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Pensando políticas públicas: novos modelos, novas instituições, novos sistemas

Por Ana Avelar – Relato da mesa “Políticas públicas para museus no contexto federativo”

Por Ana Avelar

Relato crítico da mesa: “Políticas Públicas para Museus no Contexto Federativo”

Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus Encontro Paulista de Museus

Antônio Carlos Sartini, diretor do Museu da Língua Portuguesa, apresenta a mesa formada por Afonso Luz, diretor do Museu da Cidade de São Paulo, e Renata Motta, coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM, durante o 5º Encontro Paulista de Museus. Sartini comenta a grande adesão ao evento e aponta a importância que os museus vêm ganhando dentro das políticas culturais nos últimos anos. Lembra ainda que o estado de São Paulo vai aderir ao sistema nacional de cultura.

Renata Motta, antes de dar início a sua fala, dá informes sobre a estrutura e a organização do V Encontro. Explica como é necessário o ordenamento das três instâncias federativas para a consolidação do sistema nacional de cultura e a participação específica de São Paulo nesse contexto. Observa que a transição do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram ainda não se consolidou, o que impossibilitou a presença de um representante do Instituto no evento. Além disso, informa que sua fala será complementada pela sessão de balanço das atividades do grupo técnico do Sistema Estadual de Museus de São Paulo – Sisem-SP.

Renata passa a discutir o funcionamento da administração dos museus no estado e como os diversos entes ligados a essa administração se relacionam – uma complexa rede de tramas entre as diversas instituições. Explica ainda os princípios de atuação das diferentes instâncias: a missão constitucional (garante ao cidadão o exercício de seus direitos culturais), que tem regido a estruturação do campo cultural no Brasil (a Secretaria de Estado da Cultura – SEC tem a perspectiva de formular políticas públicas visando à excelência na preservação do patrimônio cultural e à garantia de acesso aos bens culturais); e a missão da UPPM, que é garantir a preservação, a pesquisa e a difusão do patrimônio cultural dos museus da SEC e promover a articulação e o desenvolvimento técnico dos museus paulistas em favor da valorização da cultura, da educação e da cidadania.

Comenta Renata que são em torno de 400 museus no estado de São Paulo e é necessário compreender como se relacionam institucionalmente. A maior parte deles tem vinculação pública direta, enquanto a indireta seria aquela presente em museus universitários, museus vinculados a autarquias, museus privados etc. Um mapeamento desses museus mostrou que o histórico de ocupação do estado e o fortalecimento econômico definem a concentração geográfica de museus nesse mapa. (Embora ela não tenha mencionado, o mesmo acontece com a distribuição desigual de instituições em todo o país.)

Segundo Renata, conhecer esses dados é fundamental para traçar as diretrizes de políticas públicas, pois há uma grande demanda de implantação de novos museus. A questão que se coloca, para ela – mas para todos nós que trabalhamos na esfera cultural –, é se há viabilidade de gestão e disponibilidade de recursos orçamentários.

Todos os museus subordinados à SEC são geridos segundo um modelo de parceria com a sociedade civil. A UPPM monitora e acompanha os contratos de gestão, produzindo relatórios trimestrais, que recebem pareceres e que são então encaminhados para órgãos fiscalizadores.

Já os planos de trabalho da Secretaria se guiam por uma reflexão sobre a capacidade dos programas – de acervo, documentação e pesquisa; exposições e programação cultural; serviço educativo e projetos especiais; ações de apoio ao Sisem-SP; comunicação e imprensa; metas de gestão administrativa – expressarem necessidades técnicas de gestão e comunicação dentro de cada um dos museus. Para Renata, os resultados do trabalho que as instâncias estaduais vêm desenvolvendo são positivos, pois houve aumento de público, chegando a 3 milhões de visitantes por ano em 2012, e mais de 100 milhões de reais em repasse de recursos. Entretanto, aponta ela, museus ainda demandam ampliação de parcerias e visibilidade social – comentário que nos faz refletir sobre que procedimentos por parte do estado estão sendo desenvolvidos nesse sentido e se haverá (ou como garantir que haja) continuidade dessas políticas em outras gestões.

