Democratização de acesso aos museus: experiências e impasses
Por Ilana Seltzer Goldstein - 2012
Relato crítico da mesa: “Museus e inclusão social”
Este relato faz pare do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus
Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus | Encontro Paulista de Museus |
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Preâmbulo: de que inclusão social falamos?
Na última década, a expressão “inclusão social” vem sendo utilizada de modo tão recorrente quanto imprecisa, sobretudo nas discussões relativas ao desenvolvimento sustentável, no âmbito das políticas públicas e do Terceiro Setor. Contudo, na opinião dessa relatora, talvez ela não seja a mais adequada para designar o desejo de construir uma sociedade igualitária. Isso porque, se todo ser humano já vive dentro de uma dada sociedade, interagindo com outros, desempenhando papéis sociais, compartilhando valores, ninguém precisa ser “incluído” socialmente.
Independentemente das condições físicas, étnicas e socioeconômicas, qualquer indivíduo só se constitui no processo de socialização. Não se pode imaginar um ser humano que não seja lapidado por uma cultura específica, cujas regras internalizou e cujo símbolos aprendeu a interpretar. Conforme escreveu o antropólogo Clifford Geertz[1], caso não fizessem parte de uma dada sociedade, as pessoas se comportariam caoticamente, quase como animais selvagens. O DNA de nossa espécie é o que menos traz programações de comportamento: aprendemos socialmente a maior parte do que precisamos para interagir com nossos semelhantes, para expressar nossas emoções e suprir nossas necessidades.
Assim, quem trabalha com gestão cultural ou com políticas públicas de forma mais ampla poderia, em vez de falar em “inclusão social”, referir-se simplesmente à democratização do acesso a determinados bens e serviços. Isso diminuiria o risco de menosprezar os saberes e as práticas dos grupos que não têm acesso a esses bens e serviços; evitaria dizer que eles são “excluídos” da sociedade – afirmação que, do ponto de vista antropológico, não faz sentido. Porém, não impediria o reconhecimento de que seus direitos não estão sendo plenamente garantidos e de que as desigualdades de acesso aos serviços de saúde, aos equipamentos de lazer, aos mecanismos da justiça e ao sistema de educação precisam ser combatidas.
A mediadora da mesa-redonda n. 3, intitulada “Museus e inclusão social”, fez uma fala inicial na qual lamentava, justamente, que aqueles que não possuem condições financeiras favoráveis, além dos idosos, os negros e os portadores de deficiências, tenham poucas oportunidades em nosso país. Maria Inês Coutinho apresentou dados impressionantes. Dez por cento da população mundial tem algum tipo de deficiência – 400 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento. O Instituto Mara Gabrilli divulgou, recentemente, que há 1 milhão e meio de pessoas com deficiência no Brasil. No entanto, segundo a mediadora da mesa, apenas seis equipamentos culturais paulistas estão preparados para receber pessoas com deficiência.
Maria Inês Coutinho lembrou que atividades artístico-culturais são fundamentais para a qualidade de vida e a integração de pessoas com deficiências. As possibilidades vão muito além do que imagina o senso comum. Mencionou, por exemplo, o caso do fotógrafo franco-esloveno Eugen Bavcar, consagrado pela crítica e por colecionadores. Apesar de cego, Bavcar constrói belíssimas imagens, lançando mão da descrição verbal de colaboradores.
Curiosamente, nenhum dos palestrantes que se pronunciaram a seguir voltou ao tema da deficiência. Aliás, ao responderem a perguntas da plateia, no final, Maria Fernanda Pinheiro, do Museu do Homem do Nordeste, e Guilherme Bueno, do MAC-Niterói, admitiram que não existem em suas organizações projetos específicos voltados às pessoas com deficiências. Guilherme explicou: “Ações para públicos especiais são pontuais. O Museu é passivo, apenas recebe grupos que pedem visitas especiais. Ainda precisamos adequar os espaços. O acesso é feito por rampas, existem cadeiras de rodas, mas falta acesso ao subsolo. O prédio é tombado, então o orçamento e o projeto têm que ser aprovados pelo Iphan e pela Prefeitura. A burocracia é um obstáculo”. Maria Fernanda, por sua vez, afirmou que “o Museu tem algumas atividades voltadas para esse público, porém, também se coloca passivamente. O edifício é parcialmente acessível. Não é uma coisa resolvida”.
