Relações de Tradução ao Sul
RELATORIA: 23a Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus
Apresentação: O estado da arte dos museus & Mesa redonda I: Plano de emergência
Relator: Carlos Guzmán
1. Apresentação: O estado da arte dos museus
A apresentação da 23a Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus foi feita por Carlos Roberto Ferreira Brandão presidente do comitê organizador do evento, no Auditório da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Ferreira falou das idéias principais do encontro, dentre as quais a necessidade de uma reunião entre os países membros da organização do sul geopolítico. O motivo principal foi o reconhecimento de problemas compartilhados no hemisfério sul e as relações institucionais dos membros do ICOM na região: as relações do ‘Sul’ com o ‘Sul’. Além disso foi mencionada a necessidade de estreitar relações profissionais entre os participantes.
Fez-se ênfase na idéia de que o encontro apresentava uma oportunidade para discutir temas relativos ao sul, entendendo-se o ‘Sul’ como conceito geopolítico e não geográfico. Desde o inicio buscou-se conversar com colegas e tentou-se levantar assuntos de interesse de algumas comunidades que foram representadas pelas instituições.
No encontro ICOM estiveram registrados cento e nove participantes. Os países africanos tiveram representantes da Argélia, Botsuana, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Ganha, Islãs Mauricio, Moçambique, Nigéria, Quênia, Tanzânia, Chade, Senegal e Zâmbia. Da America Latina compareceram membros da Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Republica Dominicana e Venezuela. O encontro contou com presença de representantes da Nova Zelândia e as Filipinas, todos membros da ‘Aliança regional do ICOM para comitês nacionais da Ásia e Pacifico’. O evento não alcançou o apoio suficiente para trazer aos países de língua portuguesa mas teve a presença de alguns membros do Portugal.
O presidente do ICOM falou da necessidade de preparar os museus para o presente e visando o futuro. Os museus tem mudado sua concepção, originária do século XIX, e o público é quem estabelece como um museu deve atuar. A idéia finalmente é preparar os museus para os novos públicos.
Marcelo Araújo, Secretário de Cultura do Estado de São Paulo disse que a maior riqueza do Brasil é o multiculturalismo e defendeu a proposta de gerar novos padrões de conservação para o ‘Sul’. A maioria desses modelos tem sido feitos pelo hemisfério norte ao longo da história. Nesta época é necessário compreender as realidades do hemisfério sul, realidades compartilhadas pelos participantes do encontro.
Entre os assuntos para discutir no ICOM o moderador Ferreira Brandão, mencionou os seguintes:
1. Identificação de assuntos de emergência:
Precisa-se identificar quais são os assuntos de emergência na região. Ferreira falou da importância de conhecer as diferenças culturais que fazem que cada pais tenha seu próprio sistema para combater as emergências. Deu um exemplo no caso dos Bombeiros do Chile onde a corpo não faz parte da policia como acontece no Brasil. No território austral os bombeiros são voluntários civis.
2. Transformação da museografia:
Ferreira apontou o caso da África onde tem muitos museus construídos em épocas coloniais. A idéia neste sentido é retirar o espírito colonialista da instituição para apresentar uma novo Museu que tenha consonância com as sociedades atuais.
3. Museus como ferramentas educacionais:
É preciso reconhecer o papel dos museus como instrumentos de educação das comunidades. Neste sentido entende–se que a relação do museu com a geografia sociopolítica é direta.
2. Mesa redonda I: Plano de emergência
A primeira mesa redonda teve como princípio a apresentação e discussão sobre temas relativos aos planos de emergência nos museus do ‘Sul’.
A Mediadora Beatriz Espinoza do ICOM Chile, deu a palavra a Rosaria Ono da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. A apresentação feita por Ono ajudou a identificar os principais riscos que têm os museus. Neste sentido apresentou casos de terremotos, incêndios, inundações, vandalismo, manifestações e furtos. Entre os exemplos destacou-se o caso do incêndio no Instituto Butantã onde desapareceu uma coleção insubstituível de 100.000 exemplares de serpentes, a maior coleção do mundo. Um plano de emergência num museu tem que dirigir-se à prevenção, mas também à prontidão e à resposta mesmo que à recuperação, ilustrou Rosaria Ono.
Seguiu-se a intervenção da Alessandra Labate Rosso, representante do ‘Escudo Azul’ no Brasil.
A entidade foi criada em 1996 com o fim de proteger os bens culturais da nação nos casos de conflito armado. Seu emblema representa o ‘Escudo Azul’ a partir de assinatura da ‘Convenção da Haia’ em 1954. Entre seus objetivos Alessandra Labate falou de encorajar a salvaguarda, promover a prevenção de riscos e formar especialistas no campo da conservação do patrimônio cultural dos estados. Entre as atividades do ‘Escudo Azul’ em São Paulo encontra-se a elaboração do Regimento Interno, o desenvolvimento de banco de dados dos voluntários, a criação do site da associação e à aproximação com a corporação do corpo de bombeiros. Finalmente, foram apresentados conceitos sobre a segurança e planos de emergência nos museus. Entre as principais causas de emergência pode-se nomear os casos de inundações ou fogo mesmo que as pragas biológicas. O caso das pragas representa uma circunstância especial no Brasil já que este fator somente acontece em regiões com certas qualidades na geografia.
