Relato Crítico: Painéis Museus na Pandemia: Relatos e Reflexões
Encontro Paulista de Museus
A pandemia de Covid-19, desde março de 2020, alterou profundamente a vida de todas as pessoas, estabeleceu-se mudanças de regras de comportamento, novos hábitos, relações trabalhistas, acentuação de desigualdades sociais, raciais e de gênero. Foram necessárias medidas de distanciamento e isolamento social, o que intensificou o uso das plataformas virtuais para comunicação, relações e trabalho.
Esse contexto permeou os relatos, reflexões e práticas dos representantes dos museus que fecharam durante a pandemia, mas criaram estratégias para continuarem atendendo os seus públicos. Os relatos de diversas instituições e seus representantes foram agrupados em 3 partes/vídeos.
As experiências relatadas no Painel Museus na Pandemia: Relatos e Reflexões demonstraram que a crise potencializada pela pandemia pode servir de guia para uma museologia direcionada à prestação de serviço à comunidade e à formação de ambientes mais participativos.
Um dado positivo deste desafiante contexto é a reflexão de como os museus podem se ressignificar a partir desse cenário caótico e podem criar formas de engajamento do público a partir de narrativas educativas, plurais e inclusivas.
Os museus no pós-pandemia têm a oportunidade de se reinventarem não somente aos protocolos de responsabilidade relacionados ao vírus, mas de serem agentes educativos, culturais e espaços de engajamento comunitário.
O uso de conteúdo online para dialogar com os públicos e compartilhar o acervo foi positivo, pois garantiu a atividade cultural dos museus e ampliou o seu público. A projeção é que a utilização desse recurso não recue, no entanto é necessário continuar propondo ações que reflitam sobre a representatividade do museu, as contribuições que a sua espacialidade e estrutura podem trazer e o seu fomento como um importante recurso de apoio para as comunidades.
Parte 1
Essa seção contou com contribuições do Museu da Casa Brasileira representado por Giancarlo Latorraca; Museu da Imagem e do Som, com Cleber Antônio Papa; Paço das Artes, com Marla Prado; Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM-SP, com Cauê Alves e o) Museu da Construção, com Maria Eugênia Guimarães, todos da cidade de São Paulo;
Da Praia Grande, tivemos o relato de Myller Oliveira de Souza do Museu da Cidade da Praia Grande e o Museu Felícia Leirner de Campos do Jordão que foi representado por Marina Falsetti, Aline Jeronymo, Ana Paula Fernandes, Rosiane Rocha, Bianca Borges, Nicoli Pereira, Jonathan Bulho, Adina Cesarino e Juliana Faria.
Todas as instituições museológicas que participaram dos painéis passaram a disponibilizar a programação em formato online através de exposições e atividades virtuais.
O Museu da Casa Brasileira, que em 2020 completou 50 anos, disponibilizou a sua programação de música por meio de lives e de playlists no Spotify, além de realizar exposição sobre Urbanismo ecológico em parceria com a Universidade de Harvard.
O Museu da Imagem e do Som (MIS) que também completou 50 anos neste ano dentre outras atividades ofereceu cursos online, realizou parceria com o Google Arts and Culture e ampliou os Pontos MIS - programa de formação e difusão cultural com atuação em todo Estado de São Paulo - para outros estados do Brasil.
O relato da representante do Paço das Artes trouxe uma questão importante: “Que contribuição uma instituição de arte e cultura pode oferecer para a sociedade?” Também apontou que além de incorporar os aspectos online e digital os museus devem olhar para a experiência dolorosa vivenciada nesse período de pandemia e as contribuições que podem trazer para tratar de diferentes perspectivas da realidade, além de se constituir como importantes espaços de reflexão, debate, crítica e encontro com o(a) outro(a).
O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) destacou que soube se reinventar e buscou um novo relacionamento com o seu público. Se deslocou para a cidade e estimulou a relevância da arte no contexto da pandemia, sendo que uma das ações mais relevantes apresentou 16 obras do acervo do MAM em 140 pontos de ônibus espalhados pela cidade, onde era possível utilizar o QR CODE para ter acesso a podcasts e informações sobre as obras, além de projeções das obras em grandes empenas de edifícios da cidade de São Paulo.
