para a exposição de videotexto, à esquerda performance de Ben Vautier (exposição Fluxus) e à direita performance de Keith Hering

 

regionalismo — universalidade

WZ: Aqui no Brasil acho que uma ideia importante sobre isso foi desenvolvida pelo Waldemar Cordeiro, que você conhece, não é? Ele foi o iniciador da arte digital aqui. Dentro da precariedade do final dos anos 1960. Ele começou a utilizar, fazer computação gráfica com imagens desde 1968. Então ele criava no Brasil uma situação de universalidade, que ele defendeu teoricamente com bons princípios. Ele era um estudioso, teórico. Uma pessoa muito capaz. Acho que ele é um impulsionador desse espírito de uma procura universal. Eu acho o seguinte. Tenho que fazer um retrospecto. Por isso eu falo muito em século, em décadas. A arte moderna no Brasil se desenvolveu em torno dessas categorias técnicas que se diz que são tradicionais. Pintura, escultura.  Não teve um artista, digamos, aberto como na Europa. Claro que eles tiveram outra formação, dentro do construtivismo russo, dentro do futurismo, dentro das tendências, da escola Bauhaus, na Rússia, na Holanda com De Stijl.

Nós somos uma técnica, somos técnicos. Tudo é técnico. Acho que essa imanência técnica é profundamente humana

Vocês sabem, não precisa dizer. Aliás, a técnica é algo humano. Eu não vejo a técnica como algo separado do ser humano. Ela está junto. Nós somos uma técnica, somos técnicos. Tudo é técnico. Acho que essa imanência técnica é profundamente humana. Não houve um artista, digamos, que se abrisse. A Semana de Arte Moderna Brasileira foi aberta ao mundo externo. Teve muita influência do modernismo. E os artistas se formam, não eram daqui. A Anita Malfatti se formou na Alemanha. Outros também tinham essa experiência. Lasar Segall também era um artista do exterior. Mas a Tarsila se formou em Paris e assim por diante. O Vicente do Rego Monteiro, que é sempre esquecido nesses relatos regionais. Aqui se fala de Tarsila, e o Rego Monteiro? Que conviveu lá, ele foi importante em Paris. Uma importância, assim, realmente dentro de conceitos, que mostravam esse lado que ele auferia daqui, num contexto internacional. Mas, olha, só para ser resumido, quando chega essa geração ainda modernista, mas que avança pelo anos 1930, 1940, a arte brasileira se tornou local. Não é? Ficou muito localizada no nosso ambiente. E não houve experiências, assim, técnicas. Não houve. Só no final dos anos 1940, com a Mary Vieira  [82] em Belo Horizonte e com Abraão Palatinik [83] no Rio. Curiosamente, ainda outro dia tive que dizer isso para outras pessoas que me perguntaram. A Mary Vieira, em Minas, conheceu engenheiros da Belgo Mineira, que atenderam às idéias dela de fazer uma arte cinética. Em movimento real. Não uma arte estática, mas óptica.

Se precisava de mais informação, mais cultura, mais vivência. Não dava pra ficar só circunscrito ao nosso ambiente. Era muito reduzido ainda.

Precisava-se de mais informação, mais cultura, mais vivência. Não dava pra ficar só circunscrito ao nosso ambiente. Era muito reduzido ainda. Tinha boas pessoas, tinha boas inteligências. Aqui em São Paulo o Sérgio Milliet, no Rio tinha o Pedrosa, Mário Barata. Tinha pessoas interessantes no Brasil. Precisava de uma vivência lá, de cursos, de professores, de pessoas, numa universidade. Por isso achei que, quando se deu mais firmeza às artes aqui, se deu realmente uma possibilidade das artes crescerem aqui na universidade.

O Mário de Andrade escreveu sobre arte européia e a arte inglesa sem nunca ter ido à Inglaterra. Pra mim a coisa é inconcebível!

