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Participação para além da proposição

Relato por Diogo de Moraes

Coordenação: Gilberto Mariotti

19/07/2018 | 8h | Foyer do Auditório Simón Bolívar

Sessão 1 Ao Vivo: Democratização de processos museológicos: participação das comunidades e públicos

Mediação: Michael Argento (ACAM Portinari)

Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus Encontro Paulista de Museus

Comunicações:

●      Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre – exposição autonarrativa Fortalecimento da Memória Tradicional Kaingang – de Geração em Geração (Andressa Anjos de Oliveira e Isaltina Santos).

●      Museu de Arte Contemporânea da USP – exposição Vizinhos da Arte (Maria Angela Serri Francoio).

●      Museu de São Carlos – exposição colaborativa Somos esporte! São Carlos e a história das práticas do corpo (Vanessa Martins Dias).

●      Museu Memória do Bixiga – Fábrica de Restauro do Bixiga (Diego Rodrigues Vieira).

 

Dedicado à Sessão 1 ao vivo: Democratização de processos museológicos: participação das comunidades e públicos, integrante do 10º Encontro Paulista de Museus, o relato a seguir procura, além de reunir e organizar os principais aspectos abordados pelos expositores durante suas apresentações, tecer algumas considerações acerca do formato de apresentação dos projetos, assim como sobre os procedimentos por eles adotados no tocante à participação de comunidades e públicos em suas concepções e/ou realizações.

Quanto ao seu formato, conforme explicitado por Luiz Fernando Mizukami, membro do Grupo Técnico de Coordenação do Sistema Estadual de Museus de São Paulo (Sisem-SP), o modelo de sessão expositiva representa um desdobramento dos painéis digitais realizados ao longo dos Encontros passados. Reunindo trabalhos previamente selecionados por uma comissão, o formato atual busca incrementar a comunicação de projetos que, até então, vinham sendo apresentados sem a presença e fala públicas de seus proponentes, por meio de suporte digital disponibilizado para a apreciação do público.

A mudança em seu formato prevê, segundo Michael Argento, mediador da sessão, a realização de apresentações presenciais dinâmicas, a partir da exposição oral dos responsáveis pelos projetos selecionados, mediante falas ilustradas por conteúdos organizados e visibilizados por meio de slides.

Desenvolvidos por quatro diferentes museus distribuídos pelo estado de São Paulo e selecionados em meio a uma quantidade expressiva de trabalhos submetidos à comissão julgadora, os projetos expostos na sessão aqui relatada correspondem a proposições consideradas por tal comissão como dignas de interesse museológico e sociocultural, sendo, portanto, merecedoras de um tipo de extroversão e visibilidade que os painéis convencionais não seriam capazes de proporcionar – percepção baseada na avaliação dos Encontros pregressos. Destaca-se, ainda, que a seleção de projetos a serem apresentados nessa sessão procurou contemplar práticas museológicas que extrapolam o território da Capital e, ademais, o âmbito dos museus ligados à Secretaria de Estado da Cultura, pasta que, por intermédio do Sisem/SP, promove o Encontro.

Ainda que se deva reconhecer o mérito da iniciativa de incrementar o formato dessa sessão expositiva do Encontro, tornando-a mais abrangente e direcionada, cumpre apontar alguns aspectos passíveis de revisão em sua dinâmica, com vistas ao seu possível aperfeiçoamento. O principal deles diz respeito ao condicionamento das falas ao tempo predefinido e programado de exibição de cada slide: 20 segundos, segundo indicação prévia do mediador da sessão. Tal condicionamento acabou por tolher e acelerar as apresentações orais (que, aliás, duraram menos do que o previsto), na medida em que a maior parte dos expositores se viu pressionada por esse fator externo ao encadeamento de suas falas. Acrescenta-se a isso o fato de que o tema definido para a sessão, dada sua complexidade, parecia exigir um fórum de outra natureza, com abertura para exposições mais longas e ponderações mais detidas e, ademais, com outro tipo de preparação por parte dos expositores, no sentido de uma preocupação também de ordem conceitual. A nosso ver, esses dois aspectos acabaram por produzir uma assimetria entre aquilo que a sessão “prometia” e aquilo que ela foi de fato capaz de “oferecer” à sua audiência.