Maria Guimarães contou que desde 2016 vem trabalhando na criação do Museu da Construção, o qual teve a inauguração adiada em decorrência da pandemia. Participar do Encontro Paulista de Museus em 2020 contribuiu para manter a ideia viva através da escuta e troca de experiências com as instituições museológicas que já existem.
O Museu da Cidade da Praia Grande teve como destaque na sua programação as contações de história online, que trataram da história da cidade.
Diversos trabalhadores do Museu Felícia Leirner participaram do vídeo com seus relatos, destacando parcerias com profissionais de diferentes áreas para elaborar a programação online do museu e o Festival da Terra, com o tema “sustentabilidade”, o qual apresentou vídeos de pequenos produtores e chefes locais com dicas de sustentabilidade e as ações voltadas para professores e guias de turismo que puderam acessar conteúdos para apoiá-los durante a pandemia.
Parte 2
A segunda parte do conjuntos de experiências dos Painéis: Museus na Pandemia contou com os seguintes relatos:
De São Paulo: Museu de Arte Sacra de São Paulo, com Henrico Cobianchi e Vanessa Ribeiro; Museu da Imigração, com Mariana Martins; Memorial da Resistência, com Aureli Alves de Alcântara; Do Guarujá: Museu da Fortaleza da Barra Grande, com Michele Coccini; De Tupã: Museu Índia Vanuíre, com Tamimi David Borsatto
O Museu de Arte Sacra de São Paulo disponibilizou 200 peças de seu acervo em formato virtual na plataforma do Google Artes e se tornou o primeiro museu dedicado à arte sacra e barroca a disponibilizar o seu acervo em formato digital. Foram realizadas ações para professores e profissionais de turismo e atividades para grupos escolares com destaque para a parceria com o Instituto Rio Branco para crianças surdas.
O Museu da Imigração estabeleceu pontos de conexão entre a experiência migratória e a experiência da pandemia de Covid-19. Foi realizada a série “Mobilidade humana e corona” com a participação de imigrantes e pesquisadores de diversas áreas para traçar diálogos sobre a pandemia, tratar de vivências e esboçar futuros. No jardim do museu foi inaugurada a instalação “Respiro”, que buscou dialogar com o público acerca das inquietações desse período.
A produção de novos conteúdos e a reorganização dos conteúdos já produzidos de forma a abranger diversos perfis de público foi o foco das ações do Memorial da Resistência. Foram desenvolvidas atividades que buscaram relacionar as memórias de resistência e opressão do período republicano e da ditadura civil-militar com o contexto da atual pandemia. Dentre as ações foi solicitado que o público enviasse fotos que foram tiradas no memorial para a partir daí serem desenvolvidos jogos que foram disponibilizados no próprio site do Memorial.
O Museu da Fortaleza da Barra Grande do Guarujá realizou diversas intervenções artísticas, como lives e apresentação de uma orquestra.
A intensificação da programação online, de forma a disponibilizar as atividades que aconteciam no museu em versão virtual, foi o destaque do relato da representante do Museu Índia Vanuíre, como o Programa Mensal Saberes e Fazeres Indígenas, o qual promoveu o diálogo entre o indígena e grupo online.
Painel 3
O terceiro e último conjunto de experiências apresentou os seguintes relatos:
De São Paulo: Museus Casas Literárias, com Marcelo Tápia e Alexandra Rocha; Museu da Língua Portuguesa, com Marina Toledo; Museu Florestal Octávio Vecchi, com Paulo Andreetto de Muzio e Natália Ferreira de Almeida; Museu do Futebol, com Ialê Cardoso
De Santos: Museu do Café, com Marcela Rezek Calixto.
