Como aproximar o museu das pessoas? Afinal, o que quer a multidão?
Por Ana Pato
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A 5ª edição do Encontro Paulista de Museus (EPM) abre em um momento intenso, por conta da série de manifestações que ocorreram, nos últimos dias, em São Paulo e em outras cidades do país.
O EPM teve sua primeira edição em 2009 e recebe a cada encontro mais de 1000 participantes, entre autoridades, dirigentes e profissionais de museus e estudantes de todo o país. A intenção do evento é fortalecer os museus paulistas e promover debates sobre temas de interesse dos museus, além de fomentar redes de parceira no Brasil e no exterior, como coloca o mestre de cerimônias. As autoridades são convidadas a subir ao palco e todos, agora de pé, ouvimos o hino nacional. Nesse momento é impossível não pensar nas ruas: afinal, o que quer a multidão?
Depois do hino, a fala é do representante do Ministério da Cultura, Valério Bemfica, que ressalta a importância de SP para o desenvolvimento dos museus no país e a qualidade das parcerias desenvolvidas entre governo federal e estadual. De novo o clamor das ruas, pela redução das tarifas volta a rondar meu pensamento. Bemfica confirma a renovação e ampliação do convênio com o Estado de São Paulo para a manutenção dos Pontos de Cultura (uma boa notícia!).
A fala, agora, é do secretário de Estado da Cultura, Marcelo Araújo. O secretário traz alguns números importantes: em 2012, os 18 museus geridos pela secretaria recebeu um total de 3 milhões de visitantes, 3,5 vezes mais público que o contabilizado em 2005, quando foi implementado o sistema atual de gestão dos museus com parceria público/privado (as Organizações Sociais). O mesmo crescimento ocorreu em relação ao público internauta, em 2012, a visitação dos sites dos museus paulistas, chegou a quase 5 milhões de acessos.
Não podemos esquecer que a presença na internet é hoje peça chave na comunicação das instituições e no caso dos museus ferramenta importante para ampliar a participação do público, difundir as coleções dos museus, além de ser um instrumento, ainda pouco explorado no campo da pesquisa e preservação do patrimônio cultural.
“Não quero parecer ingênuo ou ufanista”, ressalta o secretário, ao lembrar dos desafios para a consolidação das instituições museológicas. Como também pelo fato do encontro ocorrer em meio a manifestações em várias cidade brasileiras e que se por um lado, já se configuram como um fato histórico, de legítimas reivindicações populares, por outro, é marcado por danos físicos a edifícios históricos, como o Teatro Municipal de São Paulo e o Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Marcelo Araújo, lembra ainda, que naquela semana, o projeto de “cura gay” foi aprovado por uma “ilegítima” comissão de direitos humanos, da câmera dos deputados.
Nesse cenário complexo, o secretário chama atenção para o papel desempenhado pelos profissionais da área de museus que trabalham com a memória e enfatiza o compromisso da classe em tornar a sociedade brasileira mais justa. A fala de Marcelo Araújo ganha força pelo fato de ser um secretário museólogo com bastante experiência, o que realmente dá corpo às suas palavras.
Passamos assim a Conferência: Museus e fortalecimento das relações sociais: como engajar a comunidade na causa dos museus
A conferência é aberta por Renata Motta que inicia sua fala chamando atenção para a importância da criação de um novo setor dentro da Secretaria de Cultura do Estado (fato comentado anteriormente pelo secretário), que é um departamento responsável por gerir as parcerias com as OS. Se considerarmos os números trazidos pelo secretário em relação ao aumento de público nos museus após a implementação das Organizações Sociais, parece, de fato, uma boa notícia reforçar as formas de auferir indicadores e competências da parceria. Volto novamente a lembrar das manifestações e da falta de controle do Estado para gerir a qualidade do serviço prestado pelos parceiros privados, na gestão do transporte público – motivo para o início das manifestações.