Acho que essa firmeza vai se sentir, porque muita gente estuda agora o que não se estudava antes. Era tudo algo amadorístico, ouvir de ouvido, saber de leituras. Claro, às vezes literatos muito bons escreviam sobre artes, mas não tinham a formação. O Mário de Andrade escreveu sobre arte européia e a arte inglesa sem nunca ter ido à Inglaterra. Pra mim a coisa é inconcebível!

FP: Isso nos leva a uma das perguntas que queremos fazer. Uma coisa que incomoda muito é o fato que ficou agora eleito que a arte contemporânea brasileira se inicia com o neoconcretismo. E se inicia principalmente com Hélio Oiticica e a Lygia Clark. Mas do ponto de vista metodológico, parece que ainda é mais fácil pros estrangeiros entender como uma causa-efeito, ou que exista um ponto zero, o Big Bang da arte contemporânea brasileira seria esse momento. Quando pra nós, que estudamos, que temos uma relação com isso, a gente vê que tem um processo. Há uma complexidade, quando você relaciona...

Nos aspectos sensoriais, em certos aspectos eles tiveram uma importância.

WZ: Nos aspectos sensoriais, em certos aspectos eles tiveram uma importância. Eu já disse isso outras vezes. Isso não basta. Temos que estudar mais, aprofundar mais esse momento, esses momentos anteriores, digamos. Não tanto anteriores, né, porque, os anos 1960 e 1970 são muito conectados, não é? Não se pode separar realmente. Você pode separar os 1980, e os 1950. Nos anos 1950, há essa questão da arte construída, concreta, em São Paulo e aí precisaria, com cuidado, verificar toda essa cronologia do final dos anos 1950 e 1960. E que há uma, digamos, distinção entre os concretos e os neoconcretos, que provoca mesmo um clima que se criou e que causou mesmo essa separação. Acho que há vários elementos e se deve conversar com cuidado sobre isso. Mas, em princípio, acho que realmente não se pode concentrar de tal maneira todos os focos por aí. Eu tenho, por exemplo, um caso do Barrio [84], o Barrio... Tem várias questões que devem ser colocadas e estudadas. Eu acho que é uma boa coisa a se fazer.

FP: Mas que estratégias você, que dicas você daria…

Não tem estratégia, isso tudo é pesquisa

WZ: Não tem estratégia, isso tudo é pesquisa.  Precisamos levantar bem essas questões. Tem que ver os méritos das pessoas. As procedências. Eu estava lembrando o caso do Barrio, que ele pensa de uma maneira mais genérica. Ele acha que houve influências, se refere ao Hélio também, mas achando que a percepção dele não se confunde com a do Hélio, nem com da Arte Povera [85]. Ele acredita que tenha nele algo que surgiu da vivência, da experiência que ele viveu aqui chegando no Brasil. Que o levou até, já com 80 anos, uma ideologia que se formava quando era estudante da Escola Nacional de Belas Artes, usando todos os materiais mais rejeitáveis que você possa conhecer, do corpo humano, de trastes de tudo que é refugo do ser humano. Que é uma experiência muita imanente dele. Imanente talvez seja uma palavra um pouco perigosa para aplicar perto de quem estuda filosofia, não é? Às vezes as palavras... Hoje precisa de muito cuidado com as palavras. Qualquer palavra é dangereux. Perigosa. Periculosa. Curioso que ele usou também o vídeo. O vídeo, que é uma coisa tão sofisticada, a tecnologia. Ele simplesmente pegou um aparelho de televisão, colocou um pano em cima, um pouco transparente, tirou o som, apagou, tirou o som, deixou a imagem calada, numa crítica à televisão. O que é essa crítica? A crítica que, no tempo da ditadura - nem chegamos a falar sobre isso aqui- da ditadura militar no Brasil, essa ditadura favoreceu o quê? Favoreceu essa televisão que nós temos. Foi o princípio dessa televisão que nós temos até hoje. A TV Globo, que consumiu, que se apropriou, que comprou as demais, ela saiu do capital da Time-Life. Então, o pensamento dele, que a gente tem também, é que ele usou, ele saiu dos trastes dele para usar uma tecnologia. Ele era contra os usos que ele chamava de materiais preciosos, que só uma classe de artistas de mais poder econômico podia usar. E ele usava qualquer droga... Droga, não! Quer dizer, qualquer coisa que estivesse à mão para mostrar o pensamento dele.  Você pega o Paulo Bruscky [86]também, outros artistas que tem um pensamento já... Precisa conhecer muito bem o que foram esses vários movimentos dos anos 1960, onde se encaixa o Hélio e a Lygia e também outros artistas. O Hélio vivendo em Nova York no começo dos anos 1970, com todo aquele movimento que tinha. Ele tem a problemática local e ele a coloca também na problemática geral. Acho que são pontos que merecem, sempre mereceram cuidadosas pesquisas.

