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Diferentes olhares acerca dos museus comunitários

relato por Paula Marina Monteiro

Painel Ações cooperativas do I Encontro Paulista de Questões Indígenas e Museus


Neste momento do I Encontro Paulista de Questões Indígenas e Museus cada debatedor relatou suas experiências dando enfoque nas participações da comunidade no processo de curadoria, construção e/ou realização de exposições museológicas. Este foi o grande diferencial desta conversa em relação aos outros casos apresentados até então. Novas formas de concepção dos museus estão sendo construídas e a participação das comunidades fará toda a diferença nesta nova concepção.


Museus comunitários no território mexicano

Demián Ortiz relatou sua experiência com os museus comunitários no México, nos presenteando com inúmeras imagens destes museus. Sempre contextualizando os desafios de realização dos mesmos, na nova configuração da nação mexicana. Nesta concepção de museu, adotada pelas populações mexicanas, o museu comunitário é um importante meio de educação e comunicação entre as pessoas que visitam os museus, os povos locais e a própria comunidade que o organiza.

 

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Figura 1- Museo Comunitario Crónica y Arte Agropecuário de la Sierra Gorda. Foto do interior do Museu. http://www.museoscomunitarios.org/blog.php?id_blog=297

 

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Figura 2- Museo Comunitario Tetetzontlilco. Foto que mostra a participação do público em evento de tradições culinárias, organizado pelo Museu. http://www.museoscomunitarios.org/blog.php?id_blog=252

 

Exemplo disso é o Estado de Oaxaca, que tem 16 diferentes povos em sua população. Eles se organizam em assembleias para realização de suas curadorias. Todos os colaboradores são voluntários e seus cargos variam de 1 a 3 anos. As peças que compõem os museus são doadas pela população e organizadas pela mesma.

 

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Foto: Gerardo González Rul / Raíces

Figura 3- Conjunto de figurillas de estilo olmeca. Casa 16, San José el Mogote, Oaxaca, Cultura zapoteca. Preclásico. Museo Comunitario de San José el Mogote. http://www.arqueomex.com/S2N3nMUSEOS72.html

 

Este processo de construção coletiva mostra-se extremamente eficiente e diferenciado da maioria dos modelos que haviam sido apresentados no seminário até este momento. A idéia surge da comunidade, e os encaminhamentos necessários serão dados por ela. Isto fica claro nas fotos e relatos que podem ser vistas no site www.museoscomunitarios.org. Nota-se também que a estética proposta na arquitetura do museu, é a estética local. Muito diferenciada dos padrões que notamos na maioria dos museus brasileiros.

 

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Figura 4- Museo Comunitario Ñuu Kuiñi. (Pueblo de Tigre). 

A imagem é uma simulação de uma antiga casa de Santa María Cuquila. http://www.museoscomunitarios.org/blog.php?id_blog=277

 

Além desta mudança de paradigma estético, proposta pela população, o processo de criação e curadoria coletiva gera a autonomia e continuidade do projeto, que organizaram diferentes maneiras de estabelecer redes de intercâmbio entre os trabalhos dos museus comunitários. Outra atividade gerada por estas interações é a capacitação de pessoas a partir dos conhecimentos tradicionais expostos nos museus. Exemplo disto é o diálogo de diferentes experiências sobre as ervas medicinais expostas, gerando assim formação no tema para a população dos diferentes locais.

 

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Figura 5- Museo Comunitario HICUPA. História, Cultural e Paleontológico. Foto do Antropólogo Cuauhtemóc Camarena com as artesãs locais. http://www.museoscomunitarios.org/blog.php?id_blog=295

 

O caso destes museus nos leva a pensar sobre o processo educativo que está intrínseco na criação e curadorias, e que nem sempre é explorado. Quando andamos pelos museus, somos informados sobre o período em que as peças foram construídas, ou resgatadas. E geralmente isto é feito por um guia. Será que este guia e as informações disponibilizadas foram pensadas a partir do contexto local de cada caso, ou por um olhar externo que interpreta os fatos e os reproduz a partir de sua visão?

Acredito que os museus são espaços altamente educativos, e que, infelizmente, nem sempre são utilizados em sua total capacidade. A população de baixa renda não se sente comtemplada nesses espaços, que são historicamente organizados para a elite. O exemplo mexicano subverte esta lógica, colocando o enfoque do museu nas peças e linguagem do povo, para o povo, pelo povo.

