Introdução - Encontro Paulista de Museus: primeira década
Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus | Encontro Paulista de Museus |
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Em uma tradição republicana como a brasileira, na qual, infelizmente, não é incomum que as políticas de Estado sejam submetidas e reduzidas a políticas transitórias de governo, sofrendo assim os percalços da descontinuidade, a sequência ininterrupta, por uma década, de um evento representativo da política estadual paulista para os museus representa, por si só, motivo de reconhecimento e celebração. Mais do que isso, o mérito da continuidade possibilita que as políticas públicas, com as iniciativas que as constituem de modo interdependente, sejam consideradas em perspectiva, na medida em que configuram séries históricas propícias aos indispensáveis processos de avaliação, amadurecimento e aprimoramento.
Daí que o Encontro Paulista de Museus – EPM, cuja primeira edição remonta a 2009, possa ter a sua trajetória repassada pela presente publicação, facultando ao leitor e à leitora um panorama das discussões e ações desencadeadas, ano a ano, por esse evento, que alcançou o lugar de um marco na agenda museológica do estado e, em alguma medida, do país. Desenvolvido pelo Sistema Estadual de Museus de São Paulo – Sisem-SP, instância vinculada à atual Secretaria de Cultura e Economia Criativa, o EPM porta um notável histórico de aproximações e articulações entre profissionais de museus, agentes políticos, pesquisadores, estudantes e pessoas interessadas nas questões e possibilidades da esfera museal, convergindo para ações de instrumentação e profissionalização dos mais de 400 museus que integram a rede paulista, entre equipamentos estaduais, municipais e privados.
A reunião e a edição de registros alusivos ao conjunto de Encontros, até o ano de 2020, visam oferecer diferentes prismas para a observação do evento em seu arco temporal, abrangendo as 11 edições realizadas até o momento. Assim, o leitor e a leitora contam com contribuições descritivas e reflexivas de diversos atores ligados ao EPM, ao longo de uma década, entre aqueles que ocuparam, ou ainda ocupam, as posições de secretariado de Cultura do estado de São Paulo, de coordenadoria da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM, de diretoria do Sisem-SP, assim como de membro de seu Conselho de Orientação e de suas Representações Regionais. Além deles, fazem-se presentes neste compêndio, também por intermédio de seus textos, representantes da Acam Portinari – organização social parceira do Sisem-SP na organização do EPM – e do Fórum Permanente, com seu quadro de colaboradores fixos e eventuais.
Esse quadro é anualmente ampliado por pesquisadores e pesquisadoras mobilizados pela plataforma operada pelo Fórum Permanente. A eles tem cabido, a cada edição do EPM, a produção de relatos críticos acerca das conferências, mesas de debate e painéis expositivos que, aliados a outros formatos e situações, perfazem os Encontros. Além de promover a elaboração desses relatos, que adentram e problematizam as minúcias das discussões em tela no EPM em questão, o Fórum Permanente também agenciou junto a esse time, especificamente para a composição desta publicação, a escrita de relatos que sintetizam, uma a uma, as 11 ocorrências do evento – possibilitando que seus contextos, ênfases, conceitos, personagens e desdobramentos sejam destacados e comentados em chave analítica pelos pesquisadores e pesquisadoras.
Plataforma independente de ação e mediação cultural, o Fórum Permanente é parceiro do Sisem-SP, no Encontro Paulista de Museus, desde a estreia do evento, no final do primeiro decênio dos anos 2000. A plataforma ocupa-se principalmente da reverberação dos Encontros para além dos locais e dias em que acontecem, sempre procurando agregar camadas mediativas e críticas àquilo que esteve em pauta acerca dos museus que compõem a rede estadual paulista, no que tange às suas políticas e programas. Somado aos relatos críticos e às mais recentes sínteses anuais, o Fórum Permanente se dedicou, durante todo esse período, ao registro audiovisual das atividades do EPM, permitindo o seu amplo e irrestrito acesso a públicos remotos no site da plataforma, bem como no portal do Sisem-SP. Esse histórico de construção permanente de um arquivo vivo de todos os Encontros, com a memória institucional que ele gera, preserva e difunde, credencia o Fórum Permanente para a organização deste e-book.
Tanto é que vários dos pesquisadores e pesquisadoras responsáveis, à época, pela produção dos relatos críticos sobre as exposições orais promovidas pelos 11 Encontros – de 2009 em diante, envolvendo figuras referenciais para a museologia e áreas afins, em âmbito regional, nacional e, também, internacional – voltaram a ser convidados para colaborar diretamente na construção deste livro, seja na condição de autores das sínteses acerca do número do evento a ele ou a ela atribuído, seja no papel de editores do vasto manancial de registros legado pelo Encontros. Aqui, as posições de públicos, comentadores e ordenadores das discussões constitutivas do EPM – enquanto seu acervo de ideias, conceitos, práticas e propostas – se imbricam em algum grau, dando a ver um processo de mão dupla: de recepção e resposta ao evento.
A propósito, foi a lida com a íntegra desse material escrito, por meio de um rico e exigente trabalho de incursão em suas centenas de laudas – com toda a diversidade de dicções e enfoques trazidos por elas, ao passo que o repositório do Fórum Permanente hospeda o total de 70 relatos críticos em torno do evento, produzidos por mais de 40 profissionais ao longo dos anos –, que proporcionou ao corpo editorial uma visão abrangente e plural do EPM, ao mesmo tempo que sugeriu determinados recortes em seu conjunto, em função de tônicas que se deixam perceber na estrutura temática das programações anuais do EPM e, ainda, na leitura e cotejo entre os relatos críticos que as reportam e analisam.