Mais do que incoerência na organização da mesa, trata-se justamente de uma decorrência da imprecisão do conceito de “inclusão social”, que acaba funcionando como um guarda-chuva para problemas e propostas completamente distintos entre si. Quem fala em “inclusão social” em museus, hoje, pode estar se referindo ao acesso para pessoas com deficiência; à geração de renda por meio de atividades artístico-culturais; à contratação de negros e mulheres nos quadros da instituição; à inserção de temáticas políticas e sociais na programação do equipamento cultural; à prática de gratuidade ou de preços populares para atrair camadas socioeconômicas menos favorecidas; ou à realização de atividades fora das paredes do museu, no seio de comunidades em situação de risco, a fim de conquistar novos públicos e, principalmente, de assumir uma atitude socialmente responsável. Esta última dimensão é aquela que apareceu com mais força nas falas dos dois participantes da terceira mesa do Encontro Paulista de Museus.
O Museu do(s) Homem(ns) do Nordeste: uma visão de identidade plural e dinâmica
Após a mediadora da mesa, a primeira a falar foi Maria Fernanda Pinheiro, coordenadora de museologia do Museu do Homem do Nordeste. Trata-se de um museu de antropologia criado por Gilberto Freyre, sob inspiração de Franz Boas, antropólogo culturalista do início do século XX que foi pioneiro na rejeição dos modelos biológicos de explicação das sociedades humanas. Por isso mesmo, esse museu antropológico, vinculado à Fundação Joaquim Nabuco, não abriga ossos, apenas artefatos da cultura material da Região Nordeste.
Um dos pressupostos do Museu do Homem do Nordeste, segundo Maria Fernanda Pinheiro, é que não existe o nordestino, mas os nordestinos: múltiplos, diversos. “O Nordeste real é diferente daquele folclorizado, reproduzido pela mídia, hostil às acelerações da memória”, afirmou a palestrante. “Preservar a memória não significa negar as mudanças em curso na região. Os nordestinos de carne e osso devem escolher se preferem ser representados sempre confinados em território imaginados de beatos, cangaceiros e seca. No Nordeste há tanto chuva, como mudança”, provocou.
Conforme explicou Maria Fernanda, a museologia da instituição repousa sobre o desejo de “restaurar a história dos objetos do acervo”. A palestrante lembrou uma frase de Boaventura dos Santos que sintetiza essa ideia de forma poética: “o objeto é a continuação dos sujeitos por outros meios”. Norteado por esse princípio, foi criado um projeto chamado “Museu Múltiplo”, que percorre os nove estados nordestinos registrando sua diversidade cultural.
O primeiro passo da metodologia consiste em conversar com as comunidades em locais previamente escolhidos. O segundo passo é oferecer a montagem conjunta de uma exposição sobre o Nordeste naquele local, para que, a partir dela, as pessoas reconstruam sua memória, seu pertencimento e sua identidade, à medida que fazem escolhas e contam o que sabem sobre aquelas imagens e temas.
Em princípio, a ideia é muito boa, já que atualiza e amplia o leque de interpretações das coleções do Museu do Homem do Nordeste. Contudo, não são as peças propriamente ditas que são levadas; apenas banners e painéis com reproduções fotográficas do acervo. Além disso, não deu para compreender se a comunidade pode escolher o que quer que figure nos banners ou se tais elementos já chegam prontos às cidades.
A palestrante explicou que o projeto Museu Múltiplos começou pelo terreiro de candomblé Ilê Axé Ijexá Orixá Olufon, em Itabuna. O babalorixá foi convidado para um seminário avançado de museologia social, no qual deu uma palestra chamada “A etnografia vista pelo etnografado”. Aí foi-lhe feito o convite. Ele consultou a comunidade, que encampou a ideia. Então, a equipe do museu passou uma semana no terreiro, participando de seu cotidiano e montando a exposição, que ficou em cartaz durante três meses. Nesse período, o terreiro recebeu visitantes, escolas e, segundo Maria Fernanda, “assumiu efetivamente o papel de museu, ao menos seu papel de mediação entre a sociedade e o patrimônio e a memória”. Pessoas que antes tinham preconceito com o terreiro foram lá para conhecer a exposição. Ao mesmo tempo, dentro do terreiro surgiu o desejo de fazer futuramente seu próprio museu. Nas palavras de Maria Fernanda, “sua visão sobre o que é museu – como um local capaz de incorporar vivências – mudou com a partir desse projeto”.
