Museus hoje: novas redes, outros públicos
Por Julia Buenaventura de Cayses
Com um público de mais de 800 pessoas vindas dos mais diversos pontos do Estado de São Paulo, foi aberto o II Encontro Paulista de Museus. Ali, um assunto ficou claro: há recursos e há iniciativa, a problemática está em como administrá-los para que possam ser efetivamente destinados à geração e ao desenvolvimento de museus de qualidade. Museus capazes de romper essa distância característica dos museus, para conseguir que, longe de se apresentarem ou como centros turísticos lotados ou como instituições eruditas vazias, possam criar vínculos com a comunidade e gerar novos públicos que encontrem neles outras possibilidades de conhecimento e, mais ainda, de convivência.
E, de fato, o primeiro passo é conseguir que as pessoas atravessem suas portas, um esforço que está gerando resultados: assim como assinalou José Nascimento Júnior, quando expôs que os visitantes de museus no Brasil aumentaram de 15 para 33 milhões entre 2003 e 2009.
Mas é preciso ir por partes. Fernando Leça, Presidente da Fundação Memorial América Latina, deu boas-vindas à platéia, para assim abrir o evento. Na continuação, Claudinéli Moreira Ramos, Coordenadora da UPPM/SEC, fez sua apresentação falando principalmente sobre o público, já não dos museus, mas do Encontro; pois o alvo do evento, além dos acadêmicos, considera diversos profissionais, tais como gestores ou técnicos. Isto com o objetivo de gerar uma integração de todos os participantes que fazem possível o trabalho dos museus.
José Nascimento Júnior, Presidente do IBRAM, fez sua apresentação assinalando que o panorama de gestão do país estava num momento de fechamento de ciclos. Assim, é preciso refletir sobre o já feito, mas também sobre o que ainda está por se fazer, com o intuito de construir uma tradição de pensamento a longo prazo. Por sua parte, Carlos Augusto Calil – Secretário Municipal da cultura, representando Gilberto Kassab, Prefeito de São Paulo–, teve vários pontos contundentes em sua fala. Entre eles, voltar ao título do evento - “Ser diferente. Fazer diferença” - para perguntar como efetivar essa proposta, e depois afirmar que o caminho consistia numa espécie de lição de casa: revisar a especificidade de cada museu, e desde ali estabelecer a função, o público e os interesses da instituição; pois, ainda que possa parecer absurdo, na verdade são muitos os museus que não tem outra característica a não ser o fato de serem museus. O outro ponto fundamental que Calil expôs foi o seguinte: neste momento em São Paulo, para a cultura, há três bilhões de reais brindados pelo Estado e dois bilhões de reais em incentivo fiscal; assim fundos não faltam, mas a política está errada: o patrimônio é deixado de lado, enquanto os eventos efêmeros preenchem as agendas das instituições que deveriam preservá-lo.
Na sua fala, Andrea Matarazzo, Secretário de Estado da Cultura, sublinhou este último ponto, acrescentando: “Ser diferente é administrar bem: dar o certo para as coisas certas”, e afirmando um fato chave sobre os recursos dos museus, ao falar que, ainda que o montante muitas vezes seja pago por uma determinada empresa, na verdade, quem paga é o Estado, por se tratar de uma renúncia fiscal. Isto ajuda a definir a condição pública dos museus: são da comunidade pelo patrimônio que protegem, pela memória que conservam, mas também pelos recursos que os está mantendo. Ao que eu acrescentaria: que as pessoas saibam disso é fundamental, para quando entrarem desde a Pinacoteca até o Itaú Cultural, possam se sentir num espaço próprio e ficar à vontade.
Depois do café (e as bolachas)
Na segunda parte da manhã, foram realizadas duas importantes palestras, mas cujas estruturas e formas de apresentação resultaram quase antagônicas, pois enquanto a primeira encarregou-se de expor todo um aparelho: o funcionamento de uma rede de museus; a segunda consistiu na apresentação de experiências específicas para, a partir delas, propor caminhos de integração entre os projetos culturais e a comunidade.
Ana Tomé, Diretora do Centro Cultural da Espanha em São Paulo, apresentou Carme Prats, Coordenadora Geral do Sistema Territorial do Museu Nacional da Ciência e da Técnica da Catalunha, uma rede de 25 museus encarregados de guardar e dar a conhecer a história de uma das primeiras regiões do Mediterrâneo a ter um processo de industrialização.