 

Novas diretrizes

A palestrante explica que o Sisem-SP atua por meio de contratos com organizações sociais e que há necessidade de definição de novas diretrizes para a SEC e UPPM. Trinta representantes regionais do Sisem-SP, membros da sociedade civil, formam um grupo fundamental na articulação da definição e planejamento das ações do Sisem-SP, estas rebatidas nos planos de trabalho das organizações sociais e nas ações diretas. Portanto, o Sistema Estadual de Museus executa ações em parceria com organizações sociais e municípios.

No âmbito do Sisem-SP, duas frentes são importantes. A primeira diz respeito ao apoio à regularização de municipalização. Segundo Renata, há um esforço no sentido de regularizar as doações das coleções do estado para os municípios – que absorveram a gestão dos museus, um dado positivo – para qualificar melhor os museus histórico-pedagógicos.

A segunda concerne à criação de editais para museus, no sentido de difusão e preservação de acervos. Os editais estão abertos até final de julho de 2013, com 1 milhão e 200 mil reais disponíveis em recursos. Ademais, todos os anos, são realizados cursos de capacitação para elaboração de projetos em diversas cidades do estado.

 

Regulamentação

A palestrante observa que o aperfeiçoamento dos marcos regulatórios é ainda um aspecto importante para a implementação de políticas públicas na área de museus. Há necessidade premente de regulamentação do próprio Estatuto Nacional de Museus. Para Renata, é importante uma perspectiva de cooperação técnica entre os diversos entes para pensar em ações fundamentais para avanço na área, como a coordenação de um sistema de informações e cadastros estadual e nacional de museus, devendo este ser integrado à instância nacional.

Segundo ela, é necessário o aperfeiçoamento dos mecanismos para discussão do acesso aos recursos financeiros – ainda há grande dificuldade de parcerias entre estado e município, principalmente em relação aos mecanismos disponíveis hoje. Como Renata coloca a questão – e que entendemos se tratar de um dado essencial –, é pensar quais são as possibilidades existentes para a execução dos projetos com a devida qualificação da área e o devido acesso aos recursos. Além disso, para melhorar o acesso social e a distribuição territorial dos museus, é preciso um entendimento melhor dos diferentes contextos, dos instrumentos e da informação disponíveis. Mais ainda: não seria necessário contar com parcerias na educação para que se vinculasse o aprendizado aos conteúdos museológicos? Não se trata também de integrar o museu à rotina do cidadão, articulando uma via de mão dupla entre a instituição e a escola?

 

Nação versus federação

Sartini passa a palavra a Afonso Luz, lembrando que o diretor do Museu da Cidade de São Paulo possui experiência junto a órgãos do governo federal, tendo acompanhado a separação entre Ibram e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. A fala de Luz será no sentido de apontar diversos impasses que permeiam museus e instituições.

Para Luz, muitas questões ainda devem ser equacionadas dentro do Ibram. Ele chama a atenção para o processo turbulento que deu origem ao Iphan, uma questão de fundo na política dos museus. Havia uma disputa, que segue até hoje, entre museólogos – o grupo do Gustavo Barroso – e patrimonialistas – aquele representado por Mario de Andrade, Lucio Costa e Rodrigo Melo Franco de Andrade, fundadores do antigo Sphan.

Para ele, o fato de o Brasil ser entendido como nação ao mesmo tempo que federação traz complexidade para pensar um sistema e marcos legais. O Sphan, por exemplo, vem de uma perspectiva nacionalista, numa época em que o Estado Novo estava elaborando sua ideia de nação – algo que se reflete ainda hoje.

De acordo com Luz, no Ministério da Cultura houve debate sobre se a natureza do sistema de cultura deveria ser nacional ou federal, havendo pendência para a perspectiva nacional. Ele observa que uma das diferenças da passagem do governo de Lula para o de Dilma é a ampliação do federativismo. O Sistema Brasileiro de Museus recebe esse nome justamente para tentar fugir da oposição entre nação e federação e criar uma instância que reconheça o estatuto jurídico do país.

Ademais, outro aspecto problemático para pensar em políticas culturais seria a desigualdade de verbas destinadas aos grandes centros, São Paulo e Rio de Janeiro, e a falta delas em demais lugares, embora haja um princípio federativo de igualdade.

Segundo o palestrante, outra questão concerne aos municípios. A partir da experiência dele com o Museu de Cidade de São Paulo, nota-se que a cidade de São Paulo difere do município de São Paulo. Trata-se de um problema para gestão do acervo do Museu porque o território histórico no qual se opera é maior e diferente do território do município.