Uma segunda experiência ocorreu na Colônia Penal Feminina Bom Pastor, em Recife. Optou-se por um presídio, em virtude do contraste em relação à harmonia do terreiro. A própria Maria Fernanda Pinheiro e a antropóloga do museu foram apresentadas a cinco lideranças presidiárias. Algumas delas puderam ir visitar o museu. Em seguida, as internas pediram que lhes fosse oferecido um curso de fotografia, e o museu contratou uma fotógrafa carioca que já tinha um trabalho com fotografia carcerária. As presas também quiseram ajuda para organizar um desfile de moda, para o qual uma estilista profissional foi convidada. Como se vê, a questão da autorrepresentação era fundamental para as presidiárias, que precisavam se ver nas fotos e explorar sua feminilidade.
Na opinião dessa relatora, o Museu do Homem do Nordeste acerta em rejeitar as grandes generalizações e os estereótipos, e também em não privilegiar alguns poucos protagonistas heróicos, buscando, ao contrário, representar uma miríade de práticas, representações e ambientes socioculturais. Divulgar tradições afro-brasileiras em Itabuna para pessoas que normalmente não vão a terreiros é uma forma de democratizar o patrimônio cultural. Trabalhar a identidade e a autorrepresentação – focos da ação na colônia penal – são atribuições caras aos museus tradicionais.
Mesmo assim, três conjuntos de questões foram se delineando durante a fala da museóloga. Não encontrei respostas para elas, mas creio ser interessante compartilhá-las com o leitor.
1. O papel de um museu é totalmente flexível ou seu espectro de ação deve ter limites? Até que ponto é papel de um museu antropológico financiado por recursos públicos organizar um desfile de moda? Esse tipo de iniciativa não deveria ser levada a cabo por outro tipo de instituição?
2. Em que medida as ações do projeto Museu Múltiplo realizadas fora dos muros da instituição geram transformações no próprio Museu do Homem do Nordeste? Tais ações não fariam sentido apenas se musealizadas de alguma maneira, na forma de textos e vídeos que passam a ser expostos junto com a coleção de objetos? Ou o mero fato de membros da equipe do museu terem vivido tais experiências podem ser consideradas como um desencadeador de mudanças de médio prazo na maneira de expor e de interpretar os objetos dentro do museu?
3. Os membros da comunidade do terreiro passaram a visitar outros museus, após participarem do Projeto Múltiplo? E as presidiárias, passaram a ter outra visão sobre o que é museu ou sobre o que é patrimônio cultural? Ou seja, além de o museu ter desenvolvido ações de responsabilidade social, ele semeou o interesse museológico nos beneficiários do projeto?
O leitor perceberá a seguir que praticamente as mesmas questões se aplicam às iniciativas apresentadas pelo segundo palestrante da mesa.
Se Maomé não vai à montanha... Ações extramuros do Museu de Arte Contemporânea de Niterói
De acordo com seu diretor, Guilherme Bueno, o MAC-Niterói foi criado em 1996, “para fortalecer a autoestima da cidade, que tem sua identidade permanentemente confrontada com a do Rio de Janeiro”. Abriga, de um lado, a coleção de João Sattamini, e, de outro, uma coleção pública, que vem sendo constituída desde a inauguração do museu.
Bueno contou que “o impacto da implantação do museu no turismo e na economia foi considerável. Não apenas se expõe um patrimônio, mas estabelecem-se relações com a cultura e o entorno”. O projeto arquitetônico é assinado por Oscar Niemeyer e o edifício, localizado no alto de um morro, lembra um disco voador. Cercado por um espelho d’água, dialoga diretamente com a vastidão do mar logo à frente. As paisagens natural e arquitetônica, sem dúvida, ajudam a atrair visitantes.
O setor educativo do MAC-Niterói teve suas diretrizes definidas por Guilherme Vergara, que foi por muitos anos diretor do Departamento de Educação e, depois, diretor-geral do Museu. Um dos eixos é a vinculação entre arte e ação socioambiental. Guilherme Bueno explicou:
Existe uma comunidade carente próxima ao Museu. A Secretaria da Saúde levava para lá o Programa Saúde da Família. Resolvemos fazer algo similar, fazendo com que a arte chegasse a estes bairros. Ao mesmo tempo, pretendíamos atuar em prol da conscientização ambiental.
