Educação em museus e seu potencial de articulação
Relato crítico da mesa: “Contribuições Temáticas para a elaboração da Política Estadual de Museus – Educação em Museus”
Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus
Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus | Encontro Paulista de Museus |
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O 5º Encontro Paulista de Museus encerrou seu conjunto de mesas-redondas com o tema educação em museus. Para tanto convidou duas educadoras de vasta experiência, Adriana Mortara de Almeida e Marina Toledo.
Adriana iniciou sua fala apresentando dados gerais do Icom, Conselho Internacional de Museus, no qual é vice-presidente do comitê brasileiro, e do Ceca, Comitê Internacional de Educação e Ação Cultural, no qual é coordenadora do comitê brasileiro. Destacou que o Icom é uma organização internacional sem fins lucrativos de museus e profissionais de museus, fundado em 1946, que atualmente tem mais de 30 mil membros de 137 países.
O Ceca apresenta mais de mil membros em 85 países. No Brasil, foi organizado em 1995, e atualmente contém 106 membros em 21 Estados e no Distrito Federal, sendo 61 membros no Estado de São Paulo. Entre 1996 e 2011, foram elaborados 14 textos coletivos para serem apresentados nas Conferências Anuais do Ceca, e destacou que com esse feito foi possível a troca de saberes, identificação de profissionais no país e aperfeiçoamento de práticas.
Para essa mesa, Adriana apresentou o projeto “Best Practices” – Melhores/Boas Práticas, de 2011, autoria de Marie-Clarté O’Neill e Colette Dufresne-Tassé, pois foi identificado nas discussões ocorridas nas conferências anuais que muitas instituições de países diferentes realizavam processos similares. Foi considerado que elaborar uma estrutura comum possibilitaria uma base para a análise das práticas desenvolvidas nos museus e o aprimoramento dos processos. O objetivo desse projeto é auxiliar profissionais, estudantes e pesquisadores na análise dos vários aspectos dos programas educativos nos quais estejam trabalhando, ao destacar a multiplicidade e complexidade dos aspectos a serem considerados, antecipar as forças e as fraquezas presentes em qualquer processo de planejamento e desenvolvimento, aprofundar o conhecimento em torno do desenvolvimento global ou de aspectos específicos de um processo e fornecer um modelo aplicável à análise e/ou avaliação de qualquer projeto/programa.
Para essa estrutura foram definidos três eixos comuns e práticas mínimas para a boa qualidade de ações educativas em museus: concepção e planejamento do Programa; realização do Programa e avaliação do Programa.
O eixo “concepção e planejamento do Programa” foi organizado em 11 itens para detalhamento: origem do projeto; justificativa e pertinência (social, institucional, científica, econômica); possibilidade de parcerias; beneficiários (quais são os públicos atendidos); metas e objetivos (para subsidiar a avaliação e monitoramento dos processos); recursos necessários; conteúdos abordados; meios/técnicas utilizadas para mediação (quais são as estratégias); nível de participação esperado (o que estou propondo de diálogo com o público); adequação meios-conteúdos; previsão de avaliação.
No segundo eixo, “realização do Programa”, é detalhada a preparação para desenvolvimento do Programa; a gestão da implementação do Programa e as adaptações posteriores. E no último eixo é especificada a avaliação (execução e resultados), a partir de dois pontos, o relatório para a equipe do Programa (feedback) e a correção e/ou mudanças no Programa.
Pode-se perceber uma relação com as etapas básicas em gestão de projetos, para visualizar o passo a passo das etapas, propiciando maior consciência do processo e mais clareza na análise do que está sendo desenvolvido e aferições de resultados. Adriana comentou que há museus que não desenvolvem essa estrutura básica.
Após a apresentação do projeto, Adriana fez uma análise da situação atual da educação em museus no cenário brasileiro, na qual destacou vários pontos: há uma tendência à ampliação do quadro de educadores dos museus com equipes estáveis, mas ainda há muitos que se encontram em situações precárias, e um grande número de museus sem educadores em seu quadro de servidores; ampliou-se o número de publicações, cursos e materiais para formação de educadores de museus, mas sem garantia de uma formação contínua e consolidada; existe a preocupação com o aperfeiçoamento e melhoria da qualidade da ação educativa dos museus, mas não existem critérios/indicadores claros para demonstrar se uma ação é de boa qualidade; a formação em serviço depende da instituição e do profissional; há a questão das contratações precárias e salários variáveis, que geram alta rotatividade e dificuldade de formação de equipes, portanto pouca possibilidade de continuidade sistemáticas das ações oferecidas.
