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Focus on Collecting: Contemporary Collecting for Reinterpreting (Older) Collections - TERCEIRA PARTE

relato crítico por Daniela Labra

Tema do dia: ¨Focus on Collecting: Contemporary Collecting for Reinterpreting (Older) Collections¨.

Manhã, Parte II  New Considerations – Identity Building

Com: Karen Exell, Qatar; Ekaterina Teriukova, Russia; Irina Leifer, The Netherlands

 

A segunda parte do seminário aprofundou a linha iniciada anteriormente, onde foram abordadas estratégias curatoriais para ativar nas comunidades certo sentimento de pertencimento com relação às instituições, algumas das quais incentivam e contam com a própria participação ativa do público para a formação dos seus acervos. Neste segundo momento, no entanto, as falas pareceram se aprofundar ainda mais na relação entre a formação e exibição de coleções e os processos de construção de memória, afirmação de identidade e história de uma comunidade, como veremos a seguir.

 

Contemporary collecting in Quatar: reimagining identity in a new nation state

Um dos estudos de caso mais interessantes da manhã ficou por conta da Dra. Karen Exell, catedrática em Museum Studies da UCL Qatar. Ela ministra aulas sobre o desenvovimento de técnicas de cuidados e organização de coleções, métodos interpretativos e tecnologias digitais voltadas para o trabalho com acervos. Egiptóloga, suas pesquisas se debruçam sobre a recepção e percepção do Egito no Ocidente. Ela também investiga os museus e a criação de conhecimento relacionado à herança cultural e arqueologia, e o impacto destas instituições na identidade cultural local. No ICOM, Exell apresentou seu atual projeto de pesquisa, onde avalia o impacto causado nas identidades culturais locais e nas percepções externas sobre a herança cultural do Qatar, pelo rápido desenvolvimento de museus e espaços de preservação da memória Qatari.

Apresentando imagens da jovem e muito próspera Qatar, a pesquisadora analisa práticas de colecionismo locais, compreendendo que coleções podem ser amplas manifestações de determinadas condições culturais. Seu primeiro exemplo é o novo Museu Nacional do Qatar, com projeto mirabolante de Jean Nouvel, e previsão de inaugurar em 2016, cujo financiamento provém do Sheikh local quem, de acordo com Exell, dispensa anualmente cerca de 1bilhão de libras em obras de arte para formar a coleção da futura instituição. No acervo, em constituição com a ajuda de especialistas ocidentais, telas de Cezanne e outros impressionistas conviverão com a coleção de arte tradicional, de arqueologia e etnografia, provenientes do antigo Museu Nacional (1975-1995), que ficava em uma construção com características tradicionais dos povos do deserto.

No que a catedrática chama de ¨Colecionar a Nação¨, ela aponta como as narrativas do consumo global tem estimulado outros Sheiks a criarem coleções que reúnem artigos diversos, desde carros a tapeçaria, mobiliário e pintura tradicionais, a animais empalhados e retratos, entre outros. Segundo Exell, o colecionismo é uma prática altamente politizada no Qatar, onde 80% são estrangeiros, muitos dos quais são de famílias estabelecidas há várias gerações. Portanto, formar coleções relaciona-se com o desejo de afirmar a identidade transnacional de uma nação jovem, relativa à natureza cosmopolita da sociedade Qatari.

 

Objects Tell Stories: Recent History Memory and a Museum Collection

Embora esta apresentação trate do State Museum of the History of Religion, em São Petesburgo, a curadora Ekaterina Teriukova tratou da coleção mais forte da instituição, seu carro-chefe, que vem a ser um conjunto de 1265 objetos e documentos, antigos e modernos, relativos à memória da cultura judaica. Destes, muitos itens são os chamados Family Heirlooms: espécie de relíquias sagradas das famílias, os quais contém a memória dos antepassados de famílias que viveram na região ou que ainda vivem, sendo este o fio condutor da coleção e sua respectiva exposição permanente.