A mesa redonda terminou ao meio dia e deu lugar a primeira Plenária do encontro.
3. Plenária I
A plenária teve múltiplas intervenções dos assistentes no Auditório da Pinacoteca. Neste ponto, como assistente e relator desta primeira parte do encontro, apresento a minha opinião, que deve acompanhar o relato dos comentários dos participantes.
No início da plenária um representante da Zâmbia tomou o microfone para dar uma opinião geral sobre o encontro. Ele disse que no momento os participantes não tinham tido a possibilidade de compartilhar suas próprias experiências no seus países, pela diferença idiomática. Propôs com urgência a necessidade de fazer conexões profissionais entre os assistentes da África e América do Sul. Como relator achei nessa opinião um assunto de suma importância. Nesse momento transcrevia o relato do participante que tentava falar em inglês. Evidentemente a maioria dos assistentes da África só podiam-se comunicar em francês. De minha parte, fazia a tradução para o português que não é minha língua nativa. Sou colombiano e a língua que aprendi de menino é o espanhol. Era nesse sentido, um exercício de tradução extraordinariamente complexo que se faz sentir ao longo deste relato.
Por outro lado o tempo tudo esteve sentado ao lado da cabina onde encontravam-se as tradutoras do evento. Elas tentavam com muita paciência, traduzir o sotaque dos africanos, que tem um jeito especifico na fala do inglês. Aquele dado foi comentado pelas tradutoras, numa conversação informal ao final da plenária. Ali entende-se a complexidade que apresentou o evento, na tentativa de reunir num ponto só as diferenças culturais que envolvem-se nos territórios.
Segundo o Ministério da Cultura da Colômbia, no país falam-se, além do espanhol, sessenta e cinco línguas indígenas e duas línguas “criollas” (regionais) faladas pela comunidade de ‘São Basílio de Palenque’ e as comunidades das islãs de ‘São Andrés e Providencia’[1]. Além disso a Constituição Política do pais, no artigo dez apresenta todas as línguas indígenas e das pequenas comunidades, como línguas oficias ao lado do espanhol.
Acho importante fazer um paralelo entre a situação política do meu país, e o objetivo principal da 23a Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus. Neste sentido o encontro apresentou uma posição interessante no reconhecimento dos lugares comuns no meio das diferenças culturais dos países do ‘Sul’ geopolítico. A Constituição Política da Colômbia assinada no ano 1991, juntou à sociedade a uma realidade mais próxima a natureza social e cultural do território. Alem disso foi escrita por todos os membros que ao longo dos séculos XIX e XX tinham sido esquecidos pela oficialidade. Representou um passo importante a confluência de setores de direita e esquerda, a elite política tradicional alem dos setores sociais e as pequenas comunidades indigências, negras e das islãs do caribe. O grupo guerrilheiro M-19, que tinha acordado a paz com o governo, teve uma importante representatividade na comissão que deu forma as novas leis e direitos dos cidadãos colombianos. Mesmo assim, no projeto da constituição da republica ficaram fora outros grupos de esquerda. De maneira não oficial muitos foram perseguidos ao longo da década dos oitenta e noventa pelos grupos de extrema direita. A ‘União Patriótica’, um partido político de esquerda, foi completamente apagado do mapa político já que a maioria dos membros foram assassinados. Em suma foram aproximadamente três mil pessoas que faziam política desde a legalidade os que perderam a vida nessa guerra ideológica. Este assunto juntado aos monopólios empresariais, à intervenção estrangeira dos Estados Unidos, à existência da guerrilha mas antiga do mundo, o negocio do narcotráfico, as máfias onde políticos e empresários juntam-se para se enriquecer num conflito pela terra, fazem muito difícil a convivência das comunidades. As amplas diferenças e a impossibilidade de um diálogo pacífico no reconhecimento dos pontos que se tem em comum, fazem que a Colômbia tenha um conflito armado de mais de cinqüenta anos.
Como relator do evento, achei muito importantes as intervenções finais dos assistentes. Todos coincidiram na necessidade de discutir abertamente os problemas que cada museu apresenta em sua localidade. Sem importar as diferenças do idioma, do território e da cultura, o encontro reconheceu que o ‘Sul’ é um território em se mesmo e propus uma política no simples fato de reunir as diferenças. Como relator colombiano, num evento internacional no Brasil, sinto-me muito próximo as implicações que tem a política nos territórios. Minha história pessoal, que é a historia coletiva de um pais tudo, me ensinou a dar valor as tentativas que fazem as pessoas quando juntam-se numa coletividade.
O projeto da 23a Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus é um exercício de tradução cultural, que apresenta um projeto político, que por sua vez ajuda a pensar a idéia que temos do nosso ‘Sul’. As relações do ‘Sul’ com o ‘Sul’ parecem-se um tanto com as relações entre meus dedos no teclado e a tela do computador. São próximas ao exercício da escrita. Já as relações geopolíticas se aproximam da tradução que eu tentei fazer ao longo deste texto.
[1] Ministério da Cultura. Republica da Colômbia. Pesquisa 26 de agosto de 2013. http://www.mincultura.gov.co/?idcategoria=5114