Como o leitor irá notar, as descrições e comentários sobre os projetos propriamente ditos refletem em alguma medida o caráter ligeiro e relativamente superficial das apresentações. Por se tratar de um relato crítico sobre a sessão em si, optamos por lidar especificamente com os enunciados trazidos pelos expositores em suas falas, abdicando de buscar informações muito mais detalhadas em outras fontes – ainda que alguma consulta tenha sido feita nos sítios virtuais das instituições representadas e dos veículos de imprensa. Pretendemos, dessa forma, repercutir as potencialidades e limitações do formato expositivo em questão, concentrando-nos no que foi possível apreender durante a sessão.

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Ligado à Secretaria de Estado da Cultura, o Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre está localizado na cidade de Tupã, na porção Oeste do estado de São Paulo. Na esteira de projetos anteriores desenvolvidos pelo Museu com diferentes comunidades indígenas da região, a exposição Fortalecimento da Memória Tradicional Kaingang – de Geração em Geração foi concebida junto a/por membros da etnia Kaingang, que vivem em terras situadas nas imediações de Tupã. Responde diretamente pela curadoria da exposição um integrante dessa comunidade, de nome Zeca. Coube a ele e mais três indígenas Kaingang – cujos nomes nos escapam – deliberar sobre as ênfases e conteúdos da exposição.

Representando o Museu durante a sessão, a pesquisadora documentalista Andressa Anjos de Oliveira e a educadora Isaltina Santos informam-nos de que a instituição já havia realizado mostras participativas e colaborativas com outras comunidades indígenas, mas que essa poderia ser considerada a primeira de natureza autonarrativa. Apesar de sugerir haver diferenças entre essas modalidades, as profissionais não se ocuparam de comentar o teor de tais diferenças, o que parece refletir a pouca abertura do formato da sessão para abordagens mais detidas, bem como o tipo de preparação dos expositores para dela participar, afastando-se por demais do tratamento conceitual solicitado por designações e problemáticas dessa ordem.

Por outro lado, somos colocados a par de que a exposição em questão teve como fio condutor a produção indígena em cerâmica, prática que, nas últimas décadas, vem se tornando rarefeita no cotidiano produtivo da comunidade Kaingang a que pertencem Zeca e seus três colaboradores no trabalho curatorial. O projeto da exposição propõe, portanto, uma espécie de “resgate” de um saber produtivo ancestral, no sentido de fomentar o seu reconhecimento e, quiçá, a retomada de seus fazeres pela comunidade – a esse respeito, pontua-se que o conteúdo da mostra é bilíngue, tanto em português como na língua Kaingang. Pode-se depreender disso que a abordagem ensaiada pela exposição não se limita a revelar aspectos da cultura indígena ao público não indígena, uma vez que também os pares indígenas são endereçados pela mostra e convidados a revisitar um tipo de conhecimento que, embora menos presente no seu dia a dia, diz respeito à sua cultura material.

Elegendo a cerâmica, os quatro Kaingang a cargo da curadoria do projeto lançam luz sobre o processo de transmissão de conhecimentos entre as gerações. Nessa direção, a narrativa expositiva encontra-se perpassada por personagens como a avó e a mãe de Zeca, responsáveis por lhe ensinar os saberes e fazeres da cerâmica. A presentificação expográfica dessa tradição se dá, no ambiente do Museu, pela exibição das diferentes etapas da produção de peças em cerâmica (desde a coleta do barro e sua modelagem até a queima e esfriamento da peça), por meio de fotos, vídeos, peças em cerâmica e pinças.

Ao descrever o projeto, as profissionais do Museu pontuam que sua política busca favorecer uma lógica em que os indígenas “falem por eles mesmos”, em lugar de serem representados por especialistas brancos – em relação a esse aspecto, foi mencionada a figura do antropólogo. Estaria em jogo, segundo elas, uma política institucional aberta às expectativas dos indígenas quanto aos modos de (auto)representação propiciados pelo Museu. É nessa perspectiva que elas afirmam uma constante que, em vez de levar algo aos indígenas, estes possam trazer suas propostas e pautas para o Museu, dando corpo a elas a partir das ferramentas e suportes proporcionados por esse equipamento cultural, mediante a escolha do que desejam expor e do seu olhar acerca desses elementos. O que exige, por conseguinte, a disposição do Museu de rever suas práticas a cada projeto, de modo a se tornar efetivamente permeável a outros olhares e formas de produzir narrativas e representações.