Além de reunir artefatos como jóias, documentos, fotografias, indumentárias, entre outros, devidamente catalogadas e expostas em tradicionais vitrines museológicas, a instituição, que se mostra bastante conservadora em suas práticas expositivas, faz contudo uso do método contemporâneo de colecionar relatos orais, como já foi visto em outros casos apresentados na primeira parte deste relato.  De acordo com Teriukova, os depoimentos de moradores da cidade ou de membros de famílias apresentadas no museu, ajudam a reconstituir uma ¨experiência do passado¨ ao visitante, transmitindo idéias sobre tradições e descendências ancestrais judaicas, que podem ajudar a mudar percepções equivocadas ou ignorantes do judaísmo - ao mesmo tempo em que se recupera a estória das centenas de famílias judias que ali se instalaram, algumas das quais desapareceram durante as guerras. A curadora e conservadora afirma por sua vez que o principal projeto deste museu é reconstruir uma herança cultural judaica, e infelizmente não deixou claro ao público quais os demais acervos significativos de outras culturas religiosas que o museu possui.

 

Museums in New Towns: identity, image and participatory culture

As ponências da manhã foram encerradas por Irina Leifer, curadora independente e coordenadora do mestrado em artes da Reinwardt Academie, em Amsterdam. Ela falou da sua experiência em museus regionais, como coordenadora de projetos entre a Holanda e países da  antiga União Soviética, relacionados à esfera da arte, cultura, herança cultural e trabalhos de museus em geral. Sua fala abordou metodologias para o desevolvimento e implementação de programas públicos e de material educativo para museus e instituições culturais.

Mostrando diferentes experiências em pequenos museus nos países baixos e no leste europeu, ela frisou a importância de se desenvolver um processo dialógico e uma aproximação participativa com o público visitante, para construir uma coleção capaz de contar a história de um determinado lugar. A curadora avaliou a importância de uma pequena instituição ser sustentável, compreendendo-a como algo que pertence à comunidade e que possa, desse modo, atrair jovens, crinaças e idosos em diversas atividades. Nesse sentido, ela apontou como eficaz a prática de colecionar objetos do cotidiano dessas pessoas, especialmente em cidades pequenas, nas quais os museus podem ser pensados para estarem sempre abertos às suas comunidades. Para Leifer, o museu pode ser visto como um espaço para atividades cooperativas que estimulam o saber criativo, capazes de gerar conhecimento e integração entre as pessoas.

 

 

3 de Agosto - Tarde

Sessão III: Estudo de Caso - Museum of Contemporary History (MUCH), Seul, Korea

Com: Kim, Shi-dug; Sung, Ha Kook e Kim, Seong-Jun (Coréia)

A primeira parte das ponências da tarde girou em torno do interessante caso do recente Museu de História Contemporânea da Coréia, inaugurado em Dezembro de 2012. O museu possui como tema a história coreana, iniciando seu recorte no final do século 19 - quando o país abriu seus portos para o mundo ocidental pela primeira vez - até os dias de hoje. Pela apresentação - e uma visita ao site da instituição,[1] fica claro que trata-se de uma iniciativa que integra um amplo projeto oficial de construção e afirmação identitária do país e sua população, uma vez que esta é uma nação muito jovem: uma ex-colônia japonesa cuja independência foi proclamada após a 2a Guerra.         Considerando a Coréia um expoente da indústria de tecnologia mundial, o museu procura oferecer aos seus visitantes uma experiência de conhecimento a partir de percursos narrativos históricos a serem percorridos pelos visitantes, mediados pelo que justamente tem sido a maior contribuição coreana ao mundo contemporâneo: sofisticados equipamentos e interfaces tecnológicas.

Esta apresentação se deu em três partes, sobre os respectivos temas: política de aquisição e formação de acervo, estratégias de abordagem do público, e a aplicação da tecnologia tanto como dispositivo expositivo como objeto das exposições, sendo a questão da tecnologia marcante em todas as falas.

 

Rethinking Definition of Acquisition and Collection in the Contemporary History Museum

A conservadora Shi-dug Kim explicou que o museu exibe cerca de 1.500 itens, entre fotografias, documentos históricos e objetos, que contam a história política, econômica, social e cultural da Coréia, distribuídos em um edifício de oito andares, anteriormente ocupado pelo Ministério da Cultura, Esporte e Turismo. A exposição principal e permanente se divide em quatro seções temáticas, que abarcam distintos períodos da história do país. São eles:  Dawn of the Nation (1876-1945), Establishing a basis (1945-1960),  National development (1961-1987), e Modernization (a partir de 1988 até hoje).  Para levar informação ao público, as exposições utilizam dispositivos de alta tecnologia, muitos deles táteis e interativos.

