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A acessibilidade e a espetacularização do acesso

Relato por Pedro Ermel

 

Por Pedro Ermel

Coordenação Beto Shwafaty

 

1.

Na mesa de debates “Acessibilidade ao patrimônio museológico”, da 9ª edição do Encontro Paulista de Museus (9EPM), foram discutidas e apresentadas as ações de aplicação de projetos de adaptação para acessibilidade ao patrimônio histórico e cultural da atualidade. A mesa debateu as leis, decretos e normas técnicas relativos ao assunto, como também apresentou suas respectivas transformações ao longo dos anos, procedimentos que são formulados de modo decisivo com a Lei 13.146, de 2015. Todo esse conjunto de ações visam promover a acessibilidade e a utilização, de forma segura e autônoma, dos mecanismos de acessibilidade pelo público com ou sem deficiência quando esses utilizam os espaços e equipamentos culturais públicos, assim como em relação à outros bens culturais.

Foram apresentados exemplos e soluções de adequações dos espaços, assim como exemplos de equívocos ainda cometidos por muitas instituições no que se refere às determinações da referida Lei. A mesa enfatizou a importância de contemplar a “Acessibilidade Universal”, termo que designa a garantia, esperada das instituições, não só ao acesso físico, mas também à informação e ao acervo, bem como debateu a “Acessibilidade Integrada”, termo que se refere à análise tanto das áreas internas das edificações como dos elementos da estrutura urbana e do entorno imediato dos espaços, com foco nas rotas externas de acesso e nas condições de transporte que levam às instituições.

De acordo com uma das palestrantes, Maria Elisabeth Lopes, os projetos de adequação para a acessibilidade devem considerar tanto as áreas externas de suas edificações (calçadas, vagas para automóveis, mobiliário externo, equipamento urbano, meios de transporte e estrutura urbana) quanto suas áreas internas (acessos, circulação horizontal e vertical, desníveis, instalações sanitárias, auditórios, mobiliário interno, ambientes específicos do uso, legibilidade, visibilidade e comunicação tátil).

 

2.

As alterações e adequações realizadas em museus a fim de garantir acessibilidade aos espaços expositivos vêm acontecendo de forma crescente desde o final do século XX e o início do século XXI. As administrações de museus e espaços culturais, assim como das edificações de Patrimônio Histórico, estão atentas a essas modificações, e tendem a incorporá-las cada vez mais em suas políticas de atuação. Muitos desses espaços já passaram ou passam por uma série de adaptações, e aqueles que estão por vir já prometem abordar essas ações desde o início de seus projetos.

Garantir a acessibilidade é um ponto fundamental a ser trabalhado por essas instituições; porém, nota-se que essa crescente demanda por adequações, com foco nas intervenções arquitetônicas, são atividades paralelas ao surgimento dos gigantescos espaços expositivos, que abrigam (ou pretendem abrigar) trabalhos de arte moderna e contemporânea de todo tipo.

Desde meados do século XX, os museus de arte vêm sofrendo uma série de mudanças e alterações em seus espaços expositivos, decorrentes, em grande medida, da atenção que essas instituições passam a dar para a arte moderna – trata-se do momento em que começam a proliferar pelo mundo museus dedicados a exibir não apenas o patrimônio artístico ou a arte do passado de cada grande região, mas a produção “contemporânea” dos grandes centros. Um marco inicial dessa tipologia de museu pode ser observado no caso do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), fundado em 1929, que se propõe a mostrar obras que acabaram de ser realizadas (Picasso, por exemplo, era vivo e absolutamente ativo quando o MoMA organiza uma grande retrospectiva sua entre 1939 e 1940).

Em seu surgimento no final do século XVIII como tipologia de instituição pública, derivado dos salões realizados pela Academia Francesa, o museu de arte abrigava, na maioria das vezes, pinturas e esculturas, e suas salas e saguões respondiam à escala desses objetos, bem como ao fluxo cada vez mais crescente de pessoas que se acumulava diante deles.

Em meados do século XX, quando o museu passa a exibir com frequência a arte produzida contemporaneamente, os próprios trabalhos começam a pressionar as instâncias de sua exposição. É o que ocorre com as obras do expressionismo abstrato, da arte minimalista e das instalações. A escala dessas obras já corresponde à dimensão pública que elas almejavam possuir, sabendo-se destinadas ao espaço do museu assim que estivessem prontas. Esta consciência está na origem das tensões, dos questionamentos ou das recusas da instituição museológica e de suas áreas expositivas, o que determina que muitas vezes outros espaços, que não o museu, comecem a despertar interesse em uma série de artistas. Podemos citar como exemplo os galpões industriais de antigas fábricas, ocupados pelos artistas minimalistas na região portuária de Nova Iorque, que pareciam mais condizentes com a ambição pública e a escala de alguns de seus trabalhos, ou ainda, a busca pela própria escala da cidade, evidente sobretudo em uma obra como a do escultor Richard Serra.

Seguindo uma diretriz de expor a arte que se produz contemporaneamente, cada vez mais os espaços de exibição começam a contemplar a multiplicidade das novas proposições artísticas e suas necessidades, considerando suas variações de escala e suas distintas formas de apresentação. Vídeos, performances, objetos, esculturas, pinturas, instalações, obras sites specific, entre outros, devem conviver sem “dificuldades” nas exposições, preservando então suas especificidades. Os projetos arquitetônicos, para tanto, precisam garantir hoje não apenas as condições necessárias para expor essa nova arte, como também o acesso e a circulação, de forma autônoma, de um público variado e com as mais diversas particularidades.

O problema que se coloca hoje talvez consista no fato que tal processo histórico gerou uma tipologia específica de edifício museológico, marcada pela grandiosidade e pelo acesso pleno. Vale, nesse sentido, observar a crítica de Hal Foster acerca dessas novas instituições, que, segundo ele, tornam-se elas mesmas os grandes ícones da arte na contemporaneidade, substituindo-se às próprias obras que foram concebidas para expor:

 

A grandeza dos espaços produziu, ademais, efeitos colaterais ruins, como os saguões imensos, que, embora importantes como espaços para eventos, são letais como galerias de arte (…). Para que a edificação alcance um caráter icônico, o arquiteto escolhido é autorizado, e mesmo incentivado, a modelar formas singulares em escala urbana (…). Museus assim demandam tanto do nosso interesse visual que acabam por ser, eles próprios, a obra dominante em exposição, ofuscando a arte que foram concebidos para exibir[1].

 

Talvez esta seja a observação chave nessa discussão: perceber que nas imensas edificações dos museus contemporâneos, no entanto, os amplos espaços construídos parecem reduzir-se a espaços de circulação, cujo trânsito e acessibilidade são mais do que garantidos, mas cuja função de exibição e oferecimento de uma experiência concentrada da arte pode tornar-se secundária.

 



[1] FOSTER, Hal. Museus sem fim. In: Revista Piauí, n. 105, junho de 2015.