A ideia do monitoramento de performance do setor museológico (área que os ingleses têm experiência) é sem dúvida, fundamental para que as parcerias público/privado possam acontecer. Pesquisando sobre o assunto no site da secretaria localizei a seguinte informação que reproduzo aqui:
Visando contribuir no cumprimento dos programas, metas e as ações do contrato de gestão a secretaria de Estado da Cultura cria a Coordenadoria de Controladoria e Monitoramento que tem como objetivo apresentar diretrizes para a realização de acompanhamento nas parcerias firmadas entre o estado de São Paulo e as Organizações Sociais, orientando e uniformizando procedimentos, internos e externo, desde a convocação pública, analise do processo de celebração, prestação de contas e conclusão dos Contratos de Gestão.[1]
Outra parceria destacada no evento é a da secretaria de Cultura do Estado com o British Council. Sem dúvida, interessante a perspectiva de parcerias que têm como escopo acontecerem em médio, longo prazo, sem estarem, assim, diretamente vinculadas a mudanças de governo. O enfoque será a troca bilateral entre o Brasil e a Inglaterra, comenta Motta.
No contexto das manifestações, Motta chama atenção para a pertinência do tema escolhido para abrir o encontro, a palestra de Janet Vitmayer, diretora do HORNIMAN Museum & Gardens, que aborda justamente o engajamento social dos museus. Lucimara Letelier, reforça a colocação ao observar que o Reino Unido e em especial o HORNIMAN Museum, tem bastante experiência nesse tipo de projeto, que tem por objetivo tornar o museu um ponto de encontro para as comunidades (de origens diversas) em torno da instituição. Letelier, aponta, ainda, para similaridades entre Londres e São Paulo, cidades globais e multiculturais.
A introdução da mediadora à fala da conferencista solicita um breve aparte, é útil retomar a expressão “multicultural”. Para tal, recorro ao ótimo artigo de Aracy Amaral “Multiculturalismo, nomadismo, desterritorialização: novo para quem?”, escrito em 1994. Amaral atribui o termo ao conjunto de expressões criadas nos anos 90 (os ismos), cunhados no contexto do “politicamente correto” norte-americano, que exigia uma tomada de posição sobre assuntos ligados a problemática da identidade. Na opinião de Amaral: “É curioso que essa preocupação com o que chamamos de “problemática da identidade” latino-americana, que nos persegue no decorrer de todo o século XX, de repente parece inundar a Europa pós-muro (…)”.
Janet Vitmayer é diretora executiva do HORNIMAN Museum & Gardens, desde 1999. O museu foi fundado em 1901, por Frederick Horniman, membro de uma família de comerciantes de chá, que tinha por tradição colecionar artefatos, espécimes e curiosidades vindas de várias regiões do mundo. A instituição trabalha com o conceito de museu universal, termo polêmico, pois, suscita questões políticas como a repatriação de objetos à suas comunidades de origem, Vitmayer trata do assunto ao responder a uma pergunta colocada pelo público. Para quem se interessar sobre o tema, recomendo alguns links abaixo. Em linhas gerais:
A designação de Museus Universais pode aplicar-se àquelas instituições que buscam preservar representações culturais abrangentes - como as de (todo) o mundo - principalmente as das civilizações e culturas do mundo antigo. São geralmente instituições surgidas a partir do contexto do colecionismo ou que se vinculam, conceitualmente, a este conceito orientador.[2]
Vitmayer traz uma série de dados interessantes sobre o museu e a relação com o público e se diz obsessiva pela coleta dados – ferramenta que considera fundamental para um diretor de museus. Sua apresentação mostra uma estrutura organizacional e de gestão bastante profissional e preparada para atender um público anual de 750.000 pessoas. De sua fala, destaco dois pontos que considero pertinentes para pensar o museu no Brasil. O primeiro: a importância de olhar a instituição a partir da exploração e do conhecimento do universo ao redor do museu – quem são nossos vizinhos? O segundo: a ênfase dada por ela, a necessidade fundamental de observar a equipe (da acadêmica à de limpeza). Não adianta ter uma bela missão se a equipe não acredita ou não se identifica com ela. Para tal, o questionamento precisa ser constate: Que equipe eu preciso para dar conta disso? Como engaja-los na missão da instituição? Para atender a essa demanda o museu desenvolve várias estratégias, como workshops e reuniões semanais com a equipe, ações de integração com a comunidade, treinamento de líderes comunitários e a disponibilização de espaços dentro do museu para encontros e desenvolvimento de projetos. Além do uso de redes sociais para envolver o público com a coleção do museu[3].