Também nesse quesito, a continuidade do EPM fornece o lastro necessário para o balanço do evento ensaiado nesta peça editorial, a partir da reunião de parte do que foi produzido e decantado com base nas atividades distribuídas por diversos equipamentos da cidade de São Paulo, como o Memorial da América Latina (1º ao 5º EPM); a Associação Paulista dos Cirurgiões-Dentistas (6º EPM); o Palácio dos Bandeirantes, o Museu da Imigração, o MAM-SP, o Museu Afro Brasil e a Bienal de São Paulo (7º EPM); a Sala São Paulo, o Sesc Bom Retiro, a Pinacoteca, a Secretaria de Cultura, a Estação das Artes e a Escola de Música do Estado de São Paulo (8º EPM); o Theatro São Pedro e o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (9º EPM); e, novamente, o Memorial da América Latina (10º EPM), após o restauro do Auditório Simón Bolívar, que sofreu incêndio em 2013. Já o último EPM contemplado por esta publicação, ocorrido em 2020, se deu inteiramente no ambiente virtual, em virtude dos cuidados exigidos pela pandemia de covid-19.
Esse balanço passa por chamarmos a atenção para cinco eixos que se revelaram na leitura longitudinal do EPM, em retrospecto, independentemente de sua cronologia. Embora cada edição do evento anunciasse, em sua chamada-título, o assunto priorizado na ocasião, inclusive por conta de diferentes urgências do setor museal, ainda assim é possível verificar que as problemáticas listadas a seguir perpassaram praticamente todos os Encontros, com maior ou menor incidência. São elas: (i) políticas para os museus e políticas dos museus; (ii) concepções e práticas museológicas, curatoriais e programáticas; (iii) museus compreendidos e articulados em redes; (iv) modalidades de interação com públicos e comunidades; e (v) reflexões sobre memória, patrimônio e museologia. Complementares, esses vetores nos permitem ordenar a posteriori o arcabouço das principais questões aglutinadas e tratadas pelo EPM, até agora, oferecendo coordenadas para a navegação pelos registros aqui coligidos.
Foram esses índices temático-conceituais, inclusive, que calçaram a nossa seleção de uma média de dois relatos críticos por edição do EPM, trabalho que teve por critérios: (a) a robustez e fôlego dos relatos; (b) o zelo com a estruturação textual, a fluência discursiva e a exploração de vocabulário técnico; (c) o suficiente detalhamento das principais problemáticas relatadas; e (d) a criticidade e propositividade do relator ou relatora, considerando suas próprias contribuições enquanto agente cultural. Fiando-nos nesses quesitos, pudemos classificar e selecionar relatos que, por uma afortunada coincidência, encontraram equilíbrio no cômputo geral da publicação, sendo que para cada eixo foi possível selecionar e reunir uma média de cinco relatos críticos.
Em termos de organização editorial, os relatos críticos selecionados e aqui reproduzidos se beneficiam do fato de serem antecedidos pelas sínteses das edições do EPM a que se referem, de modo que as descrições e reflexões repercutidas por suas linhas encontram respaldo e são oportunamente contextualizadas pelos textos que resumem, e não raro problematizam, alguns dos aspectos essenciais abordados no Encontro em discussão. Referimo-nos às sínteses recém-encomendadas a pesquisadores e pesquisadoras que, em parte, também estiveram envolvidos com a produção textual pregressa de relatos críticos, no calor dos momentos em que se deram os EPM.
Quanto ao teor e à embocadura de tais sínteses, foi dada aos seus autores e autoras plena autonomia para decidirem pela forma como construiriam as suas narrativas. Logo, é patente a variedade de suas formas de abordar as edições do evento que lhe foram confiadas. Se, por um lado, isso exige do leitor e da leitora dose extra de disposição para trafegar por relatos díspares, por outro, eles têm a vantagem de viabilizar entradas múltiplas nos EPM, livrando-nos do risco da indesejada padronização “relatorial” – que, sabemos, é desestimulante. Cumpre, ademais, destacar que esses textos foram elaborados extemporaneamente aos Encontros, a partir de encomendas do Fórum Permanente por ocasião da organização deste e-book.
Para não alongar ainda mais esta apresentação, rematamos com uma breve ponderação ensejada pelo processo de edição deste conjunto de textos, particularmente pelo trato com as sínteses referentes aos 11 EPM: tão necessário quanto mobilizar nossas faculdades críticas diante das premissas e daquilo que os Encontros Paulistas de Museus foram capazes de prover, ou até mais indispensável do que isso, é a disposição em seguirmos os rastros deixados pelos atores neles envolvidos, buscando distinguir em suas falas e posicionamentos os detalhes, as possibilidades, as complexidades e as ambivalências de suas intervenções na seara dos museus – para isso, é bom poder contar, a título de apoio, com os registros audiovisuais disponíveis nos canais do Fórum Permanente e do Sisem-SP, além dos demais relatos críticos que não foram incorporados à presente publicação. Afinal, o leitor e a leitora também constroem os textos que leem.