Precisa conhecer muito bem o que foram esses vários movimentos dos anos 1960, onde se encaixa o Hélio e a Lygia e também outros artistas.

Você quer estudar, por exemplo, a Bienal? Você quer estudar o MAC?  O MAC é complexo, também. Mas a Bienal. Para você levantar dois ou três anos de Bienal, por exemplo, a de 1961, 1969, 1971 e 1973. Você não imagina como é complicado para analisar essas fontes. Os arquivos, a correspondência que existe, a falta às vezes de documento que você necessita. Você quer saber datas? Muitas vezes não tem as datas. As fontes vivas... Eu fiquei um arquivo vivo ainda, né, ajuda, mas esqueço nomes. As coisas são muito complicadas.

 

Arte postal

FP: Como pensar hoje, numa perspectiva contemporânea, esses arquivos, esses acervos? Como lidar com eles? Ou até mesmo, mais especificamente, como organizar exposições de arte postal [87]?

Eu acho que a videoarte continua.

WZ: Hoje tem internet. Tem a web. Hoje estamos dentro do mundo digital, que está deixando para trás a videoarte. Eu acho que a videoarte continua. Não é mais aquele circuito fechado, o pequeno monitor. Porque muito era centrado na diferença de proporção do grande écran e do pequeno espaço de algumas polegadas. Hoje há instalações com enormes projeções. Há muito tempo, aliás. As coisas vão muito rápido.

havia uma rejeição institucional à arte e tecnologia.

A arte postal era algo que não se aceitava nos museus. Não entrava nos museus. Aliás, havia uma rejeição institucional à arte e tecnologia. Nos Estados Unidos ela foi um tanto retardatária. A grande exposição do Pontus Hultén foi em 1968. Aliás, a exposição dele era A Arte no Fim da Idade Mecânica [88]. Mas fizeram uma junção com Billy Klüver [89], que era um sujeito extraordinário da telefônica de Nova York, que agregou a exposição do Hultén às últimas pesquisas, que estavam já superando a mecânica...

FP: O seu interesse com isso surgiu quando? Com arte postal [90].

WZ: Aqui no Brasil havia pouca gente interessada. Um artista que eu recordo bem, que deu um certo início à arte postal, foi o Angelo de Aquino [91], que é um artista de Minas que vivia no Rio. Era pintor e fazia isso também. Tentou fazer, fez também videoarte. Eu devia ter um certo conhecimento, mas, é importante a referência ao Julio Plaza e à Regina Silveira. Ao Julio Plaza essencialmente porque o Julio, saindo da Espanha, tinha feito todo um circuito, inclusive em Paris. E ele lecionava em Puerto Rico. Era professor da universidade de lá. Em Puerto Rico, o Julio fez uma grande exposição de arte postal [92]. Essas ideias tiveram, aqui no Brasil, esses inícios. Nós juntamos esforços, fizemos uma exposição na Bienal de 1981. E antes disso houve duas outras mostras, Poéticas Visuais em 1977 e, em 1974, a chamada Prospectiva, com contribuições de artistas do mundo inteiro.

 

Zanini, um artista?

FP: A sua relação com a arte, às vezes parece que ela se apropria da própria maneira como o artista trabalha. E algumas pessoas já falaram que você é um artista. Como é que você vê isso?

