Museus e políticas culturais: um território em disputa
Leonardo da Silva de Assis - 2021
Relato crítico síntese do 5º Encontro Paulista de Museus: “A adesão do Estado de São Paulo ao Sistema Nacional de Cultura e a Política Setorial de Museus”
Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus
Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus | Encontro Paulista de Museus |
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O Encontro Paulista de Museus (EPM) é um dos principais eventos da área no Estado de São Paulo. Desde 2009, o EPM amplia a rede de colaboração e interlocução dos museus paulistas e traz para um grande público experiências de profissionais do Brasil e do cenário internacional, com o objetivo de debater assuntos de interesse das instituições museológicas brasileiras.
Dois pontos importantes foram tratados no 5º EPM: a integração das políticas culturais dos museus do Estado de São Paulo às propostas de âmbito federal, com o Sistema Nacional de Cultura e a Política Setorial de Museus; a transição para as novas diretorias da UPPM e do Sisem-SP. O evento contou com a participação de prefeitos, secretários e dirigentes de cultura, profissionais de museus, bem como interessados que atuam em instituições culturais, como bibliotecários, arquivistas, agentes culturais e estudantes do Estado de São Paulo e de outros Estados.
A “Mesa de Abertura” do 5º EPM norteou todo o evento e trouxe um mapa político da época. Contou com a participação de Marcelo Mattos Araújo, secretário de Cultura do Estado de São Paulo, Valério Benfica, chefe da representação regional de São Paulo do Ministério da Cultura, representando a ministra da Cultura Marta Suplicy, Renata Motta, coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico, Jorge Schwartz, representando o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Afonso Luz, representando Juca Ferreira, secretário municipal de Cultura de São Paulo, Luiz Coradazzi, do British Council no Brasil, e João Batista de Andrade, da Fundação Memorial da América Latina. Valério Benfica, representando o MinC, citou em sua fala que o Estado de São Paulo passava a ser um parceiro na construção das políticas públicas de cultura. Ainda, reforçou a vinculação do Estado por meio de convênios e a instalação dos pontos de cultura. Por fim, indicou que a cidade de São Paulo, que contava na ocasião com a gestão do secretário municipal de Cultura, Juca Ferreira, faria a adesão ao Sistema Nacional de Cultura.
Marcelo Mattos Araújo, secretário de Cultura do Estado de São Paulo, iniciou sua fala dizendo que o Encontro Paulista de Museus é um espaço privilegiado para troca de discussões e experiências dos museus paulistas. Ainda, que o EPM reflete um amadurecimento dos processos internos da SEC-SP, com resultados dos serviços prestados à população nos programas e equipamentos culturais. Como exemplo desses avanços dos trabalhos internos da SEC-SP, Marcelo Araújo expõe um aumento de público frequentador dos museus do Estado de São Paulo, a realização de trabalhos extramuros dos museus com a participação nas comunidades, o avanço no tema da acessibilidade e a criação de linhas do Proac de apoio a acervos – preservação e difusão. Por fim, Marcelo Araújo expôs que é fundamental que as questões museológicas sejam incluídas nas políticas municipal, estadual e nacional da cultura.
A mesa “Políticas públicas para museus no contexto federativo” seguiu a proposta iniciada com a mesa de abertura. A discussão contou com a presença de Antonio Sartini (mediador), Renata Motta (coordenadora da UPPM) e Afonso Luz (diretor do Museu da Cidade de São Paulo, representando o secretário municipal da Cultura, Juca Ferreira). Renata Motta trouxe uma fala numa proposta de ordenamento das três estâncias federativas, na perspectiva do Sistema Nacional de Cultura, sobre a participação específica do Estado de São Paulo nesse contexto. Renata Motta apresentou como a UPPM estava organizada naquele momento, com uma demonstração dos valores e da missão da Unidade. Além disso, reforçou o trabalho de avaliação e monitoramento que é feito pela SEC-SP nas organizações sociais (OS) e nos museus que compõem o Sisem-SP.
