Relato crítico da palestra - Espaços da Memória
Encontro com Antoni Muntadas – "Espaços de Memória"
- Debatedor: Nelson Brissac
- Mediação: Martin Grossmann
Centro Cultural São Paulo – 15 de outubro de 2005
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Prédios abandonados, instituições que mudaram de atuação ao longo do tempo, marcas de antigos regimes políticos, registros físicos da história oficial: estes são alguns dos locais/suportes para os projetos de Antoni Muntadas, figura familiar no circuito de artes no Brasil desde a década de 1970, quando esteve no país a convite de Walter Zaninni, então diretor do MAC-USP.
Muntadas cria em seus trabalhos uma complexa rede de pessoas e instituições que ativam um modo de ver analítico e crítico das estruturas sociais e urbanas de grandes cidades. As grandes equipes locais que participam da realização de seus projetos são parte das estratégias do artista para construir dispositivos críticos com uma linguagem democrática.
Alguns dos trabalhos apresentados na palestra organizada pelo CCSP, Fórum Permanente e Agência Espanhola de Cooperação Internacional mostram claramente a inquietação do artista catalão em relação à memória. “Disaparicións” de 1996, instalada em Barcelona, no Convento Santa Mônica, é uma série de projeções de imagens e vídeos relacionados às diferentes ocupações sofridas pelo prédio, local que já abrigou o próprio convento, um centro anarquista, uma escola do regime franquista e hoje é sede de uma escola de artes.
Os trabalhos da série “On Translation” foram apresentados pelo artista como análises de fatos sociais traduzidos para a linguagem artística. Um desses trabalhos é “On Translation: La Alameda: El Mural”, de 2004. “La Alameda” é uma praça pública na Cidade do México que foi centro de movimentos sociais mexicanos registrados em um mural feito por Diego Rivera no interior de um hotel próximo à praça. O mural, que sobreviveu a um terremoto, esteve por anos escondido atrás de uma cortina. Muntadas então criou um segundo mural, composto por notícias de jornal que traçam a história de “La Alameda”. Por cima das notícias, Muntadas delineou as silhuetas das figuras do mural de Rivera. Assim como em ‘La Alameda’, os outros trabalhos da série “On Translation” abordam a situação social, cultural e política inerente ao local onde são instalados.
O artista também citou sua participação no ArteCidade, projeto com curadoria de Nelson Brissac. No ArteCidade4, Muntadas apresentou “Comemorações Urbanas”, placas de bronze que mimetizam os marcos de inauguração oficial de “obras públicas” político-partidárias. Esse trabalho foi também concretizado em fotografias impressas em cartões postais e em uma instalação no SESC Belenzinho, suportes que celebram a reinauguração de construções na Zona Leste como marcos da decadência urbanística de São Paulo. As placas de “Comemorações Urbanas”, instaladas em locais como o Minhocão, o camelódromo do Brás e a COHAB Cidade Tiradentes, marcam decisões urbanísticas que derivaram na degradação, desuso e precariedade social do entorno.
Nelson Brissac e Martin Grossmann
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Nelson Brissac iniciou sua fala construindo uma analogia entre a ação em rede de Antoni Muntadas para a crítica urbana e a atuação em rede do Fórum Permanente na construção da crítica e reflexão sobre o sistema das artes. Brissac enfatizou a sincronia do trabalho de Muntadas com a dinâmica social das metrópoles. Para o curador do ArteCidade, Muntadas propõe estratégias de leitura dos lugares, verdadeiras interpretações ou “translations”, jogos de mutação de sentidos. Muntadas, por outro lado, considera suas obras não como interpretações, mas sim artefatos passíveis de ativação: dispositivos, como bombas, que detonam a interpretação crítica.
A partir de questões feitas por Regina Silveira e Ana Maria Tavares, Muntadas enfatizou a importância de um prazo determinado para a vigência desses dispositivos. Para o artista, uma obra pública tem que ser temporária. “Trem Urbano”, de 2005, instalado em uma estação de metrô em S. Juan, Porto Rico, por exemplo, durará 10 anos. Essa definição precisa de duração facilitou a negociação para instalação de uma obra tão provocativa como essa série de fotografias de Jack Delano que Muntadas transformou em enormes painéis na estação Roosevelt de S. Juan.
Mônica Nador questionou o impacto dessa obra -- enigmática para quem não conhece os entrelaçamentos dos trilhos férreos com acontecimentos políticos e sociais da história de Porto Rico -- na população que utiliza os trens. Essa discussão sobre estratégias de comunicação de uma obra de arte e outros comentários da platéia conduziram Muntadas à apresentação do conceito de “Time-Specificity”, que ele vem desenvolvendo em paralelo à elaboração de seus projetos “site-specifics”.
Para Muntadas “uma pergunta é um ato de solidariedade”, aviso que incentivou o público presente no auditório do Centro Cultural S. Paulo a formar com o artista catalão e o debatedor Nelson Brissac uma rede de pensamento, participação e empenho crítico.
(por Viviane Sarraf)