Não há mais possibilidade de nenhum ramo do pensamento, acho, de formar o seu lócus, não é? Tudo transborda

WZ: Não... Meu tio é um artista. A gente não sabe nem se escolheu o caminho certo na vida. Não sei. Muitas vezes você pensa que podia fazer outra coisa. Me interessei por essa matéria, por essa área. Que, naquela época, era uma área muito específica, muito rigorosa, acho que também com uma soberba. Porque realmente era um mundo tão forte, o mundo artístico. Acho que esse mundo se transformou ultimamente. Se transformou bastante. Eu vivi um momento dessa grande integração com esse movimento da história da arte. Não há dúvida que ele continua, que ele prossegue. Hoje eu vejo os boletins que recebo. Tem sempre congressos, colóquios. Chegou aquele momento de uma interdisciplinaridade do pensamento. Não há mais possibilidade de nenhum ramo do pensamento, acho, de formar o seu lócus, não é? Tudo transborda. Você precisa de muita informação, a gente percebe isso. Quanta informação que a gente precisa! É claro que procurava-se ler. A Filosofia era impossível de se especializar. A própria Filosofia é uma convulsão, as correntes que surgiram naquela época, ou desde antes ou depois.

Mas o envolvimento sempre foi, para não usar essa expressão... multidimensional, do pensamento, das ideias.

Mas o envolvimento sempre foi um envolvimento, para não usar essa expressão... multidimensional, do pensamento, das ideias. Acho que havia muito rigor na História da Arte. As disciplinas eram profundamente específicas, muito aprofundadas, muito se esgotava... Podia assistir algumas aulas de literatura, ir ao anfiteatro ver... Falei agora há pouco de carga horária. Não se parava, não tinha dia para você... Você podia ir a um concerto, ao teatro, aqui ou acolá, mas estava sempre ligado com aquilo, pra fazer o seu trabalho na universidade, nesse contexto.

Era muito exigente. Por isso que quando eu vi aqui no Brasil essa história da arte entrar junto com a prática da arte, o artista tendo que fazer várias horas de História da Arte, o historiador, várias horas de gravura, de também entrar com o problema artesanal... Achava que pro historiador - eu tinha que ver da minha perspectiva - era muito insuficiente aqueles horários. Talvez depois melhorasse um pouco, com o tempo. Precisava acompanhar mais de perto agora como estão se resolvendo esses problemas. Porque entravam várias disciplinas. Na Europa era uma sistematização muito grande. Mas foi a oportunidade de conhecer, por exemplo, em Roma, o Palotino [93], que era um grande especialista de arte etrusca; o Bandinelli [94], que era um grande teórico, um dos grandes teóricos italianos; o Lionello Venturi [95]. Grandes nomes. Em Paris também... Enfim, vários professores que... Em Londres também, vários egressos que migraram da Alemanha. A Inglaterra ganhou muito com a evasão. A Alemanha, com a guerra, perdeu muito com todos aqueles grandes historiadores como o Panofsky [96] e, alguns depois deles, foram para os Estados Unidos. Artistas também. Arquitetos como Walter Gropius [97]. Acho que peguei um dos últimos momentos desse. A universidade depois. Houve as reformas de 1968. Faço isso por um outro momento histórico, acho.

FP: Os holandeses outro dia falaram: “Vocês não tem academia de arte”. E, no fundo, o nosso modelo aqui no Brasil de ensino sempre foi mais o da universidade. Academia de arte tinha aquele foco: seja na História da Arte, seja na pintura...

no meu tempo, era modernismo versus academismo

WZ: Eu nunca fui de academia porque, no meu tempo, era modernismo versus academismo, aqui em São Paulo. Mesmo as gerações atrás, acho que não podem perceber o quanto era divergente esse território que separava os artistas modernos dos artistas acadêmicos, que iam à Escola de Belas Artes. As Escolas de Belas Artes também foram se transformando. Elas perderam aquele lado antiquado que tinham.

FP: Começamos com uma pergunta que queremos retomar, que é a questão dessa curadoria dos primórdios... A sua. O que você fez no MAC, o que você fez na Bienal, hoje é tido como um modelo para a prática curatorial.