A fala de Afonso Luz foi voltada para as experiências com entidades do Governo Federal, ao qual ele esteve ligado em gestões anteriores no MinC. A discussão abordada por Afonso Luz trouxe o tema de criação do Iphan e do Ibram. Para ele, O Iphan foi criado numa polarização de intelectuais do país, com uma perspectiva nacionalista e que se constituiu no Estado Novo. Com isso, na criação do Sistema Nacional de Cultura, foi discutida a construção de um Sistema de Cultura Nacionalista ou Federalista. Ainda, comentou que a primeira proposta do SNC era por ser nacionalista, mas que no final do governo Lula a perspectiva que estava presente era a federalista. Com relação ao Estado de São Paulo, Afonso Luz comenta que existe uma condição privilegiada e singular na área da cultura. Para ele, o secretário da Cultura, vindo da área museológica, força uma racionalidade e negociação para o campo dos museus. Afonso termina sua fala sobre a descontinuidade das políticas públicas na área da Cultura. Também, que o Brasil não consegue fazer uma política pública para o colecionismo público, ou seja, o país não consegue tornar seus acervos internacionais.
A mesa “Museus e fortalecimento das relações sociais: como engajar a comunidade na causa dos museus” contou com a participação de Janet Vitmayer, diretora do Horniman Museum de Londres. Em síntese, discutiu o engajamento das pessoas nos programas e atividades do Horniman Museum. Expôs que os programas do museu visam criar ações que trabalhem com misturas étnicas, socioeconômicas, de gênero e idade. E que o método de identificação do engajamento das pessoas nas propostas do museu está na elaboração de questionários. Estes que buscam saber como os colaboradores assumiram a visão e os valores propostos nos programas realizados pela instituição. Para Janet Vitmayer, o Horniman Museum cria um museu que as pessoas querem visitar novamente. E esse trabalho é feito pela escuta da comunidade.
As mesas “Políticas públicas para museus e seus diversos atores” e “Contribuições temáticas: educação em museus” discutiram os trabalhos dos setores educativos nos museus. A primeira, numa perspectiva de apresentação de casos e programas nacionais de museus. A segunda, com o objetivo de expor o trabalho do Ceca-Brasil, Comitê de Educação e Ação Cultural do Brasil, do Icon. Interessante que nessa mesa Adriana Mortara, coordenadora do Ceca-Brasil naquele momento, indicou que o grupo trabalhava para dar apoio aos educativos, com o objetivo de registrar e ter algo comum entre todos. Com isso, evitar uma impressão que sempre um trabalho do educativo deveria começar do zero.
Com relação aos “painéis selecionados”, é sabido que o Encontro Paulista de Museus aproveita tais momentos de Encontro com a comunidade de museus do Estado de São Paulo para mostrar cases de sucesso. Com isso, dar visibilidades aos projetos, mas também construir uma cultura de engajamento entre os museus participantes do evento. Dessa forma, fazer que outros museus do Estado também criem seus projetos e queiram compartilhar as experiências para um grande público nos próximos EPMs. O principal tema apresentado nos painéis foi a criação de propostas de envolvimento dos museus na vida das comunidades.
A mesa “A Conferência Internacional do Icom no Rio de Janeiro, 2013” foi uma chamada para o evento que aconteceu em agosto daquele ano. É singular essa intervenção do Icom no 5º EPM. A chamada para tal evento marca outro patamar das discussões sobre os museus no Brasil, o que colocou o país no debate global do Icom. Maria Inês Mantovani e Carlos Brandão fizeram um convite para o evento e apresentaram um panorama do que estava programado para acontecer na conferência. Vale destacar que a realização do Icom naquele momento também indicava uma confluência dos interesses das políticas culturais na época. Ou seja, um grande evento da área dos museus que acontecia no Brasil, propiciado por um ambiente político favorável à realização de tal empreitada.
A discussão sobre “Contribuições temáticas: segurança do patrimônio museológico” tratou do tema de segurança em museus bem antes das catástrofes ocorridas no incêndio no Auditório Simon Bolívar (2013), local tradicional de realização do próprio Encontro Paulista de Museus, no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo (2015) e no Museu Nacional no Rio de Janeiro (2018). A abordagem do tema no 5º EPM mostrou essa necessidade de tratar a segurança dos museus antes de tais desastres acontecerem. Isso demonstra como o Encontro Paulista de Museus estava na vanguarda das discussões.
Por fim, a mesa “Apresentação do balanço 2012 e perspectivas do Sisem-SP” e a “Plenária de encerramento” do 5º EPM discutiram questões particulares ao Encontro. Com destaque para esse momento de transição dos gestores da UPPM e do Sisem-SP. No âmbito interno, tanto o Sisem-SP como a UPPM passaram naquele momento por uma mudança administrativa. Renata Motta tornou-se coordenadora da UPPM, e Davidson Panis Kaseker, coordenador do Sisem-SP. O destaque dessas mesas é que a nova gestão da UPPM daria continuidade aos trabalhos já realizados nas gestões anteriores, com um fortalecimento da presença do grupo técnico da UPPM. Além disso, que seriam abertas novas linhas de fomento aos museus no Proac e intensificados os trabalhos com as representações regionais e com as redes temáticas.