 

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Figura 6- Foto tirada durante o V Encontro de Museus Comunitários da América, Trujillo, Venezuela, 2008. http://www.museoscomunitarios.org/lazos.php

 

A exposição Kiju Sakai

A experiência de trabalho realizada acerca da “Coleção Arqueológica Kiju Sakai” na cidade de Lins-SP foi realizada pelos japoneses nascidos e criados na cidade, juntamente com algumas arqueólogas da Universidade de São Paulo, no ano de 2002, em comemoração aos 100 anos da imigração japonesa.

A população que participou pode contribuir de diferentes formas para esta curadoria, pois já conheciam os objetos que seriam expostos posteriormente, muitos desses objetos, inclusive, foram doados pela população. O objeto que gerou mais discussões, segundo as arqueólogas, foi o monumento do Tori, que representa a separação do mundo material e espiritual.

 

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Foto: João Batista Shimoto

Figura 7- Monumento do Tori na cidade de Rio Claro-SP. http://www.panoramio.com/photo/25710074

 

Segundo as arqueólogas Louise Alfonso e Márcia Lika Hattori, houve uma reapropriação do museu pela população após esta curadoria. A partir deste momento a população começou a realizar visitas ao museu para acompanhar as reformas feitas na estrutura do mesmo e a população jovem japonesa olhou de forma positiva para sua cultura. Até a prefeitura da cidade modificou a visão que tinha da exposição. Devido ao grande número de visitantes, a prefeitura começou a olhar para a arqueologia como uma forma lucrativa e iniciou a construção de um museu na cidade.

 

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Figura 8- Prefeito de Lins-SP visitando as obras do Museu. http://www.lins.sp.gov.br/noticias/2012/Marco/visitaMuseu.htm

 

Dentre as peças de Sakai, também havia cerâmicas do povo indígena Kaingang, que povoaram aquela região. Este fato contribuiu para reunir mais agentes de intervenção na exposição. Um fato que suscitou grande reflexão para as arqueólogas consistiu em relatar o processo de construção da ferrovia na cidade de Lins. Para os moradores de Lins, este período foi maravilhoso, pois gerou renda e empregos em toda a região. Em contraponto a este pensamento, ao mesmo tempo, o mesmo fato, significou uma grande desgraça para os indígenas Kaingang, que viviam na região.

 

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Figura 9- Cartaz da divulgação da formação de monitores para a exposição. Em destaque, na foto, a cerâmica Kaingang. http://www.salesianolins.br/ver_noticia.php?id=259

 

Neste momento um dilema é colocado. Como relatar o mesmo fato, sob pontos de vistas completamente antagônicos? Longe de saber a resposta, acredito que o debate acerca desta interpretação deve gerar inúmeros relatos, de ambos os lados, e quiçá algumas mudanças de pensamento, tanto dos Linenses, dos Kaingang e das arqueólogas. Por este motivo, reitero que o processo de construção coletiva sempre será educativo.

 

Os Asurini do Xingu e os Xikrin-Kayapó no MAE-USP

A última experiência compartilhada foi a curadoria conjunta realizada pela professora Fabíola Andréa Silva com os indígenas do povo Xikrin-Kayapó, do Pará. A coleção dos artefatos indígenas do povo Xikrin-Kayapó havia sido doada para Fabíola sob a advertência/condição de que fosse realizada uma pesquisa acerca do material. Por este motivo, a pesquisadora iniciou o processo de reconhecimento dos materiais junto com os parentes das pessoas que os haviam produzido.

Podemos afirmar neste caso que houve uma relação de mão dupla na curadoria. Os indígenas davam palpites na forma como a curadoria era realizada e puderam subverter vários processos que julgavam inadequados. Exemplo disto foi a forma de manuseio das peças. Os Xikrin-Kayapó pegavam nos objetos, consertavam e descartavam aqueles que estavam feios, ou faltando peças. Também realizaram consertos em vários deles, pois não admitiam que estivesse faltando qualquer coisa, penas, por exemplo, em qualquer objeto. Havia objetos sagrados, e um desses objetos os indígenas se recusaram a tocar, tamanho poder que havia naquele objeto. A pesquisadora reiterou que os indígenas conceberam uma nova práxis curatorial, e que este movimento emergiu como crítica ao pensamento arqueológico e a curadoria ocidental.

