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Situações singulares de alguns museus no interior do estado de São Paulo

Por Carlos Eduardo Riccioppo – Relato referente à manhã de quarta-feira, dia 23/06/2010. As mesas do período foram: às 9h, Cecília Machado, falava sobre o Sistema Estadual de Museu – SISEM, onde é diretora do grupo técnico; às 9h30 falou-se sobre a atuação dos pólos culturais do Estado de São Paulo, e a mesa era composta por Adriana Silva, Secretária municipal de Cultura de Ribeirão Preto, José Fábio Nogueira, Secretário municipal de Cultura de Presidente Prudente
, e Carlos Alberto Pereira Jr, Secretário municipal de Cultura de Iguape; às 11h abriu-se a inscrição para dez propostas, em que secretários da cultura de várias cidades puderam manifestar sua situação e reivindicar auxílio para as instituições de que são responsáveis.

Por Carlos Eduardo Riccioppo

 

Dizendo-se mais dedicada à prática museológica, quem iniciava as atividades de quarta-feira no âmbito do II Encontro Paulista de Museus era Cecília Machado, diretora do grupo técnico do Sistema Estadual de Museu (SISEM). A exposição de Cecília mesclava um caráter de depoimento e um diagnóstico da situação da prática de museologia hoje, bem como arriscava definir o papel do Estado de São Paulo com relação aos museus dos municípios.

Cabe notar o caráter elogioso da exposição de Cecília ao que ela chamou de uma nova postura da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) com relação ao SISEM, órgão que existe desde 1986, mas que teria atuado sem recursos até 2008. Cecília afirmava que o diagnóstico dos últimos dois anos era bom, o que para ela teria algo a ver com a quantidade de parcerias realizadas no período, e dizia ainda que nos últimos seis ou sete anos vem notando uma melhora dos projetos voltados aos museus.

A definição do papel do Estado de São Paulo, para Cecília, passava pela afirmação de que não seria possível haver normas que se aplicassem para pensar todas as instituições museológicas ligadas à SEC, de modo que o trabalho a ser desenvolvido deveria operar por uma atenção singular a cada instituição – para ela, em face da diversidade das instituições, não haveria como centralizar no papel do Estado a gestão dos museus, restando a este a tarefa de orientar os municípios na criação e manutenção de suas instituições. As mesas que se seguiram à conferência de Cecília trataram de oferecer exemplos da aplicabilidade e dos problemas que surgiam a partir da postura defendida por ela, como se verá a seguir.

Antes, em todo caso, valeria comentar o desconforto na plateia gerado por uma afirmação de Cecília ao final de sua exposição: ela dizia que há dois problemas cruciais para se pensar a possibilidade de uma melhora na qualidade das instituições, o primeiro deles sendo a falta de capacitação profissional e, o segundo, a falta de recursos financeiros. Cecília defendia que era preciso atentar para o primeiro, uma vez que, com relação ao segundo, afirmava que sempre há recursos para bons projetos. Alguns participantes que estavam na plateia do evento e que se pronunciaram ao final de cada uma das mesas daquele dia começavam suas intervenções dizendo esperarem que seus projetos fossem suficientemente bons a ponto de merecerem os recursos que solicitavam.

Abrindo as exposições da segunda mesa do dia, que se propunha a comentar as realizações e os desafios da atuação dos pólos regionais, Adriana Silva, Secretária Municipal de Cultura de Ribeirão Preto, comentou a situação dos cinco museus da cidade, apontando para o profundo desnivelamento entre a qualidade dessas instituições e para o fato de que não havia comunicação entre elas – o que para a Secretária Municipal demonstrava ser um problema.

A fala de Adriana Silva parece ter levantado uma série de problemas de fato graves no que diz respeito à gestão e à concepção dos museus para muito além da situação singular da cidade de Ribeirão Preto, muito embora houvesse sempre um otimismo nessa fala, decerto derivado do êxito na inauguração de um Museu do Café na cidade. As falas dos dois expositores que se seguiram à dela trataram, em todo caso, dos mesmos problemas, muito embora sob pontos de vista singulares, como se verá.

