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Quilombos: Re(existências) do povo negro – Relato do Seminário “Quilombos e Campesinato Negro no Brasil” | por Claudia Rosalina Adão

Por: Claudia Rosalina Adão

O Seminário “Quilombos e Campesinato Negro no Brasil” fez parte do curso do mesmo nome e foi a atividade inaugural do Centro de Formação do Museu Afro Brasil.

O curso foi organizado em três encontros, o seminário foi o último e contou com uma mesa redonda composta por Flávio Gomes, professor e pesquisador da UFRJ, Andrea Mendes, representante da Comunidade IBAÔ de Campinas e Dener Hector de França Morato, representante do Quilombo São Pedro/ Vale do Ribeira.

Os diálogos da mesa trataram da permanência dos quilombos no pós-abolição a partir dos relatos dos representantes das comunidades acerca de suas respectivas realidades.

“Por menos que conte a história Não te esqueço meu povo, se Palmares não vive mais faremos Palmares de novo” [1]

O quilombo, assim como o terreiro, os quintais, o samba, as irmandades negras e a capoeira são alguns exemplos de tecnologias sociais negras no campo das estratégias de resistência e existência.

O quilombo como afirma o Professor Flávio é originário do campo negro, sendo este o espaço do não isolamento e está na origem da agricultura popular e das reformas camponesas negras.

Falas e atuações entrelaçadas

Andrea da Comunidade IBAÔ – Instituto Baobá de Cultura e Arte, falou do seu lugar de mulher negra, habitante da cidade de Campinas, marcada pela segregação racial e urbana e com o histórico de ter sido a cidade mais cruel na tratativa com os escravizados e a última a abolir a escravização.

A atuação da Comunidade IBAÔ, Ponto de Memória e Cultura, atua no campo das vivências, pesquisas e criação de práticas que semeiam a continuidade do Patrimônio Cultural de Matriz Africana e se propõe a criar, cultivar e multiplicar semeaduras em rede, por meio de parcerias com outras comunidades, grupos, projetos e instituições que compartilham da diversidade cultural. O Museu Afro Brasil e as contribuições teóricas do Prof. Flávio também compõe essa rede.

Andrea disse que o Quilombo está além do espaço que aglomera pessoas, ele potencializa tecnologias sociais, espaços e forma pessoas. É também uma maneira preservar o que foi ensinado pelos ancestrais.

“Sou Dener, sou quilombola”

Denner se coloca como um quilombola que vive há 4 anos na cidade de São Paulo, veio para estudar Contabilidade na Universidade após ser contemplado com uma bolsa de estudos pelo Educafro[2]. Dener trata do quilombo como território carregado de ancestralidade e memórias das práticas, as árvores, os animais, o território que muitas vezes é o seu próprio corpo.

“Sai pensando só em mim, mas vi que é mais do que isso, uni conhecimento técnico e tradicional” – Dener

É o quilombo como território lugar e território corpo, que se organiza em cooperativas para a produção de palmito pupunha e banana, que luta contra a construção de uma barragem e que valoriza a troca de saberes entre os mais velhos e os mais jovens.

Crítica a imagem do quilombo como espaço de isolamento

O historiador Flávio   descende de uma família de escravizados dos Monges Beneditinos do Campo dos Goytacazes e estuda quilombos desde a graduação, teve contato com quilombolas quando foi dar aula na Universidade Federal do Pará.

Flávio critica a imagem do quilombo como espaço de isolamento, enfatiza que conhecemos os quilombos pelo olhar dos que queriam destruí-lo e trata da importância de se atentar as possibilidades de recriações de território.

O entrelace das falas, que tiveram diversos pontos de contato, foram na direção de compreender que durante a escravização, no período do pós-abolição e atualmente, a população negra e pobre vem criando estratégias de resistência em seus territórios.

O Brasil recebeu 40% dos africanos que trazidos compulsoriamente para as Américas, onde houve escravidão, houve escravizados fugidos e a organizações destes em mocambos e quilombos.

Os campos e as cidades brasileiras marcadas pela segregação racial na qual as áreas de moradia da população pobre, negra e excluída localizam-se nas periferias, assemelham a senzalas contemporâneas com precária infraestrutura, falta de mobilidade, homicídios e escassez de equipamentos públicos.

No entanto esses espaços ignorados são capazes de produzir resistências, potencialidades no sentido de construir processos mais humanos, sustentáveis com participação social. Resistências que tem como protagonistas diversos atores sociais, coletivos artísticos, movimentos negros, feministas, comunitários, quilombolas. As vivências das comunidade do IBAÔ, do Quilombo de São Pedro, dos estudos do Professor Flávio se encaixam nesse lugar de resistência e de outras formas de existência.

“Por menos que conte a história , não te esqueço meu povo, se Palmares não vive mais faremos Palmares de novo”. (Trecho do poema Quilombos para Abdias e Lélia Gonzalez.

 


[1] QUILOMBOS Para Abdias do Nascimento e Lélia Gonzalez de José Carlos Limeira citado por Andrea Mendes na finalização de sua fala no Seminário.

[2] A Educafro promove uma rede de núcleos pré-vestibulares com o   objetivo de promover a inclusão de negros, em especial, e pobres em geral, nas universidades públicas, prioritariamente, ou em uma universidade particular com bolsa de estudos, com a finalidade de possibilitar empoeiramento e mobilidade social para população pobre e afro-brasileira.