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Sobre algumas prerrogativas da Secretaria de Estado da Cultura com relação aos museus do estado de São Paulo

Por Carlos Eduardo Riccioppo – Relato da mesa “Diagnóstico e documentação de acervos museológicos: referência para o Estado de São Paulo
”, 2º Encontro Paulista de Museus, 22/06/2010

Por Carlos Eduardo Riccioppo

 

A terceira mesa do período da tarde de terça-feira do dia 22 de junho no âmbito do II Encontro Paulista de Museus tratou de apresentar parte do trabalho de documentação e diagnóstico de 15 dentre os 23 museus do Estado de São Paulo ligados à Secretaria de Estado da Cultura. Primeiro falou Claudinéli Moreira Ramos, diretora da Unidade de Preservação do Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura (SEC), e, a seguir, Márcia Pazin, representante da Fundação Energia e Saneamento, que esteve ligada ao projeto.

Duas questões poderiam ser levantadas com vistas à exposição de Claudinéli, que comentou o processo de trabalho, definiu suas prioridades e buscou fazer um diagnóstico da situação e das dificuldades encontradas ao se pensar a estrutura, os projetos educativos e as políticas de acervo das instituições museológicas do Estado de São Paulo.

A primeira dessas questões diz respeito ao modo de captação de recursos para o trabalho: a saga da busca de recursos para o projeto – que terminou na aprovação do projeto pela Lei Rouanet – era apresentada à platéia do evento como algo positivo. Caberia, aqui, reparar no quanto de desconforto o modo de captação de recursos para o projeto não revelaria, colocando-nos diante de uma situação de tão pouca importância pública a que as instituições museológicas estariam atualmente subordinadas (isto, sim, que talvez merecesse maior dedicação ao longo do evento), que teria, em primeiro lugar, levado a própria Secretaria de Estado da Cultura a buscar apoio de fora. É de se notar, porém, que a maior inversão não está tanto na atitude da Secretaria – condenável, por certo –, mas na inesperada passividade com que se recebe uma informação dessa natureza. O simples fato de que possamos ser informados à luz do dia a respeito de um trâmite como aquele por si só já nos coloca diante da suspeita de que as políticas públicas relacionadas à esfera da cultura sofrem de um desprestígio talvez jamais aventado. Afinal, os secretários de cultura e os responsáveis por instituições museológicas que compunham a plateia ali presente ouviam com atenção a “bem-sucedida” investida da Secretaria em busca do financiamento para seu projeto, decerto na esperança de que as instituições por eles conduzidas pudessem em algum momento futuro receber a sua fatia.

Não se pretenderia dizer que o grande problema que se revelava naquela mesa fosse em si a ansiedade das instituições ainda não contempladas pelo auxílio do Estado. Ora, tais instituições se reconhecem de mãos atadas, antevendo, quer conscientemente ou não, um horizonte de tal ruína, que qualquer intervenção pareceria bem-vinda – mesmo que o custo do auxílio do Estado a elas neste momento signifique, a longo prazo (é este, no fim das contas, o grande “projeto” que estava ali a ser apresentado), o seu derradeiro abandono à própria sorte, exatamente o que vem na esteira da tão aclamada “municipalização” das instituições museológicas.

Este breve relato sequer precisaria reivindicar uma revisão da história dos museus para chamar a atenção para o problema patente que esse tipo de instituição enfrenta na situação contemporânea. Trata-se de uma questão de vigência, de indagação da importância pública dos museus para a formação da sociedade, que talvez demonstre cada vez mais prescindir do trabalho dessas instituições. Isto por certo mereceria uma discussão mais aprofundada, preocupada em indagar os processos históricos que desencadearam o desprestígio dos museus nas expectativas de ocupação e intervenção no espaço da cidade ao longo dos últimos anos. Mas, no âmbito de um encontro destinado a discutir a situação singular dos museus do Estado de São Paulo, bastaria que um tal desprestígio não fosse tomado como a justificativa central das políticas públicas do Estado. É  esse desprestígio aquilo que se apresenta como a base argumentativa da necessidade de se pensar novas estratégias curatoriais para todos os museus (necessidade que se reitera ao longo das mesas do evento como a grande descoberta da Secretaria de Estado da Cultura), o que já seria discutível: será que somente por atrair o público a todo custo o museu estaria redimido de pensar a sua importância pública? Mas isso parece ser apenas um eco de um problema de fato mais engastado. Esse desprestígio não é somente o que move a reiterada necessidade de revisão dos programas curatoriais das instituições; ele está na origem do movimento mais amplo das políticas culturais do Estado de abrirem mão, pouco a pouco, da sua função de discutir essas instituições, sua importância, sua relevância, sua continuidade. O que se revela mais preocupante, ao longo das mesas que compõem o II Encontro Paulista de Museus, é a determinação atual do Estado em deixar de atentar para os museus, uma vez que as atividades dos museus não se revertem sequer em prestígio público para a sua atual gestão – já que em lucro direto eles talvez jamais se tenham revertido.