Conforme o palestrante, os referenciais teóricos para o desenvolvimento das ações vieram de três fontes: a discussão sobre a superação da relação passiva entre obra e público, que caracteriza a arte contemporânea; leituras sobre educação, liberdade e autonomia de Paulo Freire; reflexões sobre pobreza, cidadania e desenvolvimento urbano de Milton Santos.
Para aproximar o museu da comunidade envolvente, desde 2000 vinham sendo oferecidas oficinas de jogos neoconcretos (jogos interativos baseados nas obras da coleção de João Sattamini), de papel reciclado, de paisagismo e jardinagem, aos jovens do Morro do Palácio. A única exigência era que eles estivessem também matriculados na escola formal. Em 2008, foi dado um passo maior. Construiu-se, no alto do Morro, o Módulo de Ação Comunitária, desenhado por Niemeyer e financiado pelo BNDES. Ali são ministradas oficinas de papel reciclado, com a finalidade de “ativação poética do trabalho manual”, segundo o palestrante. “Os objetos produzidos nas oficinas são vendidos, aliando o exercício da criatividade à geração de renda e à conscientização ambiental”[2]. Outras atividades oferecidas no Módulo de Ação Comunitária são canto, violão, serigrafia, escrita criativa, grafite e fotografia. No local funcionam ainda uma biblioteca e uma sala de informática.
Respondendo a uma pergunta da plateia, no final da mesa-redonda, Guilherme elucidou que os profissionais que trabalham no “Maquinho”, apelido do Módulo de Ação Comunitária, são pagos pela Prefeitura. Outra forma de financiamento dos projetos são prêmios e editais. Além disso, a Associação de Amigos do Museu financia ações especiais e obras no edifício. Aliás, elas foram realmente necessárias, em 2010 e 2011: por conta de deslizamentos de terra no Morro do Palácio, o edifício ficou interditado por quase dois anos. Mas já foi reativado.
Uma segunda iniciativa extramuros do MAC-Niterói resultou da parceria com a organização norueguesa Kultur.Akershus. Em 2010, foi proposto aos moradores do Morro do Estado que transformassem as fachadas de suas casas e desenvolvessem um projeto de paisagismo na comunidade. Todas as intervenções foram pensadas e executadas pelos próprios moradores. Pela primeira vez, organizou-se a numeração das casas, o que lhes possibilitou receber a correspondência das mãos do carteiro. “Essa não deixa de ser uma forma pela qual o museu confere visibilidade aos cidadãos e provoca transformação na cidade”, refletiu Guilherme Bueno. Para essa relatora, o único senão foi a duração do projeto: apenas duas semanas de ações no Morro do Estado. Parece um período muito curto para deixar efeitos duradouros. Esse era também o temor de alguns moradores que deram depoimentos no vídeo de documentação do projeto[3].
O palestrante mencionou ainda uma terceira iniciativa de democratização do MAC-Niterói: uma linha de publicações chamada “Monografias de Bolso”, cujos livros estão disponíveis para download gratuito no site do museu.
A especificidade das ações de “inclusão social” nos museus: uma questão em aberto
No final de sua fala, Guilherme Bueno insistiu que é preciso rediscutir o papel dos museus, descobrir novas funções para eles e abandonar o posicionamento elitista. Sem dúvida, isto vem acontecendo, e não apenas com o MAC-Niterói. As próprias definições de museu se transformaram significativamente nas duas últimas décadas.
Vale a pena recuperar, aqui, duas definições, uma internacional, outra nacional. Eis, primeiramente, a definição aprovada pela 20ª Assembleia Geral do Icom, em Barcelona, em julho de 2001: o museu é uma
[...] instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade.
A definição do Iphan, publicada em outubro de 2006, aborda de forma mais detalhada as dimensões da democratização e da “inclusão”.
