Museu: um convite para o encantamento e a motivação
Fala de Jorge Wagensberg na conferência “O Museu Observatório: um novo conceito baseado no gozo intelectual”, 14 de agosto de 2013.
O professor Jorge Wagensberg, da Universidade de Barcelona, e diretor científico do Museu da Ciência da Fundação “la Caixa”, apresentou o conceito de Museologia Total e as possibilidades que essa linguagem apresenta para os diferentes museus, com destaque para os museus-observatório.
A ciência é a forma de conhecimento que mais tem influência da vida do cidadão contemporâneo. Entretanto há um grande distanciamento entre aqueles que produzem o conhecimento científico e o público leigo. Para Wagensberg, os museus de ciências devem ser espaços que promovam nos visitantes o prazer intelectual pelo conhecimento científico, o método científico e a opinião sobre a ciência.
O prazer intelectual, que é a base da museologia total, pode ser alcançado por estímulos; por conversação e por compreensão. O prazer intelectual por estímulo acontece quando o museu provoca nas pessoas a vontade compreender algo. Para que isso aconteça, os museus devem se esforçar para causar uma diferença entre o antes e o depois da visita: que o visitante saia do museu com mais perguntas do que quando chegou, que saia da indiferença para o desejo de aprender. Uma boa exposição, sob a óptica da museologia total, deve dar “sede de livros, filmes e conferências”. [1]
Grandes contradições são capazes de gerar estímulos. Um bom museu de ciências não deve preocupar-se apenas em apresentar os resultados da ciência, mas deve também exibir o seu processo de construção, o trabalho do cientista e tudo o que se passa até que tais resultados sejam “consolidados”. Espera-se assim ajudar a criar uma opinião crítica e consciente sobre a ciência e o método científico. Isso pode ser feito de diversas formas. Promover o encontro entre a sociedade e a comunidade científica é uma das abordagens que os museus atuais têm adotado.
Vemos relação entre o estímulo, do qual fala Wagensberg, e o conceito de motivação intrínseca, descrito por Tapia [2]. Considera-se uma pessoa intrinsecamente motivada quando ela se envolve em uma tarefa unicamente pelo prazer que aquela atividade supõe. A motivação intrínseca acontece quanto a proposta de trabalho vai ao encontro da satisfação das necessidades do sujeito, despertando sua atenção e promovendo, assim, seu envolvimento e engajamento mais efetivo na mesma.
Um estímulo bem sucedido deve ser capaz de provocar conversação, seja ela individual (reflexão) ou entre os visitantes. Sendo assim, uma boa forma de avaliar o êxito de um museu não deve se restringir a contabilizar número de visitantes, mas avaliar a capacidade que uma visita tem de gerar conversas. Uma pesquisa nessa direção que podemos citar foi desenvolvida na Hebrew University, em Jerusalém [3]. Para “medir” o envolvimento do público em uma visita guiada ao campus da universidade, pesquisadores observaram o comportamento dos visitantes e registraram atitudes consideradas indicadoras de engajamento, tais como: a frequência de conversas entre visitantes sobre os assuntos da visita e a quantidade de perguntas realizadas ao mediador.
Sendo assim, os espaços museográficos devem ser planejados de modo a favorecer a conversação, criando oportunidades de reflexão individual, espaços que permitam a conversa entre os visitantes e promovendo o diálogo entre cientistas e não especialistas.
Finalmente, para promover nos visitantes o prazer intelectual pela ciência, uma exposição deve provocar a interatividade mental que leve à uma compreensão da realidade. A observação é um estágio desse processo, pois a observação leva à reflexão e posteriormente à compreensão.
A ciência é produzida a partir de observações e questionamentos sobre a realidade, e não sobre representações da realidade. Por isso, Wagensberg acredita que fenômenos e objetos reais tenham enorme capacidade para provocar estímulos e promover o prazer intelectual pela ciência. Segundo esse raciocínio, as mesmas perguntas que motivam os cientistas a compreender a realidade, não só podem, como devem ser utilizadas pelos museus para emocionar e estimular seus públicos.