Luz afirma que São Paulo conta com uma situação privilegiada em face de outras cidades em relação à importância dos museus diante das políticas do estado, pois o secretário de cultura, Marcelo Araújo, provém da área de museus, conferindo assim força de negociação para a área. Sendo assim, trata-se de um momento de profissionalização da gestão pública, uma vez que um dos grandes problemas da área no país é a descontinuidade em função das políticas eleitorais e partidárias.

Ademais, o palestrante aponta para outro dado fundamental que concerne aos museus. Afirma que no decreto de fundação do Iphan existem duas áreas fundamentalmente: aquela responsável pelo que é considerado o tombamento, ou seja, a gestão de bens imóveis, e a dos bens móveis integrados. Segundo Luz, até hoje nunca houve uma política de gestão para os bens móveis. A questão arqueológica também não foi plenamente regulamentada e há um esforço das universidades nesse sentido – embora os cursos de arqueologia sejam tão raros que nos perguntamos que força detêm nessa articulação.

Para Luz, há desconhecimento do patrimônio museal brasileiro, termo que ele critica devido à confusão em relação ao que de fato se define pelo termo. Há ainda muitos problemas para registrar os acervos dos museus e não se conhece grande parte desses acervos. Não há, por exemplo, um registro dos antiquários no Brasil.

Segundo o palestrante, até hoje não foi elaborada uma política para o colecionismo público, embora até tenha havido certo êxito no âmbito privado. Como exemplo da importância de uma coleção pública de arte, cita os acervos do MASP e MAC-USP para a formação em história da arte. Nossos museus de arte enfrentam, de fato, inúmeros entraves burocráticos, de todo ordem, para atualizarem suas coleções, muitas vezes sem conseguirem adquirir nem mesmo obras de jovens artistas, cujos custos são ainda acessíveis.

 

Regularização dos acervos

A regularização dos acervos é uma questão estrutural e, de acordo com Luz, se relaciona com o problema da declaração de imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas, com a regulamentação do campo de patrimônio histórico e a própria história do patrimônio museal. Conta que o IBRAM reuniu-se com a receita, em várias oportunidades, para discutir o estabelecimento dessas relações de bens. É possível, segundo ele, que estejamos próximos da efetivação de um registro dos bens privados, visando à possibilidade de, no futuro, incorporar essas coleções aos museus. Luz considera que a questão concerne também à municipalidade, pois a prefeitura é responsável pela tributação de heranças no Brasil. Esse é um dos fatores da política municipal de museus, pois cabe ao município regular a sucessão de bens de colecionadores e famílias de artistas para que tenhamos um acervo público – algo que sabemos se mostra uma necessidade imediata principalmente em termos de constituição de acervos públicos de arte quando presenciamos, nos últimos anos, grandes coleções privadas brasileiras sendo vendidas a instituições internacionais sem que haja qualquer esforço das instâncias públicas para adquiri-las.

O palestrante faz menção à relevância do campo da arqueologia, pois no Museu da Cidade há 80 mil itens, depositados no Sítio da Ressaca. O sistema de museus precisa integrar a arqueologia, diz ele, tanto urbana como ameríndia e a paleontologia, além de outros achados que são grandes atrativos para nossas instituições. Outro ponto importante seria a integração de arquivos, que, segundo Luz, trata-se de uma área que se profissionalizou antes das demais.

Ao final das palestras, o mediador Antonio Carlos Sartini resume o papel de todos aqueles envolvidos com a esfera cultural no país:

 

Lembrando que a implementação de novos modelos, novas instituições, novos sistemas, exige uma participação, um ativismo de todos nós dentro de nossas diversidades, pensamentos e ideologias, para que consigamos construir algo que dê resultado e nos represente.

 

Estamos, enfim, à espera de uma agenda de diretrizes e ações públicas que atue em parcerias, principalmente com a área de educação, para que se promova uma “cultura do museu”, envolvendo várias entidades e a própria sociedade de maneira mais contundente. Possivelmente garantir acesso e distribuição de instituições culturais de forma equânime se trate em maior grau de fomentar a integração do museu ao cotidiano do cidadão – apesar do grande esforço dos setores educativos dos museus, a parceria com a escola, num sentido amplo de projetos conjuntos, pode ser mais efetiva nesse sentido.