Apesar do enfoque naquilo que seriam demandas da comunidade indígena Kaingang – no que se refere, por exemplo, à sua autorrepresentação e ao papel da cerâmica em sua cultura material –, a apresentação da dupla do Museu esteve centrada, principalmente, n’o que integrou a exposição. Ao privilegiar esse quesito, praticamente não se falou de como se desenvolveu o processo de constituição da mostra, incluindo o tipo de interação que o grupo indígena manteve com o museu e seu corpo técnico nas diferentes etapas de elaboração do projeto. Entretanto, parece-nos que, em iniciativas como essa, tão importante quanto considerar o conteúdo é pensar e discutir o modo como elas são instituídas, uma vez que os contatos e intercâmbios culturais se processam, inclusive, nesses momentos de negociação simbólica e construção partilhada. Ademais, ao afirmar de maneira peremptória o critério de que os indígenas “falem por eles mesmos”, independentemente de colaborações com antropólogos e outros agentes do campo acadêmico e/ou técnico, a comunicação da dupla perde a oportunidade de pensar esse aspecto de forma mais matizada, esquecendo-se de experiências significativas de colaboração entre indígenas e não indígenas, por exemplo, nos campos das exposições, dos materiais bibliográficos, no cinema, entre outros.

Já o Museu de Arte Contemporânea, instituição pertencente à Universidade de São Paulo, teve sua ação museológica de difusão (neste caso, extramuros) representada por uma das iniciativas do seu departamento educativo. Trata-se do Vizinhos da Arte, programa apresentado pela arte-educadora Maria Angela Serri Francoio durante a sessão. Como o nome sugere, o programa busca promover aproximações entre o Museu e instituições de naturezas distintas (responsáveis por diferentes formas de atendimento à população), situadas na mesma região que o MAC-USP, cuja sede encontra-se nas adjacências do Parque Ibirapuera.

Por meio de reproduções de obras, o programa “leva” peças do seu acervo de arte moderna para esses equipamentos vizinhos, por meio de reproduções, inclusive com o intuito suplementar de atrair os públicos aí atendidos para conhecer o Museu, suas exposições e obras – não apenas as de arte moderna, mas também as que refletem a produção contemporânea, conforme observação de Maria Angela.

Operando com critérios museográficos, o programa envolve a montagem de uma exposição com reproduções de obras bidimensionais nas dependências das instituições vizinhas – tornadas parceiras –, com base na política de democratização do acesso levada a cabo pelo Museu. Tais montagens procuram se adequar às características físicas e arquitetônicas dos equipamentos com os quais o Museu e seu departamento educativo interagem, priorizando ambientes acessados cotidianamente pela comunidade atendida, como, por exemplo, a sala de espera de uma seção ou o corredor de uma ala.

Atualmente, o projeto acontece junto à comunidade da Derdic, instituição voltada ao atendimento de pessoas surdas, localizada nos arredores do Museu. Nessa instituição dedicada à educação, acessibilidade e empregabilidade de surdos, a exposição tem como recorte o gênero do retrato e inclui recursos interativos – como espelhos estrategicamente posicionados entre as reproduções das obras, o que, segundo a arte-educadora, estimularia as pessoas a estabelecer jogos corporais e visuais entre sua autoimagem e os retratos expostos.

Avalia-se que há boa receptividade do projeto pelos profissionais dessa e de outras organizações que já participaram do programa, assim como pelos públicos aí atendidos. No caso da Derdic, além do público surdo, o programa também tem estabelecido interações de cunho educativo com aqueles que trabalham na instituição, incluindo médicos, psicólogos, corpo administrativo etc. De acordo com Maria Angela, a maior parte do público frequentador da Derdic desconhecia o MAC-USP. Reitera-se, em resposta a isso, um dos objetivos do Vizinhos da Arte: levar as pessoas que frequentam essas instituições parceiras a conhecer o Museu, tornando-se possíveis frequentadores do seu espaço e programação. Pensa-se, nesse sentido, uma passagem do acesso às reproduções das obras para o contato direto com elas, no ambiente museológico.

