Apresentações mesa CECA
A presidente da CECA, Emma Nardi, abre os debates a partir de uma fala que procura por em evidência conceitos como o de “natureza” e que levam de forma bem razoável à algumas constatações teóricas extraídas da semiótica de Charles Pierce por três eixos básicos: Dedução, Abdução (abdução funcional que vem da educação e que resulta da criatividade) e Indução (bases científicas pela observação empírica).
Nesse tocante Nardi, admite que a criatividade é um modo de combinar um conhecimento prévio com um fator da subjetividade humana. A pergunta que já se coloca no horizonte, apesar de todo discurso estruturalista é: Como manter na atualidade o público interessado em adquirir conhecimento nos museus quando tantas alternativas superficiais são oferecidas no mundo contemporâneo?
Na sequência do questionamento levantado acima, algumas considerações importantes foram feitas por Adriana Mortara Almeida, sobre a educação nos museus brasileiros hoje. A concentração desproporcional do número de museus, quase que exclusivamente na região sudeste, mesmo não sendo uma novidade, chama a atenção. Questões nodais são levantadas a partir de tal constatação: 1) O papel dos educadores atuando no Brasil, 2) A existência de 3.025 museus cadastrados no país e concentrados no litoral.
São Paulo e Rio de Janeiro se destacam nesse panorama como cidades catalisadoras dos museus, tendo como justificativa a densidade populacional, a renda média e o número de educadores atuantes. Curiosamente, Adriana Mortara não indicou durante sua fala a necessidade de ampliação das instituições museológicas rumo às zonas mais periféricas, preferindo insistir no discurso de que é necessário atentar para o aumento do número de educadores em museus, apesar da ausência de uma educação contínua e especializada.
Uma pergunta é feita: Sendo assim, como avaliar as ações dos educadores que se desenvolvem profissionalmente no “fazer” diário?
Há uma clara denúncia do sistema de contratações precárias, com salários variados, apesar das recentes melhorias nas políticas públicas. Com tal panorama devidamente esclarecido, segue-se a investigação em busca de uma vasta rede de colaboração informal, voltada para as ações educativas no Brasil que acabam por revelar um aspecto sociopolítico. Outro ponto que chamou bastante atenção e do qual se pode até discordar, é a reinvindicação dos educadores por maior autonomia no momento de articulação entre a parte pedagógica com o trabalho propriamente curatorial. Uma articulação parece plausível e desejável, mas, a crítica que deve ser considerada neste momento, é em relação a autonomia de cada agente do campo: curador fazendo sua curadoria e educador desenvolvendo sua ação educativa. A parceria é justa e necessária, mas, as intervenções de ambos devem ser vistas com cuidado, ou corre-se o risco de transformar certas exposições em aulas de educação artística para o ensino médio e fundamental.
O debate sobre as ações de educação patrimonial com perfil arqueológico, por exemplo, foram citadas, como parte integrante das atividades dos museus que buscam interagir com as comunidades do entorno. Assim, Mortara reiterou o papel da mudança social assumido pelo Museu através de ações de vários gêneros que foram propostas com o objetivo de atingir uma mudança social, sobretudo, a partir do dispositivo educacional.
Mostrando grande lucidez com relação a necessidade dos museus estabelecerem um elo mais humano e direto com seus frequentadores, problemas enfrentados por grande parte das instituições na contemporaneidade, a prof. Dra. Viv Golding, com sua experiência multicultural, pareceu apontar algumas saídas bastante criativas. Ao público do ICOM foi entregue um saco com balas acompanhado de um convite singelo à degustação, que seria esclarecido posteriormente.
Uma questão pertinente logo é colocada: O que constitui a memória, a história, os limites e o controle? Viv Golding desenvolve então uma proposta de educação através do jogo (lúdico) da memória e do conhecimento a partir de uma relação sensorial de todo o corpo com o museu, o que explicaria uma proposta interativa inserida no gesto de oferecer doces à plateia. Partindo desse princípio, seria possível compreender a relação do observador com os objetos dos museus como contadores de histórias que transitam entre um passado e um futuro, por meio de um processo criativo/imaginativo.