Não é preciso dizer que tal determinação carrega uma série de prerrogativas, dentre as quais a ideia de “profissionalização” parece ser a mais evidente. A ideia, inclusive, foi muitas vezes destacada ao longo do evento, muito embora sempre com valor positivo – como se fosse uma necessidade intrínseca, capaz de redefinir a presença da instituição com relação à cidade. Voltaremos às consequências da exigência de uma maior “profissionalização” das instituições a seguir, mas desde já é preciso notar o quanto ela se demonstra vaga no que diz respeito a uma reflexão sobre o papel do museu na cultura contemporânea, deixando entrever, ademais, um compromisso não com tal reflexão, mas com uma condução das políticas públicas que visa a uma aproximação demasiado delicada de suas instituições com um modelo de instituições privadas.

A segunda questão que valeria a pena levantar se refere a algumas das prerrogativas do projeto de diagnóstico dos acervos dos museus, decerto prerrogativas que deixariam entrever a posição da SEC com relação ao que esperaria das instituições a ela ligadas. Trata-se de parte daquilo que define as diretrizes – a serem publicadas em breve – para o trabalho das instituições, isto que orientou a criação de um conselho para orientação curatorial, cuja pauta era definir planejamento estratégico, missão, visão, valores e perfil museológico, por parte da SEC.             Embora coubesse avaliar como algo importante a tentativa administrativa da SEC em buscar uma compreensão da totalidade do conjunto do acervo dos museus do Estado de São Paulo (tentativa que ao final do projeto gerou uma base de dados com informações sobre esse acervo, que antes, segundo a Secretaria, não estava devidamente documentado), bem como coubesse salientar a preocupação do projeto em pensar o museu como algo que não para no tempo e que continua crescendo (de modo que por si só a instituição demonstraria a necessidade de ser continuamente pensada em suas estruturas por especialistas que estejam em contato com o público de cada uma dessas instituições), seria, por outro lado, necessário que se pensasse nos riscos que se apresentam quando se fala em uma avaliação do que é preciso preservar, adquirir e, sobretudo, descartar dos acervos já constituídos.

É claro que, como afirmava Claudinéli, o museu possui certa responsabilidade com relação àquilo que dispõe e apresenta, de modo que faria sentido pensar na reivindicação da SEC acerca da necessidade de que os museus se perguntassem sobre o lugar em que pretendem chegar; mas caberia pensar, por outro lado, até que ponto o interesse de muitas das instituições museológicas não reside exatamente naquilo que possuem, talvez, de uma relação de algum modo ainda orgânica com a população que a cerca; caberia pensar se aquilo que era no evento apontado pela SEC como um risco – a possibilidade de que, sem que se submetessem a um plano museológico muito bem definido, os museus acabariam por se tronar “museus de tudo” – não deveria ser compreendido de modo mais cauteloso, a se reparar que exatamente tais instituições talvez se mostrassem, quem sabe, eximidas da preocupação que acompanhou praticamente todas as mesas do evento – a de que haveria um descolamento entre museu e cidade. Tal indagação por certo ofereceria algumas balizas para se pensar os problemas que a exigência de uma “profissionalização” das instituições carrearia.