Cotejar a proposição do MAC-USP com a do Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre nos solicita, entre outras coisas, apontar algumas diferenças entre as lógicas participativa e colaborativa nas relações dos museus com comunidades. Se no caso do Museu Histórico a definição das ênfases e conteúdos da exposição foi partilhada com membros da comunidade com a qual a instituição interage, no caso do MAC-USP essa definição permanece circunscrita ao corpo técnico da instituição. Sem que nos aprofundemos nessa diferença, cabe apontar, ao menos, que o primeiro exemplo se aproxima do registro colaborativo, ao passo que o segundo tende a se vincular à dinâmica participativa. Isso porque, enquanto os processos colaborativos pressupõem a distribuição das decisões e elaborações discursivas (nesse caso, expográfica) entre os diversos agentes e instâncias envolvidos, as situações participativas, por sua vez, implicam um “centro” que delibera sobre os discursos e sua forma de comunicação, convidando o outro a tomar parte naquilo que se encontra delineado de antemão – em termos de conteúdos e, também, de propósitos.

No caso do MAC-USP, cumpre indagarmos, ainda, o quanto a instituição, preocupada que se mostra com a inclusão de novos públicos em seu ambiente físico e simbólico, estaria aberta e interessada em também aprender e repensar suas práticas a partir da interação com essas outras organizações e seus públicos – de modo que a ação pedagógica não seja de caráter apenas unilateral.

Outra ação museológica exposta durante a sessão foi a do Museu de São Carlos, município localizado na região Centro-Leste do estado. Gerido pela Fundação Pró-Memória de São Carlos, o Museu tem sua sede na antiga estação ferroviária da cidade. Motivada pelas Olimpíadas de 2016, Somos esporte! São Carlos e a história das práticas do corpo foi apresentada por Vanessa Martins Dias, historiadora integrante da comissão de política de acervo do Museu, como uma mostra colaborativa. Por intermédio dela, buscou-se contar parte da história da cidade pela ótica dos esportes que nela foram e são praticados.

Pelo que se pôde constatar da fala de Vanessa, a opção pela dinâmica colaborativa esteve ligada a um fator diverso daquele que mobilizou a experiência do Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre. Para o Museu de São Carlos, a questão principal era conseguir enfrentar o fato de que seu acervo padece de muitas lacunas – dada a história errática e intermitente do Museu, cujas atividades tiveram início em 1957. Daí a opção por procurar preencher algumas dessas lacunas, ainda que numa mostra temporária sobre um tema específico, com documentos e objetos emprestados por cidadãos, atletas e instituições da cidade. Lançar mão dessa estratégia possibilitou, segundo a profissional do Museu, criar uma alternativa à limitação imposta pelo acervo da instituição, assim como experimentar a construção coletiva de uma mostra.

Para lidar com esse quadro e buscar constituir o corpus da exposição, o projeto lançou mão de expedientes de história oral – principalmente junto aos funcionários da Fundação Pró-Memória de São Carlos, sobre suas práticas esportivas –, além de encontros voltados à definição do tema norteador da exposição e do seu título. Acrescido a isso, o processo incluiu a coleta de itens dos colaboradores do projeto, mediante empréstimos. Foram contemplados tanto o esporte amador – um exemplo citado foi o time de futebol de várzea Flor de Maio – como o esporte de alta performance – tendo sido mencionada, entre outros, a ex-atleta Maurren Maggi.

Outro ponto destacado por Vanessa nesse tipo de construção de uma exposição refere-se ao fato de que as pessoas nela se reconhecem, uma vez que contribuíram diretamente com a sua elaboração, sentindo-se, portanto, representadas. Comenta-se, como exemplo disso, que um dos módulos resultantes desse processo foi a produção de um álbum de figurinhas em escala ampliada, retratando atletas e ex-atletas que se envolveram de alguma forma com a constituição da exposição – com tais “figurinhas” sendo fixadas diretamente nas paredes do ambiente expositivo. Essa abertura para a colaboração da comunidade numa iniciativa museal é identificada como “diferencial do projeto”, nas palavras da historiadora.

Acredita-se que, ao ampliar a participação da comunidade na elaboração das exposições, seja possível gerar mudanças nos modos de fazer museológico, na medida em que a partilha do processo com pessoas “não especializadas” provocaria os profissionais técnicos a se deslocarem de seus lugares habituais, revendo suas práticas a cada projeto. Contudo, para irmos além dessa pretensa constatação (que anuncia algo bem-vindo, diga-se), seria necessário verificar em detalhes como se deu o processo em suas diferentes etapas, inclusive com vistas a mensurar em que medida tais colaborações efetivamente pautaram a constituição da mostra – possibilitando conhecer, também, os possíveis desacordos e embates daí surgidos. Essa seria uma condição indispensável para, por exemplo, avaliar se as “colaborações” não teriam sido apenas utilizadas para efetivar desígnios estipulados a priori pelo próprio Museu e seu corpo técnico, o que configuraria mera encenação da prática colaborativa. Mas, conforme já apontado, o formato da sessão mostra-se desfavorável a abordagens mais detidas e complexas dos projetos, induzindo, de certa maneira, a apresentações de caráter meramente autoafirmativo e propagandístico das ações.