A linguagem museográfica baseia-se em três elementos essenciais: objeto, fenômeno e metáfora museográfica, que vem a ser uma forma de estabelecer o “diálogo” entre objetos-fenômenos-público. Wagensberg defende que os museus privilegiem objetos e fenômenos reais. Se os museus desejam que os visitantes levantem questões sobre o que está exposto, não é coerente que esses espaços apresentem somente belas reproduções. Estas possuem apenas uma parcela do conhecimento já produzido. É somente em relação aos objetos reais que ainda cabe uma investigação posterior, novas descobertas a serem feitas, tanto pelos cientistas, quanto pelos visitantes.
Na etapa final de sua Conferência, Wagensberg apresenta o conceito de Museu Observatório, a partir de quatro projetos: Museu do Bosque (Sant Celoni, Espanha); Teatro Museu da Antártida (Punta Arenas, Chile); a exposição “O Cerrado, uma janela para o planeta” (Brasília, Brasil) e o Museu do Tempo (Montevidéu, Uruguai). Ao introduzir a temática, Wagensberg faz uma dura crítica aos ecomuseus, referindo-se aos mesmos como “fotografias amareladas de coisas que não são vistas na realidade” e afirma que poucos deles são autênticos museus. Wagensberg parece propor, por meio de um novo conceito de museu, a superação dos problemas identificados na maior parte dos ecomuseus, tidos por ele como espaços em geral “desinteressantes, esteticamente desagradáveis, que possuem uma tendência a se configurarem em meros centros de informação acerca da história, geologia, fauna e flora de uma região em questão”. [4] O principal erro apontado consiste na recusa em se desenvolver uma linguagem própria do campo, optando pelo uso de outros modos de comunicação - textos, recursos multimídia, vídeos ou galerias de animais taxidermizados e dioramas, como os encontrados nos antiquados museus de historia natural. Ao contrário, os “museus de natureza” devem sensibilizar para a visita ao ambiente natural, apontar uma maneira particular de observar e buscar compreender a natureza, e tudo isso investindo na emoção para ampliar o prazer intelectual do visitante, com base em uma linguagem museográfica genuína - a museologia total. [4]
O desafio que se coloca, então, é o de conceber museus que sejam capazes de criar uma novidade social importante e que tanto estimulem o público que visita o ambiente natural a querer compreendê-lo e, assim, realizar uma visita ao museu, quanto despertem o desejo daquele que visitou o museu de ver, o que ali compreendeu, no ambiente natural. Esse movimento, afirma Wagensberg, poucos ecomuseus conseguem fazer.
Uma questão que Wagensberg coloca para a plateia é: Por que salvar uma única espécie animal. Em resposta, aponta três princípios que irão reger estes tipos de ecomuseus ou museus-observatório. O princípio ético, que parte do reconhecimento de que todo ser vivo é produto de 4,5 bilhões de anos de evolução do planeta e, nesse sentido, se uma espécie deixa de existir, não se pode mensurar quanto tempo tardaria a reaparecer. O estético, que considera que qualquer pedaço da natureza é belo, possui uma estética e uma harmonia interessante, algo que pode ser muito bem ser demonstrado em um museu dedicado à natureza. O econômico, considerando que a nossa alimentação vem da diversidade natural, assim como uma parcela significativa dos medicamentos que utilizamos, e que nela, possivelmente, reside a solução de problemas que no momento sequer conhecemos.
A partir deste momento, apresentando fragmentos dos projetos citados, Wagensberg passa a compartilhar com os ouvintes os resultados de sua busca por “tecer um tecido autêntico de emoções capaz de favorecer a harmonia entre os seres humanos e a natureza”. [4]
Ao apresentar o primeiro projeto em desenvolvimento, o Museu do Bosque, destaca a possibilidade dos visitantes verem a paisagem a partir de diferentes pontos de observação. Nesse espaço, o visitante poderá contemplar uma árvore desde as raízes até a copa, enquanto comumente só se pode ver a parte que está junto ao solo, mas não as raízes, ou que está abaixo. A ideia é, por meio da instalação de câmeras em diferentes pontos do bosque, promover a conexão dos visitantes com o que a princípio não poderia ser visto, como o instante em que alguns animais dali entram e saem de suas tocas para buscar alimento. Com a ajuda de tecnologia especial, serão indicados os lugares do bosque onde seria possível fazer tais observações.