Nesse tocante, Golding conclui que existe uma memória do corpo ligada a um passado e que as afetividades brotam dos sentidos. Essas constatações são adquiridas a partir de recordações e testemunhos dos visitantes do UK. Museum. É preciso compreender que a postura de Golding certamente se liga aos mais recentes posicionamentos teóricos que as instituições museológicas podem adotar e que procuram driblar a lacuna imposta por obras que desafiam a própria estrutura e concepção do Museu, num sentido mais tradicional, estreitando o contato direto entre obra e público. Textos e livros importantes como a “Estética Relacional” de Nicolas Bourriaud parecem ter sido lidos para a elaboração de um perfil de museus que supere o trauma do afastamento necessário, muitas vezes, por questões burocráticas, entre obra e público. Portanto, o ato de degustar o doce seria então compreendido na tríade corpo-memória-imagem.
Ainda neste sentido, apresenta exemplos de obras que estabeleceram tal conexão triádica com o público, como o tapete de doces do artista Felix Gonzalez-Torres, morto de Aids em 1991. Nesta instalação o público era convidado a tocar, devorar a obra. Morte, perda, doença, são algumas das questões universais levantadas pelo artista. No entanto, Golding argumenta que tal experiência a partir do sabor açucarado também poderia funcionar como válvula de escape, ou esquecimento dos horrores da vida proposto por Gonzalez, promovendo uma saída do drama e da tragédia humana. Portanto, lembrança e esquecimento andam juntas na experiência com os museus.
Jogos de linguagens foram posteriormente criados a partir de um diálogo, e o que se evidencia é o deslocamento da questão da linguagem para a tradução cultural. Vivi Golding deixa clara a intenção de se discutir as relações inter-raciais, por exemplo, a partir deste ponto. Um aposta da não-fixação do homem ao lugar, sobretudo, a partir do contato de Golding com artista caribenhos. A relação do museu com atores de várias nacionalidades se mostrou a tendência com aspectos mais contemporâneos, no sentido legítimo de representar um esforço para aterrar as barreiras do preconceito racial, ou entre os limites culturais de cada país, sobretudo, partindo-se de um país envolto da dura tradição eurocêntrica.
Algumas perguntas relevantes sugiram do público do ICOM a partir da fala de Viv Goldin, como no caso de Denise Grispun, a respeito da maneira que se usa atualmente o termo “interpretação de objetos”. Seria então possível pensar nas construções de narrativas, e na percepção de elementos formais? E, por fim, como isso se mesclaria na compreensão dos objetos? VG afirmou, em resposta que a sabedoria dos objetos tem sido feita pela interpretação de antropólogos brancos e as mulheres caribenhas ressignificaram os objetos de forma distinta. O conhecimento nos museus deveria ser mais flexível, não fixado, sequer no tempo. Muitas pessoas de diferentes disciplinas apresentam diferentes visões da cultura material fato que se revela nos diálogos. O conhecimento é muito complexo para ser compreendido por meio de formas particulares, concluindo que o diálogo pessoal com o objeto também é um diálogo social. Ainda, outras questões importantes foram assinaladas pelos demais participantes do ICOM, como no caso de Wendy, da África do Sul, ao perguntar se era importante para o museu se envolver mais intimamente com seus projetos, e como seria possível ver a produção de conhecimento dos museus no mundo de hoje com sua política e economia? Algo estaria mudando? Viv Goldin afirmou que era visível uma mudança no que diz respeito às múltiplas identificações, sobretudo, em jovens e crianças, a partir do uso, por exemplo, de roupas que mesclam a influência de várias culturas e que as pessoas, o público em geral, tem se engajado no diálogo através de referências culturais globais: eis aí uma grande modificação.
Daniel Costa da Colômbia também levantou uma discussão muito importante que atravessou o ICOM em diversos momentos sobre o conhecimento como conceito recorrente. A pergunta nodal foi a seguinte: Onde deixamos o conceito de experiência dentro do museu é um fim em si mesmo. É ferramenta ou um fim em si mesmo?
Viv Goldin respondeu que o conhecimento está ligado a uma ideia de verdade. Quando vamos aos Museus, vamos para ganhar conhecimento, e, é um processo e o processo é como uma conversa com plateias difíceis. Se quisermos que as pessoas aprendam um pouco, é preciso pensar como fazer essa pessoa em sua individualidade se conectar e se interessar por aquele conhecimento específico. Existem vários processos educativos (criativos) que podem ajudar. Por exemplo: na ação conjunta e colaborativa dos programas e dos educadores nos museus pautados no reconhecimento da diversidade.
A complementação com um perfil acadêmico ligado a pesquisa para o profissional do museu também foi outra questão levantada durante o ICOM 2013 e apareceu sensivelmente na fala na prof. Collete Dufresne, como um alerta onde a conclusão foi a de que é preciso maiores investimentos numa formação específica com tais caraterísticas. O resultado de tais investimentos parecem ter ficado claro com o tipo de pesquisa que viria a ser apresentada logo depois como foi o caso da comunicação de Marie-Claude Laraouche, expondo suas conclusões a partir do estudo intitulado “Integrar as tecnologias móveis as ações educativas dos museus: por que? Como? Por quais benefícios?”
A introdução de aplicativos que poderiam ser usados em celulares com internet, com a finalidade de avaliar os benefícios do uso do recurso tecnológico, linguagem tão usual entre os jovens, sobretudo, durante as ações educativas dos museus, foram o ponto de partida da pesquisa, que deveria ser usada como um modelo nas instituições brasileiras.
A importância da pesquisa está no fato de levantar as seguintes questões: Como usar a tecnologia nas ações escolares de integração com o museu, principalmente através do uso de celulares com internet, etc.? Em resposta foi concluído que é preciso desenvolver em primeiro lugar um planejamento pedagógico voltado para os alunos do ensino médio e fundamental com suporte permanente de aprendizagem por meio de exposições virtuais, ferramentas (aplicativos) para usuários, transformando toda a visita em uma experiência virtual. A ideia poderia ser adotada num intercambio mais funcional entre as ações educativas dos museus e as ações educativas das escolas, ao menos, utopicamente.
Como avaliar tal impacto na educação? Os aplicativos desenvolvidos na pesquisa apresentam uma interessante sobreposição de ideias, imagens e monumentos que são dispostos simultaneamente através do recurso tecnológico, promovendo um lúdico a aprofundado processo de aprendizagem que atravessou inúmeras disciplinas. O contato do alunado canadense com o museus proporcionou uma relação direta com a arte, história, sociologia, etc, em 3 fases que foram resumidas a partir da experiência antes, durante e depois da visita ao museu propriamente dito. Assim o problema da falta de foco e distração, que poderia ser localizado nesses dispositivos é contornado pela funcionalidade dos aplicativos e por sua contextualização estratégicas em temas artísticos e históricos. Após as visitas os alunos eram interpelados a produzir um documento que seria resultado da associação entre texto e imagem para ser disponibilizado na rede, construindo uma articulação histórica entre os séculos XIX e XXI, por exemplo. Fica a dica, tanto no que diz respeito às agências de fomento à pesquisa voltando-se para a capacitação e investimento nos profissionais dos museus, quanto para as próprias ações educativas, lançar o olhar de maneira mais objetiva para a necessidade de informatização e desenvolvimento de novas tecnologias (como os aplicativos) como recursos indispensáveis numa educação eficaz a partir da rica experiência promovida pelos museus.
Bibliografia recomendada:
BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. Buenos Aires, Adriana Hidalgo Ed., 2008.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2ª ed., São Paulo: Perspectiva, 1995
Para mais informações sobre vida e obra do artista Felix Gonzales-Torres acessar:
http://www.queerculturalcenter.org/Pages/FelixGT/FelixIndex.html