Assim, a exposição de Prats mostrou a estrutura de um sistema que, sendo bastante amplo, consegue ser eficiente em termos operativos, o que acontece através de uma organização descentralizada, capaz de possibilitar uma livre comunicação entre as partes. Sobre o funcionamento dos museus em si próprios, foram tratados vários pontos. Primeiro a proposição geral do sistema, no qual não são aceitos edifícios de nova planta, pois entre os objetivos procurados está resgatar um patrimônio de arquitetura industrial. E segundo, a estrutura interna das instituições baseada num relacionamento não hierárquico, o que cria uma espécie de federação, a qual, nas palavras de Prats, está baseada no benefício comum das partes.
A seguinte questão da palestra esteve centrada na geração de novos públicos. Deste modo, foram tratados pontos como a necessidade de uma renovação dos museus tradicionais, onde se tenha na conta dois assuntos: tanto o entorno próximo, os vizinhos, quanto os espaços virtuais, capazes de gerar inumeráveis interessados. Prats também expôs a necessidade de uma mistura entre educação e entretenimento (assunto que em si mesmo pode ser polêmico) e de um marketing capaz de gerar canais de informação e difusão que há um par de décadas não eram possíveis. Para finalizar, Prats mostrou resultados: hoje o turismo industrial representa 10,6% do PIB de um país como a Espanha, o que sem dúvida não é por acaso, é parte de todo este trabalho que vem sendo realizado por esse tipo de redes.
Última participação, última palestra: Gilberto Dimenstein, da Cidade Escola Aprendiz. Bom, mas antes de expor o conteúdo, vale fazer uma observação simples: a capacidade de discurso e o domínio de auditório de Gilberto Dimenstein é algo notável, fato comentado durante o almoço que fechou esta primeira parte do II Encontro Paulista de Museus.
Dimenstein começou assinalando uma problemática que, já tratado por Carlos Augusto Calil e Andrea Matarazzo, resumiu da seguinte forma: “o que me causa incômodo dos museus é o enorme desperdício de patrimônio público”, os fundos subutilizados, desperdiçados, pois, completou, se a corrupção no Brasil gera perdas em torno de 10%, é a má gestão a encarregada de fazer o resto, de dispensar a maior parte dos investimentos.
Daí, Dimenstein passou a falar sobre a concepção fundamental de seu projeto de trabalho, baseado numa união de cultura e educação, e na possibilidade de interligações onde seja a cidade mesma – suas ruas, seus espaços públicos –, um lugar capaz de educar seus habitantes. Desde essa perspectiva, dois projetos foram expostos. O primeiro referente a um cemitério do bairro Vila Madalena, cujas paredes exteriores estavam cobertas por obra dos pichadores, assunto que gerava uma tensão constante na comunidade do setor. Para resolver o problema, Dimenstein propôs um convite simples: chamar os pichadores para fazerem murais numa técnica de azulejos. Bom, depois dos murais terem sido feitos, não só a tensão acabou, mas foi criado um clima de respeito e de pertencimento; de fato, até hoje os muros deste cemitério são respeitados por um “todos”, uma comunidade, que só foi configurada após a experiência.
O outro caso foi a transformação da Escola das Clínicas. Em palavras do palestrante (e, de fato, nas fotos apresentadas), tratava-se de um lugar que mais parecia um centro de segurança máxima que uma escola: a ausência absoluta de cores e as grades sobre as janelas, faziam da paisagem algo certamente triste. Assim, depois de falar com professores e alunos, começou-se uma reforma que mudou tanto a aparência quanto os relacionamentos entre as pessoas e, com isso, elevou a qualidade da educação.
Após estas experiências, mudanças que prescindiram de uma grande escala para resultar efetivas, Dimenstein tratou o tema dos museus ou instituições culturais, cuja oferta é ampla, mas falta incorporação. Fazer que as pessoas saibam da agenda cultural e das possibilidades que oferece à cidade. Por exemplo, a programação de cada SESC é maravilhosa, mas é minúsculo o público vindo das escolas públicas de suas redondezas. Frente a isso, Dimenstein apresentou possibilidades, entre elas o Catraca Livre, um sítio de internet cuja função é apresentar todos os eventos gratuitos que existem na cidade de São Paulo.
Em resumo – e para fechar o texto e a manhã de 22 de junho de 2010: com respeito aos museus, há oferta, há fundos e há iniciativa, o que falta é como canalisá-los na geração de propostas de qualidade capazes de criar novas comunidades, novos relacionamento das pessoas com as pessoas e das pessoas com a cidade. Ou seja, como fazer os museus captarem outros públicos e conseguir aquilo que deve ser o seu principal objetivo: dar uma virada na vida de uma pessoa que, sem ter a menor certeza do que lhe está esperando, decida atravessar suas portas.