Relato crítico do evento
por Ana Luisa Lima
Nesse último 15 de junho deu-se o encerramento do 4º Encontro Paulista de Museus que trouxe como pauta ‘Novas Fronteiras da Gestão de Museus’. Durante os três dias de encontros discutiram-se planejamentos de gestão, parcerias dos museus com a sociedade civil, ações de inclusão e a chamada cultura cidadã. O encerramento aconteceu com um balanço das atividades das Redes Temáticas e logo em seguida uma plenária para anunciar o resultado das eleições dos Representantes Regionais e Membros do Conselho de Orientação do SISEM-SP, bem como fazer um balanço do 4º Encontro e encaminhamentos e sugestões de como deve ser o próximo evento.
As Redes Temáticas se destinam a, entre outras coisas, adensar o diálogo entre os museus de mesma natureza: museus históricos, museus de município, museus de literatura, museus de Imagem e do Som, museus-Casas, museus de folclore, museus de arte sacra, etc. Representantes dos museus reuniram-se nos dois dias que antecederam o evento para apontar quais as situações em que se encontram as instituições, e assim ser possível traçar planos de ação para os próximos anos.
O evento foi bem sucedido enquanto tal e no que conerne a suas proposições. Com a presença, mais ou menos 1.100 pessoas, entre gestores e profissionais que atuam em museus públicos e privados; autoridades municipais, estaduais e federais que atuam nas áreas da cultura, patrimônio histórico, educação, turismo e desenvolvimento local; pesquisadores nas áreas da História, Ciência, Tecnologia, Comunicação, Arquitetura e Artes; provedores de soluções para museus e acervos, nos segmentos de conservação, segurança, documentação, pesquisa, museografia e educação; estudantes de pós-graduação, graduação, técnicos e demais interessados em museologia. O diálogo estava ali estabelecido e com desejo de se instaurar-se cada vez mais também como ato. A questão, porém, acerca dos museus é algo que extrapola o ‘Encontro’ e que merece ser analisado crítica e cuidadosamente.
A síntese do que foi situado pelas Redes Temáticas demonstra por si mesma a inabilidade histórica – que não só diz respeito ao Estado de São Paulo, mas de todo país – que é a de construção de políticas públicas que assegurem a perenidade da vida dos museus e suas respectivas atividades. É impossível pensar em desenvolvimento museológico sem que esse possa primeiramente garantir sua sobrevivência institucional.
O que deveria ser uma discussão de situações nos museus a serem reparadas, otimizadas, na verdade, aponta para a necessidade destes se constituirem enquanto instituição autônoma (pensando, claro, a questão da autonomia como uma atuação interdependente). As demandas apontadas pelos representantes dos museus paulistas são indicadores de como o Brasil está longe de conseguir firmar bases sólidas para o desenvolvimento da educação e preservação da cultura. Há museus, por exemplo, demandando inventários e mapeamentos dos seus acervos; capacitação profissional tanto dos funcionários, quanto dos seus dirigentes; a necessidade assegurada da continuidade de encontros, reuniões, seminários.
A gravidade do diagnóstico só reafirma a incapacidade da “engrenagem”modificar-se, e nesse sentido, cabe pensarmos acuradamente numa reconstrução de todo sistema, sob pena de continuarmos investindo num modelo que parece alimentar-se eternamente da defasagem institucional para se manter. Tal como Francisco de Oliveira anuncia em seu ensaio “O ornintorrinco”** ao pensar de forma ampla e complexa a construção sócio-econômica e política brasileira. Em poucas palavras, o que Oliveira desvela é um modo perverso em que, sob o discurso do subdesenvolvimento, o país quer se emparelhar a modelos sócio-econômicos que com os quais tem nenhuma semelhança, senão o modelo neoliberal de se organizar. Assim, no desejo desse emparelhamento medidas (paliativas) são tomadas para que apenas alguns setores (ligados à economia) avancem sem, contudo, promover qualquer desenvolvimento social. Muito pelo contrário, é o subdesenvolvimento social que mantém a possibilidade de avanço econômico.
Dessa mesma forma, a engrenagem museológica paulista parece também se compor. Se de um lado é possível ver investimentos financeiros em algumas instituições, à exemplo da Pinacoteca do Estado de São Paulo; por outro, não se vê a elaboração de políticas públicas que assegurem o desenvolvimento equalizado e simultâneo dos demais museus. Medidas pontuais são tomadas de modo a reafirmar as defasagens, como o caso do edital PROAC voltado para museus.
O que se pode colocar como ponto de partida numa corrida de dupla função (que precisa acontecer) é: de um lado a reconstrução do sistema; de outro, a (re)constituição institucional museológica, que seria a revisão da sociedade civil como pilar desse processo e não como agenda, pauta, de discussão de encontros de museus. Porque a questão é: a vida política não pode ser demandada pelo Estado. Ora, o Estado que deveria ser a representação legítima da sociedade civil acabou se tornando uma alteridade estranha e por vezes antagônica à vontade coletiva-civil. Não são poucas, por exemplo, as ações governamentais que vão de encontro com os desejos mais básicos de uma vida em sociedade: liberdade de ir e vir, direito às manifestações públicas, etc.
Vestígios da constituição brasileira de “homem cordial”*** devem ser preservados no que diz respeito à afetividade na vida política que leva ao engajamento. Devemos estar certos de que a generosidade e a alegria**** – como se viu na plenária de encerramento do 4º Encontro – fazem sim parte de um agenciamento político construtivo. O que não se deve, por outro lado, é reafirmar a política de pessoalização, ou personalização, das funções políticas. Os processos políticos podem e devem permanecer vivos à despeito dos nossos ‘Representantes’.
*Ana Luisa Lima é pesquisadora independente e crítica de arte. Editora da revista Tatuí.
** O ensaio foi publicado pela Boitempo editorial juntamente o ensaio “Crítica à razão dualista”; São Paulo: 2003.
*** A ideia de “Homem Cordial” é desenvolvida por Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” publicado pela Companhia das Letras; São Paulo: 2007.
**** É possível ler mais sobre isso num ensaio da relatora “Script para um conto contemporâneo” publicado na revista Tatuí 12.