Relato da Mesa 3 de debates que integra o programa do 33º Panorama de Arte Brasileira do MAM.
Por Joana Barossi
O projeto curatorial do 33º Panorama de Arte Brasileira do MAM, teve a intenção de trazer à tona uma discussão a respeito do lugar do museu como forma física e lugar conceitual. Para isso a curadora e mediadora da conversa deu palavra aos arquitetos, incentivando-os a que discutissem os espaço de arte hoje, e o paradigma entre desenho e a vivência dos espaço.
A participação de Philippe Rahm é, segundo a curadora, uma presença não convencional, pois mesmo que seu trabalho não estivesse fisicamente exposto na mostra, sua participação se daria por meio da troca de ideias – que não deixa de ser uma maneira de estar presente na exposição.
Rahm começa dizendo que se considera exclusivamente arquiteto, rechaçando a alcunha de artista. Diz que seu campo de trabalho é a arquitetura e os possíveis vínculos com a arte vem do questionamento e reinvenção desse campo, de suas ferramentas e linguagens. E agrega que se considera um arquiteto pós-crítico, termo cunhado por Hal Foster em um ensaio publicado na revista October. Como podemos ir além desse pensamento crítico que nasce nos anos 50? A noção de pós-crítica dá vasão à ideia de pluralidade, diferente do pensamento critico moderno de cidade planejada e organizada.
De acordo com o pensamento moderno, segundo Foucault, tudo passou a ser político, e houve uma perda dos instrumentos científicos. Os arquitetos estavam envolvidos numa narrativa das ciências humanas e da ficção, enquanto poderiam se voltar mais para os instrumentos científicos de que também são portadores; não mais no sentido unívoco da modernidade, mas da diversidade do pensamento crítico, ou pós-crítico. O saber critico, portanto, poderia conduzir a novas formas.
O seguinte ponto tratado foi a linguagem arquitetônica que, segundo o palestrante, seria a grande essência da arquitetura.
Rahm pergunta: qual a diferença entre arquitetura e escultura? E responde que a escultura, segundo a tradição, seria um volume, um sólido, cheio, matéria, ao passo que a arquitetura seria a penetração desse volume, dessa escultura. O objetivo da arquitetura, contrariamente ao da escultura, seria o vazio e como defini-lo. Na história da arquitetura, no entanto, trata-se sempre de cheios: colunas, fachadas, muros etc. Porém quando se constata, com o avanço tecnológico, que o vazio também é composto de muitos elementos além do ar – a pressão, diferentes gases, bactérias etc. –, o vazio que não era nada torna-se algo cheio de matéria. E é o dever da arquitetura ocupar e definir esse suposto vazio. O cheio, ou os elementos clássicos da arquitetura, devem dar forma ao ar, mas, principalmente, devem determinar o clima desse local com relação ao clima externo.
Rahm, então, argumenta sobre suas operações arquitetônicas que estão baseadas em vetores imateriais tais como radiação, evaporação, pressão, digestão, condução e convecção. Seu principal argumento para elucidar sua prática é que a indústria da construção, e a queima de combustíveis para aquecer e resfriar ambientes, é uma das principais responsáveis pelo aquecimento global. Justifica que o desenvolvimento sustentável prevê diversas etapas cujo objetivo é reduzir a emissão de gás carbônico, mas para Philippe a arquitetura deveria ir além disso e pensar o clima como uma nova linguagem arquitetônica: a arquitetura deveria trabalhar as dimensões imateriais e sensoriais, usar o calor, o vapor ou a luz como tijolos. Propõe um deslizamento do sólido em direção ao vazio, do visível para o invisível, de uma composição métrica, de escala, para uma composição térmica, de temperatura. Sua arquitetura trataria de explorar o potencial atmosférico.
Para Rahm, com as múltiplas ferramentas que hoje os arquitetos têm a sua disposição, seria possível uma mudança de paradigma; trabalhar com a própria atmosfera e não com aquilo que faz borda com ela. Esses seriam os novos sujeitos da arquitetura e os verbos que antes eram adicionar, multiplicar, padronizar, hoje poderíamos ser substituídos por verbos tais como convergir, evaporar, conduzir, irradiar. Segundo Rahm, não é uma construção metafórica, trata-se de ações físicas. Esses seriam os novos elementos da arquitetura.
Na prática de sua oficina, Rahm trabalha com softwares desenvolvidos especialmente para seus projetos, que fornecem elementos gráficos que ajudam na tomada de decisão, na disposição do programa. Enquanto na modernidade a forma supostamente seguia a função, para Rahm, ou para um arquiteto pós-crítico, a forma e função seguiriam o clima, com o objetivo de um maior aproveitamento atmosférico. Baseado em dados de variações térmicas fornecidos pelos softwares, o arquiteto desenha a atmosfera, as temperaturas dos espaços e dispõe assim o programa. Há uma reavaliação das tipologias proposta pelos modernos.
Rahm defende que hoje assistimos a uma volta do pensamento técnico, sem a ingenuidade da modernidade, com um viés crítico, sempre na via do desenvolvimento sustentável, tendo em vista o aquecimento global, os gases de efeito estufa etc.
O objetivo central seria imergir nessas problemáticas e, ao mesmo tempo, ser crítico. Esta dubiedade entre o fazer e o pensar talvez seja uma condição permanente, sempre presente na crônica arquitetônica. Contudo, o que pesa de fato nesta balança são os cenários políticos e ideológicos de cada tempo. Existe na fala de Rahm uma provocação pertinente a respeito da atuação gananciosa do arquiteto moderno, que segundo ele, usa o social como álibi técnico para o controle e homogeneização. No entanto, segundo o próprio Hal Foster, a condição pós-crítica, que deveria nos libertar de nossa estreiteza histórica, teórica e política, nos levou na maioria das vezes à atuações que favoreceram um relativismo que tem pouco a ver com o pluralismo.