Considerando essa situação com tantas variáveis, citou as iniciativas e políticas públicas para essa área. No âmbito federal: cursos de formação (oficinas), publicações, Programa Nacional de Educação Museal com grupo de discussão (blog), editais, estágios; estadual: cursos de formação (oficinas), publicações, assessorias/consultorias, editais; as iniciativas dos profissionais por intermédio do Ceca Brasil, e da organização de Rede de Educadores de Museus – REM (em vários Estados brasileiros); e as iniciativas dos profissionais nos museus, como cursos, ações educativas, oficinas etc. e uma rede de colaboração informal.
A partir desse cenário geral, Adriana levantou algumas questões sobre os caminhos da Educação em Museus no Brasil. Para estimular a reflexão sobre as diferentes realidades e estabelecer parâmetros para a análise dos profissionais dessa área, ela pergunta qual é a formação necessária para um (bom) educador de museu e quais seriam as capacidades necessárias para esse profissional. Se ele teria que ser capaz de: executar adequadamente um programa educativo da instituição na qual trabalha; de se comunicar com os públicos visitantes; de escrever um material educativo para o museu; de produzir um evento educativo para o museu; de avaliar as ações educativas; de conceber e planejar um programa educativo para o museu (realizar todos os passos propostos pelo documento de “Best Practices”?); e de formar outros educadores. E por fim pergunta se dá para querer que o educador faça tudo isso.
Para finalizar, além das questões sobre as competências dos educadores e nossas expectativas sobre suas responsabilidades, Adriana destacou várias questões sobre as condições necessárias para uma (boa) ação educativa: se o museu tem profissionais/equipes de todas as áreas; se os profissionais das diversas áreas do museu apoiam e/ou participam do planejamento das ações educativas; se o museu tem equipe contratada/estável de educadores; se o museu / a direção do museu apoia os projetos da área de educação; se os educadores apoiam e/ou participam de projetos de outras áreas; se os educadores participam da concepção e planejamento de exposições; se o museu divulga os projetos da área de educação; se o museu promove a formação dos educadores.
Com todas essas questões, o Ceca propõe uma discussão mais aprofundada, pois há muito o que fazer. E reconhece que, enquanto os museus e seus profissionais não tiverem estruturado seus processos e organizado os seus sistemas de registro, não haverá como identificar as ações realizadas.
A palavra é passada para Marina Toledo, que apresentou o Centro de Referência de Educação em Museus do Museu da Língua Portuguesa – MLP. Comenta que este programa foi uma iniciativa de seu diretor, Antônio Carlos Sartini, que sempre esteve envolvido nas questões e preocupações para o desenvolvimento desta área. A concepção do programa foi a partir da observação da quantidade expressiva de bons projetos e experiências na área de educação em museus realizados em instituições culturais de São Paulo e de todo o Brasil, mas que nem sempre tem uma divulgação adequada e, por vezes, ficam restritos aos seus idealizadores e executores. O Centro visa dar visibilidade a essas ações e promover o compartilhamento das experiências por meio de ações presenciais registradas, que serão acessíveis aos profissionais de museus brasileiros. Marina ressaltou que compreende que os museus são espaços de excelência quando se trata de mediação e educação não formal.
Ela destacou os objetivos do programa de promover intercâmbio das ações educativas realizadas pelos museus convidados – destacando as ações de educação por meio do patrimônio e para o reconhecimento do patrimônio –, para dinamizar e fundamentar a formação e capacitação de funcionários de museus e de outras instituições culturais; criar uma linha de publicação (digital e impressa) para a difusão das reflexões e dos conteúdos pertinentes ao tema discutido nos encontros; constituir um arquivo (digital e impresso) que facilite o acesso de profissionais à produção recente acerca do tema “Educação em museus” nas diversas regiões do país; e estimular a produção de conhecimento a partir da reflexão sobre as práticas educativas.
A curadoria da programação de instituições convidadas foi feita a partir de uma pesquisa sobre os museus que oferecem ações educativas. Foram considerados museus de diferentes portes, tipologias de acervo, gestão etc. O programa é mensal e consiste em um período de três dias de residência técnica de um profissional. Nesse período ele participará do cotidiano do Serviço Educativo para trocar experiências com a equipe de educadores. Além disso, ele ministrará uma palestra, aberta a educadores de museus interessados, sobre as práticas educativas de sua instituição. O MLP sugere três perguntas norteadoras, que são alteradas de acordo com as discussões e alinhadas com as políticas públicas para os museus. Atualmente as questões norteadoras são: para sua Instituição, o que é Educação em Museus? A partir de quais necessidades foi criada a ação apresentada? Como o Educativo se articula com os outros setores e ações do museu?
Nesse período de residência o profissional convidado também fará uma visita técnica a outro museu paulistano de sua escolha. Todo o processo será registrado e disponibilizado em plataforma digital, e será feita uma publicação anual impressa.
Marina adiantou que a proposta é alterar a periodicidade da ação para bimestral, assim poderão otimizar o período entre as residências para fomentar trocas e reflexões presenciais ou por meio da plataforma na internet entre educadores de museus de São Paulo e outras cidades.
Da plateia
As duas profissionais apresentaram um exemplo de ações que desenvolvem, e a partir de suas análises o foco principal das questões da plateia foi a necessidade de articular as ações educativas existentes oferecidas pelos museus e instituições culturais, que desenvolvem processos educativos que estão sendo percebidos cada vez mais como fundamentais na comunicação do acervo e suas exposições. Nesse recorte de questões, ficou evidente o desafio particular dos educadores de museus a se mobilizarem para o fortalecimento constante da área de educação em museus no Estado de São Paulo.
Mila Chiovatto, coordenadora do Núcleo de Ação Educativa (NAE) da Pinacoteca do Estado de São Paulo, iniciou seus comentários reforçando a importância de ter educadoras em uma plenária tão grande e importante, que esta situação é um fenômeno mais recente e uma conquista da área de educação em museus. Em seguida trouxe referências de duas iniciativas anteriores para contextualizar sua pergunta: a MEdteca, elaborada pela Área de Ação Educativa do Museu Lasar Segall, que organizou um conjunto de materiais educativos de instituições museais nacionais e internacionais para consulta e empréstimo para professores e interessados em geral; e o site Museu para todos, da Pinacoteca do Estado, que disponibiliza textos referenciais e é exclusivamente devotado para a Educação em museus. A questão para a mesa foi sobre a possibilidade de articulação entre os projetos apresentados e tantas outras iniciativas, que identifica como muito boas e potentes, para consolidar e refletir sobre o que tem sido feito. Portanto, como incorporar todas essas ações para que a área de educação em museus tenha a validação que tanto se busca.
Adriana destaca outra iniciativa, a Rede de Educadores de Museus (REM), que teve início no Rio de Janeiro, mas que profissionais de vários Estados já organizaram a sua, e avalia que é saudável que hajam tantas iniciativas, inclusive que as intersecções e sobreposições de participação do mesmo profissional em diversas iniciativas é benéfica, que se percebe um clima de colaboração entre os profissionais e instituições. Porém, é necessário verificar como unir as várias plataformas de participação e apoio, para divulgarmos e fortalecermos as ações e reflexões destes grupos, e aponta como uma ferramenta importante nessa situação a utilização da internet, ainda mais para um país com as dimensões do Brasil.
Marina responde considerando sua experiência como professora de arte, que organizava atividades para os alunos e familiares nessas ações, com o intuito de estimular a autonomia para que eles visitassem museus. Relaciona essa situação com a realidade dos educadores de museus, que há várias instâncias para que cada profissional se relacione com a que se identifica, mas que essas articulações dependem de cada um e de todos ao mesmo tempo.
Em seguida, Marina respondeu às questões de Gabriel Santos, educador do Museu Casa Guilherme de Almeida, que o projeto de residência recebe educadores para orientações, mas que também pretende enviar para formações de educadores de outras cidades, o que dependerá do estabelecimento de parcerias e patrocínios para as ações futuras. Também comentou que as palestras estão sendo registradas para integrarem a plataforma virtual.
Perguntei para a Adriana se o Ceca oferece ações para formação de profissionais. Ela citou duas ações que teve conhecimento: um curso oferecido pelo Ceca Internacional na Armênia; um projeto organizado por Sonia Guarita entre o Brasil e países africanos de Língua Portuguesa, numa parceria com a Pinacoteca, e que foi desenvolvido apenas na Nigéria, onde Gabriela Aidar ministrou um curso de formação para educadores de vários lugares do país, mas não houve continuidade. E esclareceu que não é papel do Ceca fazer a formação direta dos profissionais, mas promover a possibilidade destas ações.
Para finalizar, perguntei para Marina se o Centro de Referência em Educação em Museus teria a capacidade de organizar os educadores em uma rede, como a REM-RJ, e citei o grupo de estudos Educativos em rede, que aconteceu entre 2006 e 2011 na cidade de São Paulo, e era formado por coordenadores dos setores educativos de museus e instituições culturais. Na época havia um estímulo contínuo para a formação de uma rede pelos educadores, mas não houve uma mobilização da parte dos profissionais. Marina falou que sente falta destes espaços de reflexão e troca, mesmo dentro do educativo do próprio museu, e poder ter este espaço para refletir é fundamental. A intenção de alterar a periodicidade dos encontros com os educadores residentes para cada bimestre é para que nos meses intermediários possam ser criados encontros de reflexão com as instituições locais. Reafirma que há a possibilidade, mas reconhece que o desafio é muito grande nesta cidade, com o nosso ritmo cotidiano. Acredita que é um absurdo que não haja uma REM em São Paulo, mas relembra que depende de cada profissional para além do horário de trabalho. Os espaços existem, mas são os profissionais que devem recriá-los como espaços para troca e reflexão. A internet é uma ótima ferramenta, mas deve haver um movimento coletivo com foco no comprometimento de cada um.