Dentre as peças expostas, encontram-se desde documentos relativos à independência, relíquias autografadas por líderes políticos e o primeiro modelo de rádio portátil Aistar, da década de 1950, até o primeiro carro coreano exportado no fim dos anos 1970, o Hunday Pony.  Como é de se esperar, a instituição procura ser uma voz oficial sobre a história coreana para seu povo, explorando ao máximo estratégias que despertem em seu público local orgulho, e nos visitantes estrangeiros admiração, sendo assim um misto de espaço de entretenimento e propaganda oficial soft.  O museu não possui espaço para exposição de arte e nem está formando um acervo nesse sentido.

 

The Exhibition of Contemporary History Collections and Visitors’ Interpretations.

A seguinte fala deu continuidade à primeira mostrando os fascinantes dispositivos high-tech aplicados como plataformas expositiva e explicativas. A ênfase foi dada mais uma vez nas ferramentas avançadas, e em como elas mediam positiviamente (na visão do museu) a experiência dos visitantes e dos curadores. Ainda que seja de fato muito excitante, o modelo adotado pela instituição asiática é diametralmente oposto ao dos museus europeus, onde o contato visual entre curadores e educadoras com o público ainda é a principal forma de integrar as pessoas e fazê-las se sentir parte do projeto institucional como um todo. O excesso de tecnologia infelizmente distancia o outro, mas no entanto é preciso considerar a cultura oriental e a história local, muito distinta dos nossos referenciais europeizados.  Não obstante, um dos pontos altos do museu é um enorme espaço de convivência instalado na cobertura do prédio, além de atividades para crianças e diversas facilidades para que as famílias possam visitar o local com bebês, jovens e idosos. A apresentação transmitiu a importância que se dá a certa opulência, fascínio tecnológico e conforto como elementos relevantes para atrair e envolver o visitante.

 

Exhibiting Scientific and Technological Artifacts in History Museums: A Case Study at the National Museum of Korean Contemporary History and South Korea.

A fala que encerrou este estudo de caso dedicou-se a refletir mais especificamente sobre o caráter tecnológico do museu, já que é este seu ponto alto e diferencial. De acordo com o curador de Ciencia e Tecnologia, que acompanha o desenvolvimento e a instalação de dispositivos e  equipamentos na instituição, é necessário compreender que na Coréia o setor tecnológico é um elemento importante no desenvolvimento cultural, identitáro e criativo da sociedade, uma vez que a história da tecnologização da indústria e dos serviços no país está interligado com o processo de democratização nacional. Um dos aspectos de instituições que priorizam o uso de ferramentas tecnológicas, de acordo com o curador, é fazer com que sejam enfocados mais os processos e os percursos do que resultados finais, tal como pode ser observado.

Embora o Museu de História Contemporânea da Coréia do Sul apresente sem dúvida um modelo de formato inovador ao utilizar recursos da indústria do entretenimento para expor conteúdos informativos e históricos, ficou patente a falta de reflexão acerca da própria definição do termo ¨história contemporânea¨.  Considerando que o seu dado mais contemporâneo é a ferramenta tecnológica, o museu e seus curadores parecem não problematizar neste momento a própria obsolescência programada de dispositivos tecnológicos e digitai, os quais, se por um lado exercem grande impacto nas sociedades, por outro possuem uma vida curta no cotidiano das pessoas: no máximo cinco anos. Questionado no ICOM sobre isso, o curador de C&T se limitou a responder que a noção de história contemporânea trabalhada pelo museu acompanha um recorte temporal iniciado em 1945, ano da independência do país, e que segue em aberto, admitindo que a ¨história contemporânea¨ é algo que permanece em transformação e desenvolvimento até hoje.

 

Daniela Labra

 


[1] http://www.much.go.kr/en/mainen.do