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Relato Crítico: Mesa 6 “Tendências na área de Museus”

Relato por Bruno Giordano

Coordenação: Gilberto Mariotti

20/07/2018 | 9h |  Auditório Simón Bolívar

Mesa 6 Tendências na área de Museus

Mediação: Sergio Melo

Comunicações:

- Museu Vivo por Lucimar Letelier

- CETIC.br - Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação por Luciana Piazzon Lima

 

Antenado às dinâmicas sociais, o 10º Encontro Paulista de Museus tem como proposta debates sobre gestão e governança, demonstrando a preocupação da organização do evento em se posicionar diante dos questionamentos atuais da sociedade.

A impressão que se teve do encontro foi a de um reposicionamento: Não é possível manter a instituição-museu caminhando paralelamente à sociedade, voltado às elites. É preciso considerar a ressignificação de valores morais e com isso propor a ampliação dos acessos do museu. Propor o diálogo com os públicos que foram afastados dos museus em algum momento e que foram submetidos aos jogos do poder. Nesse processo incluem-se as minorias e as militâncias ocupando espaços institucionalizados, acenando à parte da sociedade mais conservadora sua existência e permanência nestes espaços. Gestão e governança, embora de imediato remeta a uma questão inerente à ciência política ou ao corporativismo, se apresenta como um debate mais flexível e plural, alinhado com essa demanda e colocando a capacidade de renovação dos museus à prova.

Nesse caminho a mesa “Tendência na área de museus” apresenta o Museu Vivo, uma proposta calcada no conceito de ecomuseu, feito por-e-para a sociedade, aberto ao diálogo e preocupado com o entorno do museu. Por outra perspectiva e complementar a primeira, conforme indicou Luciana Piazzon, se refere ao uso de TIC’s (Tecnologias da Informação e Comunicação) nos equipamentos culturais brasileiros.

Antes, um retrospecto:

Os museus sempre conversaram com a elite. Os museus de arte, já decifrados pelos estudos de Pierre Bourdieu no final dos anos 60 indicavam que os museus tinham intrínseca relação com os mais estudados. Em 2014, Philippe Coulangeon, em Economia do Patrimônio Cultural, afirmava que a relação continuava a mesma, embora o consumo cultural tenha evoluído. Mas novos atores sociais surgiram. Além dos citados acima, as próprias TIC’s descaracterizaram um esquema tradicional de transmissão da informação onde o espectador era passivo a informação recebida. Hoje ele dialoga, interage e discute a informação. Claro que em tempos de censura e conservadorismo, deve ser questionado como o indivíduo trata toda essa informação recebida, mas isso é pauta para uma outra discussão…

Além disso, a museologia como área de estudo interdisciplinar não ficaria alheia às mudanças sociais, enquanto as áreas próximas dela se encontram em ebulição: A história, tem proposto a revalorização dos relatos orais para alcançar a memória dos indivíduos que se mantiveram distantes da escrita e concedido o direito a voz e a memória dos esquecidos da história. As ciências sociais, viram o indivíduo retornar à cena, influenciadas pelas teorias feministas e a pós-modernidade. Essa última que também é tratada nos estudos culturais, vê esse período como um momento de desfragmentação do indivíduo contrariando as normatizações do período moderno. A comunicação de massa viabiliza à indústria cultural e se renova nas TIC’s, que tem revolucionado as relações humanas individuais, através dos smartphones e computadores.

A partir dessas transformações é que o museu tenta se transformar. No Brasil tardiamente, considerando-se que os esboços do que seria um ecomuseu ocorreu no pós-guerra, quando Georges Henri Riviere definiu que os museus deveriam se voltar a comunidade que o permeia. Alguns museus se adiantam nesse processo acreditando que a Internet seria o canal de transformação, outros utilizam a Internet apenas com um recurso para promover a mudança. Em todo caso o distanciamento entre instituição e sociedade parece estar diminuindo.

É neste cenário portanto que surge a proposta de uma mesa sobre o Museu Vivo e a Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Equipamentos Culturais Brasileiros (TIC CULTURA).

MUSEU VIVO

Letelier apresenta o museu como uma plataforma de inovação entre museus e cultura. A ideia de composição de rede para o museu caminha com a proposta de participação dos públicos na construção do “organismo” vivo, e portanto reage, e propõe e troca experiências com a sociedade.

O Museu Vivo se apresenta como uma espécie de consultoria para museus nesse momento de transformações, destacando-se as áreas de atuação: Consultoria em rede, curadoria de seminários, Labs de inovação, capacitação e inovação e disseminação de conteúdos. É nítida a aproximação da proposta apresentada por Letelier com o mercado e com as preocupações de “sustentabilidade social e econômica dos museus para regeneração”.