Wagensberg alerta que as melhores ideias para os museus não se encontram nas enciclopédias, nem sequer nos papers científicos, pois os cientistas não publicam emoções. Os museólogos em busca de boas ideias devem conversar com os cientistas, convidá-los para comer e beber, até que “cantem” as boas emoções e, assim, se possa “tirar” dos cientistas as boas ideias que eles nem sequer sabem que são boas, do ponto de vista da museografia. Wagensberg revela a importância de se conhecer de perto tanto os cientistas, o trabalho que desenvolvem, bem como a paisagem ou ambiente a serem trabalhados pelo museu.
Foi em uma visita à Antártica que Wagensberg pode acompanhar o momento em que uma especialista em mamíferos marinhos introduziu um microfone na água, possibilitando que ele escutasse o “canto das baleias”. Esse é um tipo de interação a ser promovido pelo segundo projeto em desenvolvimento apresentado: o Museu da Antártica. Nele, os visitantes situados em um auditório poderão assistir, por meio de uma conexão on-line, a um verdadeiro “concerto das baleias”. Wagensberg relata que, ao ouvir o som emitido por uma baleia, a espécie será identificada, assim como o tipo de mensagem que ela está passando.
O terceiro projeto apresentado foi o da exposição que tem como tema a diversidade do Cerrado, ecossistema pouco valorizado, pois é compreendido pela maioria da população como uma caatinga, um deserto. Por meio de uma expedição feita ao Cerrado, na companhia de botânicos, Wagensberg diz ter encontrado uma ideia “museograficamente apaixonante”.
Na amazônia, onde há abundância de água e pouco solo, o fator limitante é a luz. Por isso as arvores crescem preferencialmente para cima e os ângulos que os ramos formam com o tronco são pequenos. Para aguentar a grande altura as raízes se espalham horizontalmente. No cerrado ocorre o contrário, como existe excesso de luz os ramos crescem horizontalmente. O que falta é a água e por isso as raízes aprofundam-se no solo. Os esquemas desses dois tipos de árvores são como imagens espelhadas horizontalmente. Assim, uma maneira do museu comparar a árvore do cerrado com a da amazônia seria dispondo “esqueletos” dessas árvores mortas de forma que, de tempos em tempos eles se invertessem horizontalmente.
O quarto projeto se refere ao Museu do Tempo, no qual será abordada, além do tempo, toda a evolução da vida na Terra. Neste momento, Wagensberg destaca a importância da abordagem de polêmicas científicas para despertar o interesse dos cidadãos para a ciência. Informa que um dos exemplares a serem expostos no referido museu é o esqueleto de um Megatherium, conhecido como Preguiça Gigante. Esta espécie já extinta, é comumente representada como um animal extremamente peludo. No entanto, Wagensberg propõe que se coloque em cheque essa “verdade científica” e que os visitantes, partindo das informações geradas pela ciência, possam refletir sobre a seguinte questão: O Megatherium era ou não peludo? Outra polêmica a ser trabalhada se refere à possível chegada do Homo sapiens à América há 27 mil anos. O assunto, diz Wagensberg, não será abordado em um museu de História ou Antropologia, ainda que o mesmo trate sobre o tema, pois os museólogos aguardam que os cientistas cheguem a um consenso para que aí possam apresentar aos visitantes de seus museus uma única teoria. Wagensberg defende que, independente de quantas forem as teorias existentes sobre um tema científico, todas elas devem ser abordadas pelo museu, de modo a favorecer a conversa e a formulação de ideias sobre o tema em questão por parte dos visitantes. Em suma, os visitantes devem ser tratados como seres maduros e capazes de formular suas hipóteses.