Uma característica importante de ser ressaltada é o fato de que vieram duas pessoas da aldeia para a curadoria. Um mais velho, já acostumado com estes processos da cidade, e outro mais novo, para aprender com o mais velho estes processos, reproduzindo assim a forma de transmissão do conhecimento que é realizada entre os povos indígenas: dos mais velhos para os mais novos e através da experiência prática e participativa.

 

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Figura 10- Artesanato Xikrin-Kayapó.

http://nuvemsobreoatlantico.blogspot.com.br/2008/06/memorial-exibe-obras-indgenas-do-acervo.html

 

A outra experiência descrita pela pesquisadora foi com o povo Asurini [1]¹. Desta vez os indígenas pediram para ela que os auxiliasse a reencontrar a localização de antigas aldeias em suas terras. Nesta ocasião a experiência colaborativa deu-se no espaço de grande intimidade da população.

A pesquisadora realizou a busca por 12 dias, acompanhada por 55 pessoas, dentre elas crianças, mulheres, homens e anciãos. A busca pelas aldeias teve resultado positivo e todo lugar que era reencontrado, tinha sua história reconstruída a partir das narrativas orais das pessoas.

Cada objeto encontrado pelos indígenas era rapidamente reconhecido e contextualizado. Para nós, não indígenas, muitas vezes caracterizar um objeto é algo simples e rápido. Para os indígenas nem sempre é assim. Um único objeto pode ter inúmeros significados. Ele pode trazer consigo uma gama de significados ocultos e espirituais, que a olho nu, jamais seria explicitado. É necessário que cada um deles seja contextualizado, e a pesquisadora foi enfática ao ressaltar: “Como as populações têm o poder de contextualizar as peças!”.

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Figura 11- Criança Asurini. http://blogdoiav.wordpress.com/2011/03/03/a-aldeia-e-os-curumins-por-alice-kohler/

 

Experiências como estas mostram o quão rico é o processo de aprendizagem dos pesquisadores com a população, que se propõe a realizar as curadorias compartilhadas, quanto das comunidades que se desafiam a recontar suas próprias histórias de vida, sendo essas alegres ou não. Podemos dizer que os objetos são plurisemânticos, dotados de diferentes valores, usos, histórias e significados. O relato da professora mostrou como a arqueologia e o conhecimento acadêmico podem sim estar aliados às necessidades da população em geral. E os museus também devem se movimentar no mesmo sentido.

As experiências relatadas trouxeram diferentes perspectivas de organização de museus. Diante das experiências ressaltadas o fato mais relevante foi a afirmação do potencial educativo dos museus, que muitas vezes não é explorado, e nesses casos pareceu ser mais explícito. Percebendo este caráter educativo devemos aprender a explorá-lo de forma colaborativa, não apenas em sua curadoria, mas também na forma como este acervo será utilizado, e seu diálogo com o público a partir disto. Sempre questiono a formação dos profissionais que trabalharão no museu. As peças falam por si só? E se o “guia” não souber explorar estes conhecimentos intrínsecos a cada peça, como faremos? Os curadores estão presentes em todas as apresentações das coleções?

Penso que as formações oferecidas aos “guias” devem ser realizadas também em conjunto, e mais, que sejam criadas formas de valorizar a comunidade, como apresentadores de suas próprias peças. Criando assim uma relação muito mais próxima com as peças. Se estou em um museu indígena, e é um indígena que me explica o significado de um objeto, com a riqueza de detalhes, que só ele poderia dar, com certeza a relação do expectador seria muito mais íntima e inesquecível. Trazê-los todo o tempo, ou contratá-los será tarefa muito difícil. Então por que não investir em vídeos explicativos, que o visitante pode acessar ao ver cada peça? Acredito ser algo muito ousado, mas não impossível, pois tecnologia para isso já existe.

 

Nota de rodapé

[1] Mito e arqueologia: a interpretação dos Asurini do Xingu sobre os vestígios arqueológicos encontrados no parque indígena Kuatinemu – Pará. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832002000200008