Reitera-se que a questão financeira do museu quando ocorre é para elaborar uma estratégia que vise a autossuficiência econômica e não inserí-lo em um processo de rentabilização de suas atividades. Tornar o museu economicamente sustentável é sem dúvida uma preocupação e um desejo, mas de interesse dos especialistas das políticas culturais e dos mecenas em questão, do que a própria exploração do espaço para essa finalidade. Não há um consenso se o museu deva caminhar para fins mercadológicos, embora tenha sido alternativa para algumas instituições realizar as vendas in loco, aceitar patrocínios em exposições, além do pagamento de ingressos. O meio-fio entre o museu como bem cultural e o museu como negócio é bastante sutil, pois promover experiências pagantes subverte a proposta de um museu of, by & for all, como propõe Letelier e afeta diretamente a proposta do Museu Vivo de dialogar com os excluídos de espaços museológicos. É uma questão sobre democratização cultural ou democracia cultural?

Nessas tenuidades surge o marketing cultural, servindo tanto para as empresas que tem o objetivo de reforçar positivamente a marca de uma empresa que incentiva a cultura, quanto promover a exposição, o acervo inserido dentro do museu. Mas o perfil de público-alvo quando são orientados pelo marketing nem sempre é o esperado de uma proposta educativa pedagógica, mas de uma experiência de consumo, de interatividade.

Apesar desse impasse sobre a presença do mercado nas práticas museológicas, deve-se reconhecer também que instituições como o Museu Vivo, trazendo uma consultoria para museus, são poucas no campo cultural. José Carlos Durand, especialista em políticas culturais e sociologia da cultura reconhece há tempos a falta de profissionalismo no setor cultural em inúmeras esferas sociais e do governo. A falta de preparo técnico-profissional com questões de administração dentro das atividades culturais-artísticas é uma das barreiras, segundo o autor, para o desenvolvimento de uma política cultural eficiente no Brasil.

 

MUSEUM NEXT

Letelier apresentou os pontos mais relevantes da conferência internacional “Museum next”. Brevemente, apresentou sete principais mudanças nos museus:

Tendências de Comportamento: Conforme a agência Trend Watching, especializada em monitorar comportamentos de visitantes, observou quatro tendências. São elas:

●      As pessoas confiam mais em outras pessoas do que instituições: Uma pessoa que visita o espaço museológico e publica nas redes sociais, atesta uma recomendação daquela instituição e tem mais credibilidade do que a própria instituição ao falar por si mesma;

●      Os museus se relacionam diretamente com seus públicos através das tecnologias. Embora seja uma prática, ressalta-se aqui que García Canclini antecipava que a relação entre museus e mídias seriam mais eficazes em levar cultura do que os artistas ao promoverem arte de rua;

●      Relações humanas enfraquecidas pelas tecnologias que por sua vez recriam sentimentos em aparatos tecnológicos. O uso de dispositivos que se “relacionam” com os frequentadores dentro dos espaços culturais;

●      Desenvolvimento holístico: Crescimento de práticas holísticas dentro de museus pode significar um novo uso do espaço, talvez como reflexo das práticas observadas em centros culturais.

Museu Comunidade: Estourar a bolha dos museus e torná-los comunitários. Ainda sofre resistência por parte dos museus clássicos, mas visa a diversidade de público e de equipe. Cita o caso da plataforma of, by & for all, uma espécie de mentoria direcionadora a diversificar os espaços culturais para cada vez mais façam a transição. O Museu de Toronto, que ativa o ecossistema cultural da cidade, ao invés de criar um espaço museológico. O Play Africa que é uma espécie de museu-tenda, quebrando o paradigma de se criar um espaço para o museu e torná-lo itinerante. E o Civil Bikes que percorre os pontos de memória de Atlanta relacionados aos movimentos civis de luta pelos direitos humanos.

Embora não tenha sido apresentado nenhum caso brasileiro, Letelier citou o Brasil como avançado nesta tendência de tornar o museu participativo.

E por fim, traz a pergunta “O que estamos dispostos a mudar no museu para que as pessoas se sintam bem-vindas aqui?”, visando o novo público de museus, nem sempre tão próximos e habituados com esse espaço.

Descolonização e não-neutralidade: Como zona segura de diálogo entre os dois lados das relações de poder, a descolonização dos museus surge como proposta de dar voz aos oprimidos nos processos de curadoria, considerando as narrativas que os museus de forma excludente e propondo uma correção necessária à história através da participação. Tem relação com o processo de mudança para um museu comunidade.

Museu incubador criativo: Colocar o museu como agente de transformação econômica. Sair da bolha econômica e da dependência de iniciativas fiscais (Lei Rouanet).