Considerações
O 5º EPM trouxe nas mesas e debates um alinhamento das políticas culturais em âmbito federal, estadual e municipal. No entanto, a adesão do Estado de São Paulo ao Sistema Nacional de Cultura é um momento marcado por embates políticos, teóricos e conceituais na área da cultura. Podemos fazer uma analogia com um campo de guerra, no qual a disputa por territórios é necessária para avançar na conquista das instituições. Essa discussão está nas políticas culturais, como bem tratado pela Unesco (1969; 1982), por Néstor García Canclini (1987), Teixeira Coelho (2004), Michel de Certeau (1995; 1998), Jim McGuigan (1996), Toby Miller e George Yúdice (2004).
Desde 2003 havia uma mesma gestão política federal que propunha unificar questões relacionadas à Cultura nos Estados e Municípios brasileiros. Em 2010 essa proposta se concretizou com o Plano Nacional de Cultura (PNC), por meio da Lei n. 12.343/2010. Esse plano indicava o Sistema Nacional de Cultura (SNC) como o seu principal articulador. O SNC atingiria de forma direta os entes federados na execução das suas políticas culturais no que concerne às questões de repasses de recursos, financiamento e execução de projetos. Tal adiamento da participação do Estado de São Paulo nas políticas federais na área da Cultura, situação que ficou evidenciada no 5º EPM (realizado no ano de 2013), é um indicativo que merece atenção.
O Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Cultura, desempenha um trabalho robusto nessa área. Vale mencionar que tal Secretaria procurou criar políticas culturais, em seus diferentes momentos históricos, que estivessem coesas com os posicionamentos políticos de cada gestão administrativa. Com isso, as políticas culturais elaboradas no Estado de São Paulo ganharam corpo e forma durante os anos. O que fica demonstrado nesse momento de realização do 5º EPM é que havia uma nova organização política, em especial na esfera federal, que criou mecanismos legais para intervir nas políticas culturais realizadas nos Estados. Interferências essas como, por exemplo, o repasse de verbas, orçamentos, assinatura de convênios e a participação em editais. Quando foi lançado o PNC, vimos que algumas instituições culturais do Estado de São Paulo foram contrárias a tais condições de vinculação impostas pelas políticas culturais elaboradas pelo Governo Federal. Temos o caso do Masp e da Pinacoteca, que se mostraram como núcleos de resistência entre as políticas culturais do Estado de São Paulo e as elaboradas no âmbito federal. Quando é realizado o 5º EPM, essas discussões estão fragmentadas. E isso aconteceu principalmente por causa das instituições culturais do Estado de São Paulo que desejavam participar das propostas difundidas pela esfera federal.
Tal situação causou uma queda de braço, ou uma perda de território nesse campo de guerra das políticas culturais, que fez com que o Estado de São Paulo participasse das iniciativas na área da cultura propostas pelo Governo Federal. O que a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo fez foi buscar brechas dentro das suas políticas culturais em execução para participar das iniciativas que eram propostas pelo Governo Federal. E isso se reflete no momento de realização do 5º EPM, no qual é demonstrado o interesse dos museus em participar do Sistema Nacional de Cultura e na elaboração de uma Política Setorial de Museus.
Assim, o resultado desse momento de embate das políticas culturais entre Estado e Federação é que o Estado de São Paulo cedeu em alguns pontos das suas políticas para participar do que fora estruturado na área da Cultura pelo Governo Federal. O que fica evidenciado é que houve esse choque de políticas culturais entre o Governo do Estado de São Paulo e a gestão do Ministério da Cultura. O 5º EPM é um momento que demonstra esse cenário e que ao mesmo tempo expressa um ambiente político propício para a confluência de interesses das diferentes esferas de poder e suas bandeiras políticas.
Referências
CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1998.
GARCÍA CANCLINI, Néstor (ed.). Políticas culturales en América Latina. 2. ed. Barcelona: Grijalbo, 1987.
MCGUIGAN, Jim. Culture and the public sphere. London: Routledge, 1996.
MILLER, Toby; YÚDICE, George. Política cultural. Barcelona: Gedisa, 2004.
TEIXEIRA COELHO. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2004.
UNESCO. Cultural policy: a preliminary study. Paris: Unesco, 1969.
UNESCO. Declaración de México sobre las Políticas Culturales (1982). México, DF. Disponível