A exposição de Márcia Pazin, por sua vez, demonstrou-se mais detida na descrição do processo de trabalho do projeto de documentação dos museus da SEC, encerrando-se com a afirmação de que o saldo dos trabalhos foi principalmente administrativo.Relato da mesa “Diagnóstico e documentação de acervos museológicos: referência para o Estado de São Paulo
”, 2º Encontro Paulista de Museus, 22/06/2010

 

A terceira mesa do período da tarde de terça-feira do dia 22 de junho no âmbito do II Encontro Paulista de Museus tratou de apresentar parte do trabalho de documentação e diagnóstico de 15 dentre os 23 museus do Estado de São Paulo ligados à Secretaria de Estado da Cultura. Primeiro falou Claudinéli Moreira Ramos, diretora da Unidade de Preservação do Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura (SEC), e, a seguir, Márcia Pazin, representante da Fundação Energia e Saneamento, que esteve ligada ao projeto.

Duas questões poderiam ser levantadas com vistas à exposição de Claudinéli, que comentou o processo de trabalho, definiu suas prioridades e buscou fazer um diagnóstico da situação e das dificuldades encontradas ao se pensar a estrutura, os projetos educativos e as políticas de acervo das instituições museológicas do Estado de São Paulo.

A primeira dessas questões diz respeito ao modo de captação de recursos para o trabalho: a saga da busca de recursos para o projeto – que terminou na aprovação do projeto pela Lei Rouanet – era apresentada à platéia do evento como algo positivo. Caberia, aqui, reparar no quanto de desconforto o modo de captação de recursos para o projeto não revelaria, colocando-nos diante de uma situação de tão pouca importância pública a que as instituições museológicas estariam atualmente subordinadas (isto, sim, que talvez merecesse maior dedicação ao longo do evento), que teria, em primeiro lugar, levado a própria Secretaria de Estado da Cultura a buscar apoio de fora. É de se notar, porém, que a maior inversão não está tanto na atitude da Secretaria – condenável, por certo –, mas na inesperada passividade com que se recebe uma informação dessa natureza. O simples fato de que possamos ser informados à luz do dia a respeito de um trâmite como aquele por si só já nos coloca diante da suspeita de que as políticas públicas relacionadas à esfera da cultura sofrem de um desprestígio talvez jamais aventado. Afinal, os secretários de cultura e os responsáveis por instituições museológicas que compunham a plateia ali presente ouviam com atenção a “bem-sucedida” investida da Secretaria em busca do financiamento para seu projeto, decerto na esperança de que as instituições por eles conduzidas pudessem em algum momento futuro receber a sua fatia.

Não se pretenderia dizer que o grande problema que se revelava naquela mesa fosse em si a ansiedade das instituições ainda não contempladas pelo auxílio do Estado. Ora, tais instituições se reconhecem de mãos atadas, antevendo, quer conscientemente ou não, um horizonte de tal ruína, que qualquer intervenção pareceria bem-vinda – mesmo que o custo do auxílio do Estado a elas neste momento signifique, a longo prazo (é este, no fim das contas, o grande “projeto” que estava ali a ser apresentado), o seu derradeiro abandono à própria sorte, exatamente o que vem na esteira da tão aclamada “municipalização” das instituições museológicas.

Este breve relato sequer precisaria reivindicar uma revisão da história dos museus para chamar a atenção para o problema patente que esse tipo de instituição enfrenta na situação contemporânea. Trata-se de uma questão de vigência, de indagação da importância pública dos museus para a formação da sociedade, que talvez demonstre cada vez mais prescindir do trabalho dessas instituições. Isto por certo mereceria uma discussão mais aprofundada, preocupada em indagar os processos históricos que desencadearam o desprestígio dos museus nas expectativas de ocupação e intervenção no espaço da cidade ao longo dos últimos anos. Mas, no âmbito de um encontro destinado a discutir a situação singular dos museus do Estado de São Paulo, bastaria que um tal desprestígio não fosse tomado como a justificativa central das políticas públicas do Estado. É  esse desprestígio aquilo que se apresenta como a base argumentativa da necessidade de se pensar novas estratégias curatoriais para todos os museus (necessidade que se reitera ao longo das mesas do evento como a grande descoberta da Secretaria de Estado da Cultura), o que já seria discutível: será que somente por atrair o público a todo custo o museu estaria redimido de pensar a sua importância pública? Mas isso parece ser apenas um eco de um problema de fato mais engastado. Esse desprestígio não é somente o que move a reiterada necessidade de revisão dos programas curatoriais das instituições; ele está na origem do movimento mais amplo das políticas culturais do Estado de abrirem mão, pouco a pouco, da sua função de discutir essas instituições, sua importância, sua relevância, sua continuidade. O que se revela mais preocupante, ao longo das mesas que compõem o II Encontro Paulista de Museus, é a determinação atual do Estado em deixar de atentar para os museus, uma vez que as atividades dos museus não se revertem sequer em prestígio público para a sua atual gestão – já que em lucro direto eles talvez jamais se tenham revertido.