A última iniciativa apresentada na sessão refere-se a um museu comunitário: o Museu Memória do Bixiga, idealizado no início dos anos 1980 pelo historiador autodidata Armando Puglisi e instituído com auxílio da comunidade local. Criado com o propósito de garantir a preservação desse tradicional bairro paulistano, o Museu esteve recentemente fechado, pelo período de dez anos, tendo sido novamente ativado entre 2016 e 2017. Também intermitente, ele corresponde a um projeto ainda em construção, operando em um território multicultural, composto por grupos sociais das mais diversas procedências, com destaque para as populações negra, italiana e nordestina. A título de exemplo, algumas de suas ações participativas ocorrem sob a forma de feiras livres e blocos de rua.

Responsável pela apresentação da Fábrica de Restauro do Bixiga, projeto iniciado pelo por ocasião da reabertura da instituição, o advogado e atual diretor executivo Diego Rodrigues Vieira comenta que o seu ingresso e envolvimento com o Museu esteve diretamente ligado aos esforços para a reativação das atividades do equipamento. Lançada oficialmente em abril de 2018, a Fábrica representa a principal frente dessa fase de retomada.

Ao contextualizar o projeto, Diego destaca que, no Bixiga, encontra-se um quarto dos imóveis tombados da Capital, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – Conpresp. Contudo, como ressalva o diretor, não basta apenas efetivar o tombamento dos imóveis, uma vez que, por falta de políticas e ações de preservação, estes têm se deteriorado de maneira acelerada. Há, além disso, forte assédio do mercado imobiliário no bairro, que cobiça os terrenos onde se encontram muitas dessas construções e os lotes contíguos. O Museu busca, portanto, chamar a atenção para esse problema, enfrentando-o no sentido de engajar as pessoas na causa da preservação do patrimônio.

A Fábrica é fruto de uma parceria entre o Museu e a Universidade Presbiteriana Mackenzie, e funciona como um projeto piloto de agência comunitária, voltado a pensar e realizar ações em prol do patrimônio histórico do Bixiga. Tendo como uma de suas idealizadoras a professora emérita da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie Nadia Somekh, tem por foco a conservação do patrimônio arquitetônico do bairro. De acordo com palavras usadas pelo diretor executivo do Museu, são realizadas ações para “explicar” aos pedreiros e marceneiros da região a importância do patrimônio, a fim de evitar intervenções “inadequadas”, como “remendos, puxadinhos e descaracterizações”.

A despeito da pertinência da Fábrica de Restauro e de seus propósitos, afirmações como as aludidas acima mereceriam ressalvas e reflexões um pouco mais detidas – algo que o formato e o tempo da sessão não encorajam. A nosso ver, as dinâmicas de um bairro central de uma megalópole como São Paulo implicam alto grau de complexidade no que tange às formas de ocupação (e adaptação) de seus imóveis. Um exemplo, nesse sentido, é a Vila Itororó, que por sinal localiza-se nesse mesmo território. Quem visita o conjunto arquitetônico da Vila, que hoje passa por processo de restauro, depara-se com diversas estruturas improvisadas que, ao longo das décadas, foram sendo construídas e acopladas por seus diversos moradores ao casarão central. A pergunta que fica é a seguinte: para conservar a história de um edifício (e, portanto, de sua ocupação), essas estruturas improvisadas deveriam ser mantidas ou retiradas? Não fosse a ligeireza da sessão, talvez pudéssemos ter entrado nessa discussão com o representante do Museu Memória do Bixiga. Isso para dizer que “explicar a importância do patrimônio” condiz a apenas uma das camadas de uma realidade metropolitana altamente desigual e volátil e que, em virtude disso, nos solicita considerar os “remendos, puxadinhos e descaracterizações” por outro ângulo, sob outra ótica.