WZ: Mas todo modelo tem que procurar um modelo novo. Remodelar o modelo.

São “n” suportes, qualquer coisa é suporte. A informação tomou a dianteira diante da estética, da qualidade estética.

Eu acho que está seguindo um caminho que deve ter ligamentos com essa época, 1960 e 1970, que no meu modo de entender não se evaporou. Deve haver opiniões, até respeitáveis, com argumentos de que se vive já um outro século, inclusive, mas a questão também está muito ligada com o processo tecnológico na arte. Esse processo, como é que eu posso dizer, não é descartável. Você não pode mais voltar ao artesanato. Não há dúvida que ainda se pinta, não há dúvida que ainda se esculpe. Eu tenho vários amigos que continuam a fazer isso. Mas eu vejo na história essas mudanças que parecem hoje “não, elas não foram tão acentuadas, tão radicais”, mas, na verdade, houve pelo menos uma passagem drástica num certo momento nesses anos 1960. Porque você sai da pintura, passa a utilizar o corpo. São “n” suportes, qualquer coisa é suporte. A informação tomou a dianteira diante da estética, da qualidade estética. Interessava naqueles anos a importância da informação.

Porém, essa ideia [curadoria], isso que você estava falando, deve ser colocada nesse contexto da evolução da arte inextricavelmente ligada aos problemas tecnológicos de hoje

Transmitir resultados inovativos que eu não diria que seriam os do modernismo, progressismo com... Mas um lado positivo, digamos, de avanço, onde a tecnologia que não era muito bem considerada... Na Alemanha, quando o Gerry Schum [98] fazia os programas de televisão, o fato de ser algo televisivo, tecnológico, não era muito bem visto. Os Estados Unidos estavam um pouco atrasados em relação à Europa, eles estavam se recuperando no final desses anos, fins de 1960, 1970. Porém, essa ideia [curadoria], isso que você estava falando, deve ser colocada nesse contexto da evolução da arte inextricavelmente ligada aos problemas tecnológicos de hoje.

A arte é uma caixinha de surpresas. Quando nós estávamos no minimalismo, lá na metade da década de 1960, vocês já viram reproduções, lá no MAC tem uma ou outra obra, havia aqueles grandes volumes puros, geométricos, compartimentando espaços, ou isolados. E os guardas, os guardas não, mas os que tomam conta dos depósitos, não achavam mais espaços. Me lembro do Stedelijk Museum, lá de Amsterdã, para enfiar aquelas caixas, não tinha mais espaço... “Onde que vamos”.... Precisa construir um prédio só para por o minimalismo. E, de repente, a arte, como se fosse um balão, assim, shhhhh, virou só ideia! Embora o minimalismo tivesse trazido já injunções fortes para isso, a arte se... Os suportes, as mídias, desfizeram toda essa profusão de volumes do minimalismo.

mas é curioso como é surpreendente o desenvolvimento da mentalidade da arte

Estou exagerando nessa comparação, mas é curioso como é surpreendente o desenvolvimento da mentalidade da arte. É surpreendente em outros campos também, a gente está vendo hoje na medicina, em toda parte, na física, na química. O homem é um ser interessante.

FP: Engenhoso, estranho.

WZ: Variável. E eu não sei qual vai ser o futuro dele, se vai ser o mesmo destino dos dinossauros, que eram muito mais fortes, muito mais encorpados.

Martin: Eu sempre me lembro dessa frase, que eu acho que é do Regis Bonvicino, tá no ateliê da Regina Silveira, que “a vida é uma coisa estranha ao homem”. Ou é do Júlio Plaza? Não sei se é do Júlio, ou pode ser do Leminski...

WZ: A vida é uma coisa estranha ao homem? É, pode ser. Vocês têm mais alguma questão?

 

Essa é uma versão ampliada da que foi publicada na Revista Estudo Avançados93 em agosto de 2018, apoiada em quase 100 notas de fim de texto.

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