A diretora do HORNMAN acredita que o resultado positivo do programa com a comunidade do museu está atrelado ao envolvimento da equipe, afinal, não é possível engajar o público, se a equipe não estiver envolvida. Entre os números apresentados, a taxa de fidelização do público, de 73%, é realmente bastante alta. Sem dúvida, o enfoque na equipe é um ótimo posicionamento.
Nesse sentido, o que precisa ser aprimorado, no Brasil, é o incentivo a projetos interdisciplinares e a integração das áreas dentro dos museus para lidar com os desafios aqui colocados. Em suma, este é um dos pontos mais relevantes, a urgência em lidar com a falta de envolvimento entre as equipes que acarreta num desconhecimento das atividades desenvolvidas pelos colegas dentro de uma mesma instituição.
Para concluir, inspirada pelas colocações de Amaral e ciente de que não se deve subestimar a potência das ruas, proponho a seguinte indagação: Como diferenciar uma política cultural controlada e dirigida para a coexistência de culturas diferentes, do convívio real entre culturas distintas?
Este, talvez, seja o grande desafio e o Brasil com sua “experiência” no assunto, talvez, aponte caminhos para que possamos “(...) cruzar a diversidade de vozes e corpos, sexos e tipos e apreender um “comum” que tem a ver com as redes, com as redes sociais, com a inteligência coletiva”[4].
Bibliografia
AMARAL, Aracy. Multiculturalismo, nomadismo, desterritorialização: novo para quem? (1994). In: Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005) – Vol. 2: Circuitos de arte na América Latina e no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 2006.
CUSTÓDIO, Bolcato Luiz Antônio. Museu e Patrimônio Universal. Revista Museu, 18 de Maio, 2007. Disponível em: http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=12706. Acesso em: 17 de julho de 2013.
FARIAS, Agnaldo. Conservadores e Curadores e os Perigos da Especialização. Artigo apresentado no Encontro Conservar para Não Restaurar, Itaú cultural, 2000. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/conservar_nao_restaurar/apresentacao.htm. Acesso em: 10 julho, 2013.
LEWIS, Geoffrey. The Treasures of World Culture in the Public Museum. FOCUS 4, ICOM News, nº 1, 2004. Disponível em: http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2004-1/ENG/p4_2004-1.pdf. Acesso em: 5 de julho de 2013.
PELBART, Pál Peter. Anota aí: eu sou ninguém. Folha de São Paulo, 19 de julho de 2013.
SCHUSTER. Peter-Klaus. The Universal Museum: a Special Case? FOCUS 3, ICOM News, nº 1, 2004. Disponível em: http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/ICOM_News/2004-1/ENG/p3_2004-1.pdf. Acesso em: 5 de julho de 2013.
Website consultado:
http://www.museus.gov.br/sbm/downloads/Revista_5_SNM.pdf
http://icom.museum/
http://www.horniman.ac.uk/
[1] Informação disponível em: http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.92dfa9ce23b5efef6d006810ca60c1a0/?vgnextoid=7364378e515ea110VgnVCM100000ac061c0aRCRD. Acesso em: 15 de julho de 2013.
[2] CUSTÓDIO, L.A. Museus e Patrimônio Universal. Disponível em: http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=12706. Acesso em: 17 de julho de 2013.
[3] Um exemplo de formas de aproximação da equipe do museu com o público é o blog http://www.jakes-bones.com/2013/06/visiting-horniman-museums-stores.html
[4] PELBART, P. Anota aí: eu sou ninguém. Folha de São Paulo, 19 de julho de 2013.