Painel 1: Museus em suas comunidades
Relato por Claudia Rodríguez Ponga
O primeiro painel do Sexto Encontro Paulista de Museus, intitulado “Museus em suas comunidades”, abre com a fluida fala de Marilia Bonas, umas das responsáveis pelo atual projeto Museológico do Museu de Imigração de São Paulo.
Após o restauro e reabertura de dito Museu, antes conhecido como Memorial do Imigrante e localizado no prédio da antiga hospedaria de imigrantes, surge um novo projeto não isento de polêmicas. Julgando só pela articulada apresentação da primeira palestrante, a impressão é que projeto do Museu é coerente, e que por atrás dele acham-se cabeças pensantes que não escolheram fútilmente a diversidade de identidades como bandeira do novo projeto.
Bonas aborda sem rodeios o assunto do novo projeto museológico e suas razões. Com a questão da não neutralidade do museu por frente, e manifestando sim sua consciência de que museu é sempre espaço de representação de poder, Bonas explica como o MI visa virar uma plataforma para a diversidade de identidades que conformaram, e ainda continuam conformando, a imigração de São Paulo.
Mas, a questão é: Na diversidade de identidades, qual é a arquitetura da toma de decisões? Aparentemente, o novo projeto museológico do MI não foge desta questão e sim procura expor essa arquitetura com total transparência, convidando todas as comunidades de imigrantes para uma gestão compartilhada e visando garantir a presença de múltiplas vozes e versões. O MI de São Paulo não se alça como uma instituição acadêmica. Assim, não coloca uma versão ou versões como verdadeiras e as contrapõe a outras menos autenticas nem exige provas. De fato, a política do museu é abranger todas as comunidades por igual, seja qual for a relevância destas dentro do marco histórico da imigração paulista. Neste esquema todas as comunidades são consideradas igualmente relevantes.
A musealização destas comunidades é possibilitada não só pelos meios tradicionais como, por exemplo, o acervo, mas também através de eventos onde a materialidade de cada cultura (suas comidas, suas música, suas danças, etc) possa ser musealizada. Assume-se também que essas materialidades cristalizam no contexto da cidade de São Paulo, afastadas de seu contexto original, pelo que não tenta-se defender uma pureza de origem. O importante é entender o que essas tradições supõem e representam para essas comunidades aqui no Brasil.
Na teoria, o MI constitui-se como plataforma participativa para uma variedade de comunidades, sem assumir o lugar de poder desde o qual julgar a relevância destas. O que supõe um grande desafio no que se refere ao sistema de gestão compartilhada. No último trecho da palestra, a “materialidade” dos problemas que apresenta essa gestão começa ser colocada em destaque, quando Marilia Bonas lê algumas das reclamações colocadas. Geralmente os reclamantes pertencem às comunidades de imigrantes mais antigas e numerosas de São Paulo, do que deduz-se que, dentro do desafio da gestão compartilhada, o maior problema do MI é o confronto entre comunidades e representatividades.
No entanto, o que o novo MI deveria ser, segundo foi narrado nesta apresentação, não corresponde-se com a realidade com a que o visitante se encontra. O MI apresenta uma exposição permanente estática, que dificilmente pode incorporar as contribuições das comunidades que o museu visa envolver. Este não é um espaço para a auto-representação, não é um marco, e sim muito mais um relato fechado onde uma versão especifica da história do Brasil tem sido musealizada. Nessa história, a escravidão (e consequentemente, o negro) só aparece como pretexto para começar o relato da verdadeira e legitima imigração que fez desta cidade o que é hoje: a imigração europeia e a oriental. Outras grandes omissões incluem a da imigração para o Brasil de cidadãos de outros países da América latina, por exemplo Bolívia, ou dos próprios Brasileiros, especificamente do nordeste, que migram dentro do próprio pais. Considerando que o MI foi reaberto este ano, o museu poderia ter atualizado seus conteúdos para criar um projeto que fosse contemporâneo não só pelo uso que faz do audiovisual.
Bonas defende que a contribuição cultural não é quantificável. Infelizmente, e a pesar de parecer que o projeto de reabertura deste museu foi conceitualizado rigorosamente, é impossível identificar este discurso com o projeto museológico resultante. A articulação teórica impecável que poderia ter sido a defesa contra os ataques das comunidades mais poderosas da imigração paulista quando confrontados por um museu mais aberto revela-se contraproducente, pois sublinha exatamente as falhas do novo MI.
A continuação veio Simone Flores Monteiro, palestrante representante do Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS, que desenvolve-se com naturalidade frente ao público, mas cuja apresentação demonstra, no seu conteúdo, um menor envolvimento com o assunto musealizado, neste caso a ciência e a tecnologia.
Não é que a fala desta palestrante careça de interesse, mas os enunciados desta estão mais relacionados com a estratégia de difusão dum projeto expositivo específico do que com o próprio museu e o projeto geral que desenvolve. Ao longo da apresentação, escutamos dados que entendo não interessam no contexto deste simpósio, como o tamanho do museu (10000 m2 de exposição com uma pirâmide no meio) ou o lugar que ocupa em alguma lista de importância institucional. As coleções que forma o acervo do museu (abelhas, anfíbios, répteis, aracnídeos e miriápodes, arqueologia, aves, crustáceos, fósseis, herbário, insetos, mamíferos, minerais, moluscos, peixes, ou equipamentos científicos antigos) são listados, mas não fala-se sobre a forma na que estes são pensados, conservados, ou musealizados.
A fala adquire interesse quando Flores Monteiro começa a falar sobre a estratégia de promoção dum projeto expositivo especifico: Sinapses. A comunidade primeira deste museu é a Universidade, e seu objetivo facilitar a comunicação entre a comunidade acadêmica e a sociedade, pelo que a campanha centra-se na criação de um modelo de museu participativo (no sentido da produção de conhecimento), onde visa-se envolver a comunidade universitária inteira através das contribuições que eles façam num site estruturado para tal propósito.
Fazendo uso dum slogan popular (“Não saia de casa sem elas: Sinapses”) que é espalhado pelo campus num alarde de profusão de meios, a campanha publicitária vai chamando e aproximando a comunidade para o museu. Assim, aos poucos, a comunidade vai contribuindo para o próprio conteúdo da exposição, que será pensada em função dessas colaborações.
Parece que o Museu acha-se num momento de mudanças, e que este projeto marca o ponto de inflexão de como essa mudança para um museu mais participativo vai se produzir. Possivelmente, a ausência de informação sobre o museu tenha a ver com o fato deste ser um “work in progress”, cuja estrutura e programa ainda não tem sido claramente definidos.
Seja qual for a razão, é graças à exposição sobre o projeto relativo às sinapses que conseguimos entender melhor tanto a contextualização desta fala dentro do painel sobre “Museus e suas comunidades”, quanto o ênfase dado por Flores Monteiro para este projeto especifico, pois ele simboliza o momento de mudança para um museu pensado em função de sua comunidade. Assim, conseguimos vislumbrar as razões para ter colocado estes dois museus juntos num painel sobre a implicação das instituições culturais num contexto comunitário e plural. Tanto o MI quanto o Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS encarnam o interesse pela criação de um museu menos estático, autoritário, e isolado. No entanto, não pode-se saber até que ponto esse interesse vai se materializar até ter sido testemunha do resultado. Em mais duma ocasião, a teoria impede ver a realidade.