É exatamente esse o papel que melhor pode ser desempenhado pelos museus: o de provocar no público curiosidades, encantamentos, indignações, questionamentos, prazeres e outras emoções que favorecem um engajamento voluntário em processos educacionais voltados para a ampliação de seus horizontes culturais. Ou seja, acreditamos que uma importante contribuição dos museus consiste em buscar provocar a motivação intrínseca junto ao público visitante e, nesse contexto, consideramos que a realidade (objetos reais e fenômenos reais) desempenha um importante e insubstituível papel pedagógico. Sendo assim, concordamos que o “sucesso” das visitas ao museu consiste na sua capacidade de gerar motivação e reflexões que continuem além desse espaço.
Estudos revelam que a grande maioria dos professores que levam seus alunos a museus buscam estabelecer relações com os conteúdos curriculares. Contudo, consideram que uma visita ao museu é bem sucedida quando emociona os alunos, quando estes “se divertem e falam empolgados sobre a experiência no museu”, sendo a “aquisição de novos conhecimentos”, a “conexão entre o que viram no museu com o que estão aprendendo na escola” e a “motivação e interesse em aprender mais”, aspectos citados com menor frequência [5] [6]. Outros estudos realizados em museus brasileiros [7] sugerem que o público de visitação espontânea dos museus, de um modo geral, também considera o museu como espaço para alargar seus horizontes, satisfazer seus interesses pelos assuntos tratados nas exposições e divertir-se, mais do que um espaço de pesquisa ou de estudo.
Podemos afirmar que a conferência de Jorge Wagensberg contou com muitos dos ingredientes que o mesmo nos apresenta enquanto fundamentais para um bom museu. Apresentou uma discussão interessante, instigante, capaz de envolver a plateia, provocando o desejo de saber mais sobre ciência, museus e a linguagem museográfica.
Referências:
[1] Wagensberg, Jorge. Principios fundamentales de la museologia cientifica moderna. Revista Museos de México y del Mundo, n.1, p.14-19,
[2] Tapia, Jesús Alonso. A motivação na sala de aula. São Paulo: Loyola, 2001.
[3] Tsybulskaya, Dina ; Camhi, Jeff. Accessing and Incorporating Visitors' Entrance Narratives in Guided Museum Tours. Curator, v.52 n.1, p.81-100, 2009.
[4] Wagensberg, Jorge. The Museum-Observatory, a new idea. Disponível em: <<http://www.europeanmuseumacademy.eu/4/upload/museo_observatorio.pdf >>, acesso em 26/08/2013.
[5] Kisiel, James. Understanding Elementary Teacher Motivations for Science Fieldtrips. Science Education, v.89, n.6, p.936-955, 2005.
[6] Requeijo, Flávia; Costa, Andréa F.; Amorim, Amannda G.; Cazelli, Sibele. Conhecendo as expectativas dos professores em relação aos museus para promover a colaboração museu-escola. In: Encontro Internacional de Educação não Formal e Formação de Professores, Rio de Janeiro, 2012.
[7] Köptcke, Luciana S.; Cazelli, Sibele; Lima, José Matias de. Museus e seus visitantes: relatório de pesquisa perfil-opinião 2005. Brasília: Gráfica e Editora Brasil, 2009.
Para saber mais sobre a museologia total:
Mateos, Simone Biehler. Jorge Wagensberg: Na pele do cientista. Entrevista com Jorge Wagensberg à revista Pesquisa FAPESP, Edição 104 - Outubro de 2004. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2004/10/01/na-pele-do-cientista/ , acesso em 26/08/2013.
Wagensberg, Jorge. O museu "total", uma ferramenta para a mudança social. História,
Ciências, Saúde: Manguinhos. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, v.12, p.309-321, 2005.
Andréa Fernandes Costa (Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; Departamento de Estudos e Processos Museológicos da Escola de Museologia/Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO)
Flávia Requeijo (Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCTI)