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Focus on Collecting: Contemporary Collecting for Reinterpreting (Older) Collections - PRIMEIRA PARTE

relato crítico por Daniela Labra

Manhã, Parte I - New futures for Old Collections – Community Involvement.

Com:  Marie-Paule Jungblut, Suíça;  Mille Gabriel, Dinamarca; Adriana Russi, Brasil;  Åsa Stenström, Suécia.

 

A primeira parte desta jornada intitulou-se New futures for Old Collections – Community Involvement, e trouxe distintas experiências curatoriais que discorreram sobre reordenamentos e disposições públicas de coleções públicas. Algumas das práticas curatoriais apresentadas em apenas 15 minutos, contam suas estratégias para envolver a comunidade na própria formação dos acervos. De modo geral todas as falas refletiram sobre como  a formação de coleções novas ou releituras das já existentes podem afetar processos de construção de memória, identidade e história de uma comunidade.

 

The social role of history museums today

A abertura dos trabalhos foi feita pela historiadora e curadora suíça Marie-Paule Jungblut, atual diretora do Museu Histórico de Basel, que focou sua fala na experiência vivida como vice-diretora do Museu de Histórico da Cidade de Luxemburgo, inaugurado em 1996. Sua fala apresentou as estratégias desenvolvidas para atrair o interesse dos habitantes de Luxembrugo, especialmente crianças em idade escolar e jovens, pela extensa coleção do museu, que por sua vez fica exposta em distintas salas, tanto de modo permanente como temporário, e ilustra os cerca de mil anos de história do Ducado de Luxembrugo. O museu trata da evolução da cidade, desde aspectos econômicos, políticos e até arquitetônicos, mas também possui espaço para a exibição de arte contemporânea.

O ponto alto, porém, é o programa de workshops que, sob o título de ¨Luxemburgo, uma Vila em Exposição¨, apresenta a coleção permanente aos visitantes, seguida de atividades complementares que, no caso dos mais jovens, é adequada ao programa escolar com o fim de aproximá-los do museu e sensibilizá-los, com o objetivo de criar nesse público novo um sentimento de pertencimento com relação ao que é mostrado e guardado na instituição. Nunca é demais observar, contudo, que este modelo só é possível ocorrer na Europa, especialmente em cidades pequenas, onde o sistema escolar geralmente é publico, e funciona em coordenação com as instituições culturais de modo programado e natural. Por outro lado, o museu também oferece oficinas que funcionam de modo extra-escolar, com o oferecimento de atividades em ateliers de manualidades, história e teoria, e que permitem ao público uma aproximação transversal e lúdica com a coleção. Assim como em outros casos apresentados nesta sessão do ICOM, a missão institucional é contar a história da cidade para seus habitantes e tornar o espaço cultural também um espaço de conhecimento aliado a laser e bem estar.

 

New futures for old collections – Contemporary collecting and community involvement at the National Museum of Denmark

Em seguida, Mille Gabriel, conservadora e curadora da coleção etnográfica do Museu Nacional da Dinamarca, mostrou imagens de uma exposição da coleção de peças indígenas da América do Norte (EUA e México) na instituição, e refletiu sobre os desafios de curar e expôr material de culturas totalmente distintas a da comunidade onde se localiza o museu. Segundo Gabriel, os objetos, com suas histórias e procedências, são possuidores de especificidades imateriais que devem ser respeitadas e preservadas pelo curador, estando este mais comprometido com didatismo e menos com alguma autoralidade, tendo em mente a ampliação dos conhecimentos (e entendimento) do público sobre determinada cultura exógena.

Embora a curadora não tenha comentado em sua fala, vale apontar que a instituição dinamarquesa possui em sua coleção etnográfica - além de arte plumária Ameríndia e artefatos de outras procedências - o maior acervo de Albert Eckhout, o célebre pintor holandês que retratou paisagens, habitantes, fauna e flora brasileira. Nesse sentido, uma passagem escrita pela historiadora Gláucia Villas-Boas (2011), sobre a mostra Albert Eckhout returns to Brazil 1644-2002, a qual trouxe ao Brasil obras deste artista pela primeira vez em mais de 300 anos, nos traduz perfeitamente o espírito da fala da dinamarquesa Millie Gabriel.

Segundo Villas-Boas, a relação de textos do catálogo da exposição Albert Eckhout returns to Brazil 1644-2002, editado em 2002 pelo Museu Nacional da Dinamarca,

¨demonstra que os painéis de Eckhout, pintados a óleo sobre tela de linho (...) se transformam em objeto de classificação rigorosa e precisa, cujo princípio organizador é o exotismo. Considerando-se que a função do pintor consistia em retratar o que não havia sido visto antes pelo europeu, o que mais interessa aos artigos do catálogo é a história do acervo, as técnicas de sua conservação, o inventário dos trabalhos, a certificação da autoria¨.[1]

O espírito descrito por Villas-Boas, é portanto, o mesmo que pode-se perceber na fala de Mille Gabriel sobre a coleção etnográfica da instituição. Assim, não nos surpreende as dificuldades curatoriais apontadas por ela para lidar com tais acervos que, no entendimento do museu, necessitam ser expostos ao público com descrição técnica precisa, dentro da categoria que lhe é definida, barrando qualquer aproximação poética julgada desnecessária.

 

The Kaxuyana Indigenous People and Ethnographic European Collections: Memories, Dialogue and Artifacts

A terceira ponência da manhã ficou por conta da pesquisadora Adriana Russi, cuja apresentação refletiu sobre um assunto estudado em sua tese doutoral: a importância dos acervos etnográficos de museus europeus no processo de resgate cultural da isolada tribo indígena Kaxuyana,  encontrada no estado do Pará. Após apresentar ao público um pouco do contexto e história Kaxuyana, a etnógrafa exibiu fotos de diversos artefatos de caça, pesca e indumentária recolhidos por coletores estrangeiros entre os anos 1940 e 60, e que hoje pertencem aos acervos etnográficos de instituições como o Museu Nacional da Dinamarca e o British Museum, além de outros museus em Oslo, Hamburgo e Aarhus. O objetivo de Russi era mostrar como estas coleções européias estão contribuindo para o resgate da cultura da tribo no Brasil, uma vez que poucos indivíduos ali ainda possuem conhecimento para manufaturar muitos dos objetos guardados nos acervos citados na apresentação.

Como declarou Russi ao público, ¨a reconstrução da cultura Kaxuyana é um exercício de pensar no presente e olhar o futuro¨. Este exercício, que por sua vez leva a um resgate do passado, é por certo uma bonita tentativa de reconstituição cultural dos índios, mas que não deixa de causar certo incômodo quando atentamos para o fato desta ocorrer através de um mediador branco e culto. Embora exponha uma pesquisa importante, Adriana Russi não deixou claro se membros Kaxuyana foram até os acervos dos museus europeus para terem acesso aos objetos antigos e dali recuperarem técnicas de manufatura. Parece que não, e portanto conclui-se que o contato dos indígenas com a coleção se dá apenas a partir de fotografias dos artefatos catalogados e fotografados pela pesquisadora (ainda que a autoria das fotos mostradas tão pouco ficou clara). Sendo assim, ainda que à revelia da autora, sua pesquisa dá margem a ser interpretada como mais uma tentativa de pagamento de uma parcela ínfima da dívida que o Ocidente civilizado tem com as comunidades indígenas do planeta. Pois, o resgate cultural dos Kaxuyana na Amazônia, graças ao acúmulo de objetos em coleções etnográficas européias oculta o triste processo civilizatório moderno que sequestrou e dizimou o modo de vida indígena  pelo colonizador, o qual usurpou existências, bens e utensílios para fins de conquista política e progresso científico, e que hoje permanecem guardados como troféus, simbolizando um sentimento de soberania Ocidental sobre terras colonizadas que infelizmente ainda persiste.

 

Sweden: Participative Contemporary Collecting, An Everyday Dialogue. A Practical Example

A quarta e última ponência da primeira parte da manhã, ficou com a curadora sueca Åsa Stenström,  do Regional Museum of Vasterbotten, localizado em Ümea, cidade de 200mil habitantes escolhida para ser a a capital européia da cultura em 2014. Sua fala abordou como a instituição lida com a questão do colecionismo, preservação e exibição da história cultural e a arte da região, incluindo a cultura do esqui, esporte difundido por todo o país. O que parecia ser apenas mais uma apresentação sobre o modus operandi de um pequeno e rico museu escandinavo do interior, surpreendeu ao informar do seu enorme acervo de fotos históricas e contemporâneas, filmes, e uma biblioteca com 33 mil volumes, a maioria relativos ao foco temático do museu: a história da gente de Ümea e da Suécia.

Åsa Stentröm, apresentou um programa chamado Participative Contemporary Collecting: Sharing Memories, que são uma série de atividades e programas dedicados à coleta de depoimentos de estórias pessoais e sobre a vida cotidiana na região, que são gravados por trabalhadores do museu e arquivados. Nesse sentido, o patrimônio imaterial, constituído pela memória dos habitantes de Vasterbotten e seus antepassados é a maior riqueza a ser colecionada e organizada pelos curadores da instituição, que tem um programa contínuo para receber pessoas que queiram passar tempo no edifício em suas horas de laser, dispostas ou não a oferecer relatos.  Para envolver o público e atraí-lo, convertendo-o em elemento ativo (e vivo) da coleção, o Museum of Vasterbotten teceu uma estratégia simples e simpática guiada pelos seguintes passos: oferecer balas na entrada do museu - ser bom anfitrião - mostrar interesse - ouvir - gravar (o depoimento das pessoas).

As falas dos visitantes são armazenadas em um grande arquivo chamado Memory Containers e numa base de dados online, interativa, chamada Databasen Sofie. Além dos relatos e informações que cada habitante pode registrar nesses dois arquivos, o museu também aceita doações de objetos que contem algo da vida cotidiana da região e da história das famílias. Desse modo, o  Museum of Vasterbotten faz um trabalho bastante singular de coleta de informações do presente e de respeito ao seu público que é também responsável pela ativação, validação e utilização do acervo, e pode ser comparado a uma cápsula do tempo que é constantemente alimentada com informações para o futuro.

 

Daniela Labra

 

 


[1] VILLAS-BOAS, Glaucia. ¨Arte e Geopolítica: A lógica das interpretações¨. 2011. In: http://www.scielo.br/pdf/se/v26n3/04.pdf