Políticas públicas em torno do museu: a escola, a coleção privada e a associação de amigos
Por Ana Avelar
A mesa “Políticas públicas para museus e seus diversos atores”, mediada pela Profa. Maria Cristina Bruno, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo - MAE/USP, referência nos estudos sobre museologia no país, foi complementar à da mesa anterior “Políticas públicas para museus no contexto federativo” (ver relato), formada por Renata Motta, coordenadora da UPPM e Afonso Luz, diretor do Museu da Cidade de São Paulo. A idéia era trazer para a discussão representantes de entidades que dialogam com ou – de alguma maneira – orbitam em torno dos museus: a escola, a coleção privada e a associação de amigos.
Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – CENPEC, chama atenção para como a articulação entre espaços formais de educação – a escola – e os não formais – os museus, entre outros – necessitam de uma política conjunta. A educadora explica que o tema da educação integral – frisando não se tratar da idéia de escola em tempo integral –, abarca justamente esses outros espaços de produção do conhecimento que devem trabalhar de maneira integrada com a escola. O ambiente de ensino, portanto, deve estar voltado para uma formação que busque promover o desenvolvimento das dimensões humanas num contexto da cidadania e numa perspectiva de ruptura da dicotomia entre educação formal e não formal. (Nos perguntamos se talvez a própria idéia de que o museu seja um espaço não-formal de educação não contribua para esse distanciamento entre museus e escolas).
A proposta de Anna é a elaboração de políticas públicas de educação integral que articulem os diferentes espaços educativos. Ela observa como currículos devem ser mais articulados e diversificados, novas metodologias devem priorizar a interação, exploração, experimentação, produção e uso de novas tecnologias. É evidente a lucidez dessas propostas integradoras, sobretudo quando nota ser necessária uma definição de novas funções na área de educação e inserção de novos profissionais – professores comunitários, oficineiros, educadores sociais e de museus. Apesar da existência de alguns projetos que já fazem essa articulação, seu número ainda é reduzido – experiências assim devem ser ampliadas, extrapolando a visitação e tendo os estudantes como protagonistas: autores e atores desses projetos.
Durante sua palestra, João Carlos de Figueiredo Ferraz, fundador e presidente do Instituto Figueiredo Ferraz, narra a história do instituto que se confunde com aquela de sua própria coleção. Ferraz critica a ausência de políticas públicas para o incentivo tanto à aquisição de obras por particulares como à disponibilização pública desses acervos privados, além da ausência do Estado na atualização de acervos e ampliação das coleções dos museus (este último comentário, aliás, uma grande pauta de discussão também na mesa anterior). Se bem lembramos, o estado de São Paulo deve os acervos iniciais de seus principais museus de arte – aqueles fundados na década de 1940, mas também o MAC-USP que, nos anos 1960, recebeu acervos do primeiro MAM-SP – justamente ao interesse de colecionadores privados preocupados em disponibilizar essas coleções.
Ferraz compreende o sentido da obra de arte no âmbito da educação: “Para se conhecer a história é preciso conhecer a cultura porque obras de arte mostram a história sem filtro oficial, sem engodo”. O colecionador cobra um posicionamento claro do Estado diante dos investimentos em cultura – para ele, parece haver um constrangimento por parte dos dirigentes quando o tema é verba para programas culturais.
A fala de Marília Bonas, presidente executiva e diretora técnica da Associação dos Amigos do Museu do Café de Santos e gestora do Museu do Café e do Museu da Imigração, apresentou a experiência de desenvolvimento de políticas para ampliação e redefinição dos acervos, contando com o apoio da comunidade, e elaboração de novos planos museológicos, visando renovar exposições de longa duração e ampliar o público, redirecionando as atividades do museu para a população da cidade. A partir disso, podemos pensar que esse é um dado significativo para museus ditos históricos – como conquistar e reconquistar a população da própria cidade? Um exemplo local bem-sucedido é o Museu Paulista, que desenvolve exposições do acervo de cunho didático, porém com viés crítico, atualizando a interpretação de obras e objetos de maneira atenta aos debates contemporâneos promovidos tanto pelo campo da história, como por aquele da história da arte.
Para Marília, a preservação no museu precisa ser submetida a critérios de seleção, que devem ser discutidos levando em consideração o contexto de formação dos acervos, o papel da instituição, a função social do museu na construção das identidades e no pertencimento e reconhecimento desse patrimônio.
Desse modo, as atividades do Museu do Café foram organizadas em três linhas de preservação, que, por sua vez, guiam a nova exposição de longa duração, planejada para 2014: numa perspectiva da história da ciência; numa perspectiva social (o café como objeto social – o café e o trabalho; as relações humanas e os hábitos), e as representações culturais do café (arquitetura, literaturas, artes plásticas etc.). O Museu também passou a desenvolver novas atividades e a sediar atividades já existentes na cidade, como festivais, com o objetivo de integrar o cotidiano do público local como alternativa de lazer.
O caso do Museu da Imigração apresenta um recorte patrimonial ampliado observando a representatividade da migração e da imigração contemporânea. Portanto, a nova perspectiva do Museu se orienta por duas frentes prioritárias: a festa do imigrante, que deve ser associada ao patrimônio imaterial dessas comunidades, e a construção colaborativa de política de acervo. A partir do questionamento sobre o próprio acervo, criou-se um projeto para orientar e dar a conhecer sua coleção por meio da discussão dos itens com as comunidades de imigrantes, pois o Museu se orienta justamente por essa perspectiva colaborativa. Marília lembra que a Associação foi responsável por consolidar essa renovação ampliada deste novo papel.
Embora a última palestra tenha aparentemente tomado um rumo distinto, também aqui o tom geral foi de uma reflexão sobre como desenvolver estratégias de inclusão da comunidade no museu, mas, também, do museu no cotidiano da cidade.
Nesse sentido, as demais falas evocaram impasses que dizem respeito à inarticulação entre instituições e ao despreparo do poder público para desenvolver políticas culturais eficazes – de inclusão, de formação, de aquisição de acervo. Caberia agora traçar diretrizes e definir uma agenda mais clara para atingir esses fins.
As reivindicações de Anna Altenfelder sobre projetos mais elaborados entre escola e museu indicam como há ainda enorme necessidade de se compreender o museu como espaço de ensino e aprendizado (lembremos recentemente a frase infeliz de nosso Ministro da Educação, Aloizio Mercadante – “O que museu tem a ver com educação?”) e, assim, de possibilitar, por meio de ações, que o estudante considere que a ele pertencem a cultura e a arte – e que ele também pertence a essas instâncias da memória e do imaginário. Assim, seria possível uma identificação entre aluno e museu, portanto, entre cidadão e instituição que o representa (ou que deveria representá-lo).
Os comentários de João Carlos de Figueiredo Ferraz sobre a inaptidão do Estado em viabilizar meios de incentivo às coleções privadas e particulares reforçam a urgência de medidas que solucionem tais impasses, antes que outras coleções de arte deixem o país devido aos entraves para serem adquiridas por instituições locais.
Embora o tema não tenha sido abordado no que diz respeito às associações de amigos, sem dúvida o problema atinge os objetivos desse tipo de entidade, uma vez que amparam financeiramente essas instituições. Sem políticas adequadas e sem uma reestruturação dos caminhos (estes excessivamente burocráticos) que possibilitem já a atualização desse entorno do museu, corre-se o risco de que bons projetos sejam mal-sucedidos mesmo que os investimentos nessa área ganhem fôlego – embora os orçamentos sejam ainda insuficientes diante das necessidades reais que enfrentam essas instituições.