Um museu bem equipado
A mesa inicia-se com uma apresentação de Ana Paula Nascimento, que comenta, em nome do SISEM, o levantamento realizado no ano passado sobre os museus do município de São Paulo, concentrando-se sobre os museus de arte, que são pelo SISEM compreendidos de acordo com uma série de tipologias, tais como museus de arte contemporânea, museus de arte primitiva ou naify, museus de arte sacra; museus de imagem e som, museus de tipologias diversas com acervos de arte e assim por diante.
Não seria intuito deste relato reproduzir a abundância de dados compilados na apresentação da palestrante; de fato, o formulário enviado a todos os museus de arte da cidade, públicos e privados – formulário que, de resto, deixou de ser preenchido por muitas instituições –, parece pretender um levantamento a respeito das condições de cada uma das instituições que seria, decerto, capaz de formar as bases para uma interpretação acerca do estado do museu hoje, ao menos no município de São Paulo.
Mas caberia perguntar, de passagem, até que ponto a realização de um levantamento como esse – muito embora carregue como possibilidade o mérito de tornar pública a situação de muitos museus, e, em decorrência disto, reclamar uma atenção maior a eles por parte do Estado e por parte da sociedade em que se inserem – já não trai em si mesma uma interpretação muito encerrada acerca das instituições. Ou, mais do que isso, até que ponto não existe certa oscilação no caráter ostensivamente objetivo desta realização de um levantamento de informações a respeito das condições dos museus.
É preciso pensarmos em que medida tal levantamento não se ocupa apenas de fazer as vezes de um trabalho que se diz “de base”. De fato, tal trabalho será sempre e eternamente insuficiente, seja porque, quaisquer que sejam os dados levantados, eles precisarão ser sempre postos à prova, seja porque, ainda, tal levantamento não é realizado por uma instituição que obrigue o preenchimento dos dados por parte das instituições (o que, ademais, seria o mesmo que fazer as vezes de uma inspetoria interna!). Mas o que parece mais problemático, aqui, é que não há como saber em que medida os próprios critérios ali observados já não pressupõem um modelo bem equipado de museu. Qualquer que seja a instituição capaz de marcar a resposta “correta” em todas as as lacunas a serem preenchidas no formulário seria, certamente, um museu em que nada faltaria: ele teria uma equipe de pesquisa, possuiria a mais avançada rede de segurança, um conselho que acompanharia suas atividades, um sem número de exposições temporárias, itinerantes etc. etc. Ninguém duvidaria de que tais “equipamentos” soe razoável. O único problema é que às vezes o modelo de museu que aquele levantamento, em seu conjunto, acaba por descrever se impõe de modo muito decisivo à própria cadência histórica de uma ou outra instituição. Ora, não seria preciso ficarmos aqui buscando exemplos de instituições que são invejáveis pelo aparato que possuem, mas que, de resto, traem uma evidente vulgaridade naquilo que exibem e naquilo que “pesquisam”. Isto é uma banalidade, mas talvez seja preciso considerar até que ponto o “modelo” para um museu não deva ser pensado caso a caso. Seria, afinal, demasiado absurdo que um museu dependesse de seu acervo de um modo um pouco mais reflexivo do que aquele que se contenta em salvaguardá-lo e, vez ou outra, cumprir a exigência de exibi-lo? A questão que se pretende esboçar aqui talvez seja melhor formulada da seguinte forma: quem sabe não se possa descartar de saída a possibilidade de que um museu qualquer, como coisa histórica, venha de repente a não mais operar sínteses em atrito com sua região, com a cidade, com a cultura; ou, talvez, ainda como coisa histórica, simplesmente não tenha como escapar à oscilação do interesse sobre ele mesmo. Tal questão mereceria grande atenção, sem dúvida; e não parece curioso que exatamente ela acabasse por se dissolver ao final da mesa, num clima de ansiedade por esclarecimentos e por pedidos de verbas para este ou aquele museu (ansiedade legítima, sem dúvida, mas, convenhamos, incapaz de ser ali sanada), como foi possível acompanhar ao longo das apresentações da mesa e sobretudo nas perguntas e comentários do público...
Não resta dúvidas de que o Museu de Arte de Ribeirão Preto, sobre o que comentou Nilton Campos, à frente da instituição nos últimos anos e responsável por boa parte de seus programas, desempenha um papel de absoluta importância para a arte contemporânea no país – é notável sobretudo o número de artistas, cuja trajetória se consolida hoje, que passaram pelo reconhecido salão de arte contemporânea do MARP.
Mas, como aponta o próprio palestrante, embora realize diversas exposições temporárias, de arte contemporânea e de formação de público, e embora seja bastante visitado pelas cidades vizinhas, o MARP possui uma equipe restrita, que acumula diversas funções, contando, então, para a realização de sua agenda, muito mais com esforços pessoais do que com uma decisiva política pública com relação aos museus. Nilton chega a comentar que, embora o museu possua um arquivo e um núcleo de documentação (dois dos critérios observados no formulário enviado aos museus acima mencionado), ambos ficam em segundo plano, porque ali se opta por uma frente de realização de exposições (outro critério abordado no mesmo formulário), entre elas o também comentado salão de arte contemporânea. Nilton reivindica, com razão, uma intervenção do Estado na situação atual em que o MARP se encontra. Mas o que seria preciso considerar, aí, e que falta, é que o caso é o de um museu que desfruta de um devido prestígio no meio intelectual do Estado de São Paulo – basta ver o número de artistas que intervém hoje no cenário artístico do país e que passaram pelo salão de arte contemporânea do museu. Mas o que dizer de um museu que, de repente, simplesmente descobre-se ao largo dos interesses da cultura? Deve ser ele extinto? Deve ter sua importância repensada? Tais questões, é claro, são de primeira ordem. E o que parece desencatador é o fato de que elas estejam ainda muito longe de serem abordadas (se é que não são de fato afastadas), exatamente porque, no lugar delas, a tentativa parece ser sempre a de buscar quais são os bons critérios para se pensar um museu qualquer.
Num balanço geral, ficava patente na mesa e nos comentários a ela dirigidos o quanto as reivindicações ali apresentadas – a necessidade de se criar ações que visassem à capacitação técnica de funcionários, a consolidação de uma rede de informações capaz de auxiliar numa busca (individual) de verba e patrocínio – restariam tão pontuais quanto as necessidades objetivas de cada museu representado.