O museu é uma instituição com personalidade jurídica própria ou vinculada a outra instituição com personalidade jurídica, aberta ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento e que apresenta as seguintes características:
I – o trabalho permanente com o patrimônio cultural, em suas diversas manifestações;
II – a presença de acervos e exposições colocados a serviço da sociedade com o objetivo de propiciar a ampliação do campo de possibilidades de construção identitária, a percepção crítica da realidade, a produção de conhecimentos e oportunidades de lazer;
III – a utilização do patrimônio cultural como recurso educacional, turístico e de inclusão social;
IV – a vocação para a comunicação, a exposição, a documentação, a investigação, a interpretação e a preservação de bens culturais em suas diversas manifestações;
V – a democratização do acesso, uso e produção de bens culturais para a promoção da dignidade da pessoa humana;
VI – a constituição de espaços democráticos e diversificados de relação e mediação cultural, sejam eles físicos ou virtuais.
Nota-se, portanto, que a “inclusão social” e a democratização do acesso tornaram-se verdadeiras bandeiras no museu do século XXI. Se por um lado isso representa um avanço, no sentido de admitir que as desigualdades presentes na sociedade como um todo se refletem, também, na apropriação do patrimônio cultural, por outro lado parece que ainda estamos tateando no que concerne à definição de metodologias e estratégias específicas para instituições museológicas.
Não ficou claro para o público presente nessa mesa-redonda no que as oficinas de reciclagem de papel desenvolvidas pelo MAC-Niterói junto aos jovens da favela diferem de oficinas oferecidas por quaisquer outras entidades do Terceiro Setor. Ou por que o desfile de moda organizado pelo Museu do Homem do Nordeste com as presidiárias não poderia ter sido apoiado por uma empresa de vestuário que tenha um instituto de responsabilidade social empresarial. Em suma: resta pensar qual a particularidade das ações de “inclusão” levadas a cabo por museus e de que maneira essas ações podem estar coerentemente alinhadas com a tripla vocação dos museus: preservação de acervo, investigação e comunicação.
A confirmação de que tal inquietação não estava passando somente pela minha cabeça veio quando Mila Chiovatto, da plateia, indagou à Maria Fernanda Pinheiro: “O que permanece do Museu do Homem do Nordeste nas ações do projeto Museu Múltiplo?”. A resposta de Maria Fernanda foi a seguinte: “Prevalece o sujeito acima de tudo. Temos que pensar primeiro nos homens e depois nos objetos. Todas as atividades do Museu do Nordeste têm esse foco”. Não houve tempo, mas eu gostaria de ter continuado a provocação de Mila Chiovatto: “De que maneira o Museu do Homem do Nordeste se transforma a partir de cada edição do projeto Museu Múltiplo? As explicações sobre os objetos incorporam os depoimentos recolhidos em suas incursões de campo? Fotografias e vídeos produzidos nas comunidades passam a integrar o percurso expositivo?”. Pelo que foi dito na mesa-redonda, tenho quase certeza que as respostas seriam não, não e não.
Indaguei a Guilherme Bueno qual foi a adesão dos moradores do Morro do Palácio ao “Maquinho” e se eles passaram a frequentar a sede principal do MAC, no asfalto. Ao que Guilherme respondeu: “Houve grande adesão na comunidade. E alguns dos antigos participantes das oficinas hoje fazem parte do quadro do Museu. Mas a verdade é que a frequência dos moradores do Morro ainda se dá primordialmente por meio das oficinas, não existe um público espontâneo da comunidade para as exposições de arte moderna e contemporânea”. Outra pessoa da plateia quis saber se, no Morro do Estado, os beneficiários do projeto “Caminhos Coloridos” passaram a ir ao Museu. Guilherme respondeu apenas que “uma das atividades de sensibilização das lideranças da comunidade, no início do projeto, foi uma visita guiada ao Museu”.
As ações de “inclusão social” descritas nessa mesa-redonda são louváveis e merecem ampla divulgação. O que não significa que não reste ainda um certo caminho a percorrer, rumo a estratégias que impactem também dentro dos próprios museus, que lhes tragam novos públicos, que se traduzam em novas formas de cocuradoria e novas interpretações dos objetos.
[1] GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.
[2] Mais informações sobre o Módulo de Ação Comunitária no Morro do Palácio podem ser encontradas em: http://modulodeacaocomunitaria.blogspot.com.br/p/historico.html. Acesso em: 7 jul. 2012.
[3] Um vídeo registrando o desenrolar do projeto está disponível em: http://carvalho.multiply.com/video/item/923/Arte_no_Morro_do_Estado?&show_interstitial=1&u=%2Fvideo%2Fitem. Acesso em: 7 set. 2012.