Diversão e gameficação: Uma maneira de gerar diálogos desconfortáveis e reduz barreiras sociais.

Sustentabilidade e regeneração: Trazer para o museu a questão climática e a conscientização com o meio ambiente. Propor um caminho entre sustentabilidade econômica e ambiental, considerando a finitude do planeta.

Profissional do museu = agente de mudança: Entender que tão importante quanto a mudança da instituição e as tendências apresentadas, cabe ao profissional do museu promover essa mudança. Alinhado com a ideia de museu comunitário e diverso.

 

TIC CULTURA

A segunda participante Luciana Piazzon, apresentou o uso de tecnologias de informação nos equipamentos culturais brasileiros, faz parte do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.BR) que faz parte do Comitê Gestor da Internet (CGI.BR).

O objetivo da pesquisa foi analisar o perfil das instituições que utilizam das TICs nos equipamentos culturais, quais influências delas no processo de mudança das relações entre as instituições e os públicos. Ao contrário do museu vivo, que se baseou em referências internacionais, a pesquisa é nacional feita em seiscentas instituições e não se restringe a museus, e considera vários tipos de  equipamentos culturais como bibliotecas, centros culturais, cinemas, teatros e pontos de cultura, além dos museus. Algumas conclusões:

●      A região sudeste tem a maior concentração de museus;

●      70% dos museus são instituições públicas, maior parte da esfera municipal;

●      A maioria dos museus são de pequeno porte;

●      42% tem receitas de até R$50mil;

●      70% dos museus brasileiros tem computador e 81% utilizam computador;

●      75% das instituições usam Internet;

●      33% disponibilizam tecnologia wireless para o público;

●      Aproximadamente 60% utilizam a Internet para oferecer serviços de informação sobre o equipamento cultural;

●      11% dos museus utilizam a Internet para oferecer produtos e serviços rentáveis e aumentar as formas de recursos financeiros;

●      35% dos museus brasileiros tem site próprio;

●      Aproximadamente 50% dos museus possuem plataforma em redes sociais;

●      Pouco uso de TICs para acessar o acervo disponível no site, visitas virtuais;

●      58% digitalizam o acervo: Apenas 37% acessível ao público;

●      Acesso ao material digitalizado geralmente é obtido presencialmente na própria instituição; e

●      Usam para tornar a instituição mais conhecida. Canal de comunicação.

É interessante notar como o processo de adesão às tecnologias está num ritmo menor nos equipamentos culturais do que na sociedade. O descompasso se revela e é inevitável atribuir a falta de agilidade e burocracia em excesso da máquina pública brasileira na hora de, literalmente, “equipar” os equipamentos culturais. Se deve também a não-valorização da área cultural, visto que foram raros os momentos onde se reconheceu o campo cultural como prioridade ou foco de atenção política, e quando ocorreu estava alinhado ideologicamente.

Em acesso ao documento disponibilizado pelo CETIC.br é possível tecer inúmeras conclusões relacionadas a esse lento progresso de uso de tecnologia nos equipamentos culturais. Mas observa-se como a tecnologia aplicada é apresentada como tendência e a partir do uso dela é que se alteram estruturas organizacionais, formas de acesso aos museus e como um pode ser um meio de captação de recursos.

 

DISCUSSÕES

Embora não tenha ocorrido nenhum tipo de debate nem sessão de perguntas e respostas aos participantes da mesa, foi instigante trazer duas perspectivas que eventualmente se conversam. O Museu Vivo se caracteriza como uma ruptura, mudança de valores e proatividade mas em muitos momentos adota uma linguagem mercadológica, percebida até nos termos utilizados para apresentar sua proposta, enquanto a apresentação sobre a TIC CULTURA enxerga uma mudança estruturada inicialmente pela presença da Internet e o uso de tecnologias nestes espaços.

Muito se fala em recursos e a busca por suficiência financeira e/ou sustentabilidade. Há um risco nesse processo para que o museu não seja levado a sucumbir ao capital por completo. A proposta de romper a bolha do museu e propor o diálogo como outros públicos também vem numa necessidade de se fazer ainda o museu relevante. Sabe-se que mais públicos e mais visitantes nesses espaços, de alguma forma ou de outra traz algum tipo de benesse ao espaço porque o mantém presente numa sociedade se interessa mais pela circulação do que pelo acúmulo cultural. Mais do que entender qual será o rumo do museu, é hora de entender o que tem orientado as mudanças: A busca por relevância na sociedade, por capital ou por diálogos entre dominantes e dominados. Esses três fatores talvez estejam, explicitamente ou não, em todos os debates museológicos.