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Memória e diversidade na reinterpretação das coleções

relato crítico por Ana Cunha

Relato sobre a sessão IV: “Coleta Contemporânea para reinterpretar coleções (pré-existentes)”, com Fiona Rankin-Smith, África do Sul: Victoria Phiri, Zâmbia; e Sylvie Dhaene, Bélgica, em 13/8/2012.

Talvez a plenária “Coleta Contemporânea para reinterpretar coleções (pré-existentes)”, por ter sido organizada pelo encontro de cinco comitês[1], tenha sido a que apresentou mais diversidade temática de iniciativas reunidas. Acompanhando essa diversidade, as falas da sessão IV trazem experiências distintas em suas coleções e públicos. São apresentadas as propostas de reinterpretações de coleções em três museus: o Wits Art Museum (WAM )[2], em Johanesburgo, África do Sul; o Museu Moto Moto, em Mbala, Zâmbia; e o The House of Alijn[3], em Gent, Bélgica.

Fiona Rankin-Smith, curadora de projetos especiais do WAM, relata que o museu está vinculado a Universidade de Wits e é uma das principais atrações turísticas de Johanesburgo. A curadora apresentou a proposta de exposição Hamba Ngezinyawo (Walking on Foot): The Worlds of Migrancy, 1800-2014, ainda em pesquisa e a ser inaugurada em junho de 2014. A ideia da curadoria passa pela integração entre duas das coleções do museu, de Arte Contemporânea da África e a de Arte Africana, esta iniciada em 1978. Pretende, através das coleções do museu, construir uma narrativa sobre a migração, com enfoque para os que transitaram a pé o caminho da área rural até as cidades, no período compreendido entre 1800 a 2014. Em sua apresentação exibiu diversos documentos, artefatos, fotos, obras, instalações que irão compor a exposição.

A curadora destacou dois aspectos principais norteadores do projeto museológico, o primeiro sobre a valorização multicultural, previamente anunciada no título da exposição em duas línguas (atualmente existem 11 línguas oficiais na África do Sul). O Segundo refere-se à multidisciplinaridade da proposta, por meio da abordagem da história e complexidade da migração na África do Sul. Na exposição serão abordados temas como a feição rural e o sentido da jornada, sua dificuldade por ter sido empreendida a pé e a relação dos objetos e artefatos para o trabalho na terra; o encontro das duas culturas, o urbano e o rural; a reflexão sobre as resultantes do afastamento de casa e inserção em uma cultura distinta; outras visões da jornada, que incluem o apartheid, os transportes públicos, os trabalhadores mineiros e modos de vida em geral desses migrantes e fatos históricos recentes, como exemplo o massacre de Marikana, ocorrido em 2012.

Victoria Phiri, diretora do Moto Moto Museum, apresentou o caso dos emblemas Mbusa. Moto Moto é um museu etnográfico e sua coleção de emblemas Mbusa foi iniciada pelo missionário canadense Padre J.J. Corbeil, em meados do século XX. Os Mbusa são emblemas simbólicos, utilizados na educação popular pelas sociedades tradicionais na parte norte da Zâmbia. Considerados sagrados, eram utilizados como ferramentas de auxilio no ensino de variados temas: economia, saúde, família, entre outros.

Em 1980, os emblemas não eram mais utilizados, grande parte estava em reserva técnica e as pessoas não sabiam mais o que significavam. Com a crise política na Zâmbia na década de 1990, o Departamento de pesquisa e de ensino do museu voltou-se para os emblemas e enxergou a oportunidade de desenvolver, junto com a comunidade local, um programa para reinterpretação da coleção. Foram convidadas pessoas mais velhas na comunidade que ainda lembravam-se das lições comunicadas pelos emblemas, em sua maioria mães e avós, para participar da pesquisa, sendo fundado o Moto Moto Museum Club. As lições envolvem música e dança, atividades nas escolas e universidades, encontros em igrejas e ambientes profissionais. Os temas desenvolvidos são diversos: educação sexual com principal enfoque em HIV / AIDS, família, solidariedade e arte, entre outros.

Sylvie Dhaene, diretora do The House of Alijn, expõe que o museu conta a história sobre a cultura da vida cotidiana e sua evolução no século 20. O Museu foi criado em 1928, e ao longo das décadas foi decrescendo sua visitação e interesse do público, apesar de sua estratégica localização no centro histórico da cidade de Gent. No ano de 2000, o museu decide transformar-se em um novo tipo de instituição, alinhado a uma sociedade intercultural e participativa, em busca da reconexão com a comunidade local e internacional. Como primeiro passo, ocorre a mudança em seu nome, de “Museu do Folclore” para “The House of Alijn”. Esta mudança simboliza um novo enfoque sobre a cultura popular onde se busca refletir sobre papel social do museu em uma sociedade onde diferentes culturas convivem lado a lado.

Dhaene, após mais de uma década de releitura da missão do museu, reafirma o compromisso e envolvimento com o público e o patrimônio cultural. O foco mantem-se sobre a reavaliação da coleção, mais em particular, em encontrar uma maneira de lidar com um conjunto folclórico que foi construído no passado com base em uma perspectiva contemporânea. Dessa forma, o visitante pode encontrar o elo entre o passado, o presente e o futuro, entre sua própria cultura e as alheias. As exposições são desenvolvidas em diferentes linguagens e mídias, dentro e fora das paredes do museu. A criatividade e a integração no tecido urbano são itens na agenda e a comunidade é convocada a contribuir com suas próprias memórias em diversas das ações promovidas pelo museu.

Percebe-se uma maior aproximação dos discursos entre Victoria Phiri e Sylvie Dhaene, que claramente caminham na reinterpretação das coleções dos museus Moto Moto e The House of Alijn pela construção de narrativas propiciadas pela memória social, por projetos intergeracionais e a criação de propostas com a participação da comunidade.

Pensar os diferentes desafios enfrentados pelos museus de Johanesburgo, Mbala e Gent é instigante, principalmente frente às particularidades entre suas culturas, coleções e contextos sociais. Pode-se afirmar que, em comum, permanece o desenvolvimento de propostas que visam à apropriação de coleções pelo público, que essas coleções voltem a adquirir significado para as suas comunidades e que constituam um patrimônio em processo, do qual nos falará Jorge Melguizo em sua conferência: “O patrimônio não é o que temos, mas o que é necessário construir".

Ana Cunha



[1] COMCOL – International Committee for Collecting; ICMAH - International Committee for Museums and Collections of Archaeology and History; ICME - International Committee for Museums and Collections of Ethnography; ICR - International Committee for Regional Museums; ICOM Coréia.

[2] Para mais informações sobre o museu acessar: http://www.wits.ac.za/wam/2826/

[3] Para mais informações sobre o museu acessar: http://www.huisvanalijn.be/info/house-alijn