Não é preciso dizer que tal determinação carrega uma série de prerrogativas, dentre as quais a ideia de “profissionalização” parece ser a mais evidente. A ideia, inclusive, foi muitas vezes destacada ao longo do evento, muito embora sempre com valor positivo – como se fosse uma necessidade intrínseca, capaz de redefinir a presença da instituição com relação à cidade. Voltaremos às consequências da exigência de uma maior “profissionalização” das instituições a seguir, mas desde já é preciso notar o quanto ela se demonstra vaga no que diz respeito a uma reflexão sobre o papel do museu na cultura contemporânea, deixando entrever, ademais, um compromisso não com tal reflexão, mas com uma condução das políticas públicas que visa a uma aproximação demasiado delicada de suas instituições com um modelo de instituições privadas.

A segunda questão que valeria a pena levantar se refere a algumas das prerrogativas do projeto de diagnóstico dos acervos dos museus, decerto prerrogativas que deixariam entrever a posição da SEC com relação ao que esperaria das instituições a ela ligadas. Trata-se de parte daquilo que define as diretrizes – a serem publicadas em breve – para o trabalho das instituições, isto que orientou a criação de um conselho para orientação curatorial, cuja pauta era definir planejamento estratégico, missão, visão, valores e perfil museológico, por parte da SEC.             Embora coubesse avaliar como algo importante a tentativa administrativa da SEC em buscar uma compreensão da totalidade do conjunto do acervo dos museus do Estado de São Paulo (tentativa que ao final do projeto gerou uma base de dados com informações sobre esse acervo, que antes, segundo a Secretaria, não estava devidamente documentado), bem como coubesse salientar a preocupação do projeto em pensar o museu como algo que não para no tempo e que continua crescendo (de modo que por si só a instituição demonstraria a necessidade de ser continuamente pensada em suas estruturas por especialistas que estejam em contato com o público de cada uma dessas instituições), seria, por outro lado, necessário que se pensasse nos riscos que se apresentam quando se fala em uma avaliação do que é preciso preservar, adquirir e, sobretudo, descartar dos acervos já constituídos.

É claro que, como afirmava Claudinéli, o museu possui certa responsabilidade com relação àquilo que dispõe e apresenta, de modo que faria sentido pensar na reivindicação da SEC acerca da necessidade de que os museus se perguntassem sobre o lugar em que pretendem chegar; mas caberia pensar, por outro lado, até que ponto o interesse de muitas das instituições museológicas não reside exatamente naquilo que possuem, talvez, de uma relação de algum modo ainda orgânica com a população que a cerca; caberia pensar se aquilo que era no evento apontado pela SEC como um risco – a possibilidade de que, sem que se submetessem a um plano museológico muito bem definido, os museus acabariam por se tronar “museus de tudo” – não deveria ser compreendido de modo mais cauteloso, a se reparar que exatamente tais instituições talvez se mostrassem, quem sabe, eximidas da preocupação que acompanhou praticamente todas as mesas do evento – a de que haveria um descolamento entre museu e cidade. Tal indagação por certo ofereceria algumas balizas para se pensar os problemas que a exigência de uma “profissionalização” das instituições carrearia.

A exposição de Márcia Pazin, por sua vez, demonstrou-se mais detida na descrição do processo de trabalho do projeto de documentação dos museus da SEC, encerrando-se com a afirmação de que o saldo dos trabalhos foi principalmente administrativo.