Adriana lamentava que a demanda da sociedade civil não pede por museus e que na cidade de Ribeirão a imprensa dita as regras sobre o que deve ou não ser feito no âmbito da política, de modo que a estratégia para começar a arrumar os museus da cidade só poderia ser uma: eleger-se-ia o Museu do Café como o primeiro deles a sofrer intervenções, levando em conta que já haveria alguma demanda da sociedade civil, que identificava a história da cidade com a história do café. Adriana conta que, não tendo conseguido recursos junto aos órgãos públicos, foi atrás de parcerias privadas, desde fábricas de iluminação até fábricas de café; conta ainda que no decorrer dessas negociações técnicos da cidade se sentiram envaidecidos com o projeto e acabaram por nele ingressar como voluntários; planejou-se, por fim, a inauguração do museu na época do aniversário da cidade, o que fez com que se conseguisse últimos recursos para o projeto e adesão da população a ele. Adriana comenta, por fim, que, após não conseguir convencer o poder público da necessidade de contratação de um museólogo, buscou consultorias junto aos órgãos estaduais, até que chegou ao SISEM, quatro semanas antes da inauguração do Museu do Café. A grande participação do órgão teria sido atentar para a necessidade de um projeto museológico, ao que a equipe de Adriana atendeu, elegendo um curador para o museu e para o seu acervo.

Não seria o caso, aqui, de questionar em si a epopeia de Ribeirão Preto em busca de recursos para o financiamento das obras de seus museus. Ela seria reflexo da necessidade de enfeixar um projeto de revitalização de instituições que já existiam, mas que estavam em estado de abandono na cidade. Seria necessário chamar a atenção, antes, diante da história um tanto quixotesca da empreitada, para o espírito comemorativo com que a trajetória da Secretaria da Cultura daquela cidade era recebido no evento (espírito que certamente estava presente quando se elegeu o projeto de Ribeirão Preto para compor uma das mesas do II Encontro Paulista de Museus). E por certo este espírito poderia ser elevado a grande motivo de questionamento de toda a organização do evento: como, afinal, teria sido possível julgar que tem havido uma melhora nos projetos museológicos ligados inicialmente ao Estado de São Paulo, diante da evidência de trajetórias que, não importa se resultaram na consolidação de instituições bem equipadas ou não, demonstram a iminente falência das políticas públicas para a gestão de suas instituições? Como não reparar que o que se impunha, mesa após mesa, eram exemplos de trajetórias institucionais marcadas pelo descaso do Estado, que aparece sempre em algum ponto dessas trajetórias com o papel inventado de “conselheiro”?

Após a exposição da Secretária Municipal de Cultura de Ribeirão Preto foi a vez de José Fábio Nogueira, Secretário Municipal de Cultura de Presidente Prudente, que comentou a organização do museu da cidade, lembrando que a proposta foi desde sempre questionar a capacidade da instituição em contar a história da cidade, para o que contou com a ajuda de um historiador. Contava José Fábio que o museu logo ficou pequeno para o número de atividades de que dispunha, e que foi a partir do projeto museológico que se irradiou a criação de um centro cultural, bem como um estudo sobre a importância histórica de edificações da cidade.

A fala de Carlos Alberto Pereira Jr, Secretário Municipal de Cultura de Iguape, encerrava a mesa. Iguape foi tombada em 2009 pelo IPHAN, fruto de um longo trabalho, que começou com as discussões em torno de um museu de arte sacra fechado há muito tempo, mas que possuía um acervo com peças dos séculos XVII, XVIII e XIX. Contava Carlos Alberto que a população foi se identificando com o museu a partir do momento em que o projeto foi se consolidando, o que, para ele, ocorreu devido à reivindicação de uma atenção para o processo histórico que deu origem àquela comunidade. O tombamento da cidade viria recuperar a estima da população, que, após um momento faustoso no século XIX, teria ficado isolada. Ao final de sua exposição, o Secretário Municipal comentava que hoje o museu luta contra um processo de despejo, e, emocionado, se perguntava se não seria tempo de a comunidade reivindicar tal espaço histórico da cidade.

Com a certeza de que os depoimentos dos três secretários municipais por si sós deixam patentes questões cruciais para se pensar a situação das instituições museológicas hoje, caberia, aqui, apenas, sublinhar o fato de que tais questões se apresentam com valores e importâncias distintos em cada uma dessas situações – talvez como queria pensar Cecília Machado, em sua defesa de um papel de “orientação” para a intervenção do Estado de São Paulo junto a cada uma das instituições municipais.

É preciso indagar, porém, se, muito embora tenha operado notável contribuição para o trabalho dos municípios com relação à organização de suas instituições, uma tal postura do Estado não acaba por se demonstrar insuficiente. Seria preciso que se fizesse uma análise dessas instituições que colocasse em evidência que seus projetos museológicos – mesmo quando existem resultados pontuais positivos – seguem à deriva dos mais diversos e imprevisíveis fenômenos (desde o apoio de empresas privadas até a adesão da população a eles). Quem sabe tal análise fosse capaz de oferecer bons argumentos para que se pudesse indagar, num espectro maior, a eficácia das políticas públicas voltadas atualmente às instituições culturais.