De Brodowski: Museu Casa de Portinari, com Cristiane Maria Patrici, Matheus Cardoso Maia, Letícia Eduardo Toloi, Vitor dos Santos Molinari, Fernanda C. da Costa Bergamo e Bethânia Bravo Arruda
Museus-Casas Literários: Casa Guilherme de Almeida; Casa Mário de Andrade e Casa das Rosas procuraram se adaptar rapidamente para enfrentar os novos desafios do contexto da pandemia de forma a prosseguir com as atividades culturais e educativas que passaram a ser realizadas por meio de plataformas digitais. Foram realizadas 250 atividades culturais com 10 mil participantes e 267 mil por meio das mídias sociais. Também foi realizado o V Encontro de Museus-Casas Literários, o qual tratou dos desafios enfrentados no contexto da pandemia e reuniu representantes de instituições de todo país. Foi colocado como grande desafio encontrar com os públicos em vulnerabilidade social e também com os públicos escolares que antes frequentavam as Casas de Cultura. Como recurso foi utilizado a entrevista a representantes desses públicos para falarem de seus trabalhos e obras.
“Como você está se sentindo nesse momento que estamos vivendo?” foi o primeiro trecho da reflexão de Ellen Queiroga, lida no início do relato do Museu da Língua Portuguesa. O escrito faz parte do Projeto Palavra no Agora, desenvolvido pela referida instituição, com o objetivo de desenvolver ferramentas para ritualizar e expressar a dor e ajudar as pessoas no contexto da pandemia. O museu também desenvolveu parcerias com o “Laboratório de estudos do luto”, da PUC-SP com a Faculdade Cásper Líbero e com a Internet Lab.
Como destaques de sua programação, o Museu Florestal apresentou a caminhada histórica em formato virtual que foi transmitida em sua rede social em formato de live, o concurso fotográfico que virou exposição virtual e as contações de histórias com temas ambientais e folclóricos que contaram com a participação de pessoas de diversas regiões do Brasil.
O Museu do Futebol dentre outras atividades realizou o ciclo de webinário para profissionais de museus, o qual tratou de gestão de comunicação social, ações educativas durante a pandemia e gestão de risco em meio a pandemia para profissionais de museus do Brasil e do exterior. O Núcleo Educativo do museu transformou o projeto Revivendo Memórias, que atendia presencialmente em visitas educativas idosos com Alzheimer por meio de uma parceria com a equipe do Núcleo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas, em visitas de atendimento online. Os encontros aconteceram duas vezes por semana com idosos que estavam isolados e em outros dois dias com idosos que viviam em instituições ou estavam em situação de vulnerabilidade social ou com deficiência. O projeto foi ampliado para idosos sem Alzheimer.
Na cidade de Santos, o Museu do Café buscou definir coletivamente as estratégias de ação para se adaptar à nova realidade imposta pela pandemia. A equipe, de acordo com o relato, já estava muito integrada por causa de um sistema de formação e rede que já vinha sendo adotado há muito tempo, o que possibilitou a manutenção dos vínculos entre os funcionários dos diferentes setores. Através do desenvolvimento de um plano de retomada de atendimento com protocolos e procedimentos, o Museu do Café se tornou o primeiro a abrir as suas portas para o público externo.
Membros da equipe do Museu Casa de Portinari relataram as boas práticas durante o isolamento social, o uso das plataformas digitais pelo Educativo, o processo de imersão na essência do museu para mantê-lo próximo de seu público e a reorganização do espaço interno. Como um dos destaques da atividade foi desenvolvida a atividade Acervo em instantes, na qual foram realizados vídeos contando curiosidades do acervo.
A contradição como potência
O conjunto de relatos demonstra que as instituições museológicas se esforçaram para disponibilizar a sua programação em formato online, incrementar as suas atividades educativas e ampliar o seu público, contudo considero importante que os museus incorporem as pautas sociais que emergiram no contexto da pandemia como a questão ambiental, o racismo estrutural, a polêmica acerca da derrubada de monumentos históricos que faziam alusão ao colonialismo e ao racismo e o acirramento das desigualdades sociais e de gênero; das práticas apresentadas durante o Painel poucas remetiam a esses fatores.
O contexto hodierno oferece a oportunidade dos museus se debruçarem sobre o seu caráter contraditório: uma prática que questione o museu e também o transforme. Há estudos sobre a história de instituições profundamente vinculadas ao colonialismo e à constituição e manutenção dos valores ocidentais, em muitos casos existem fundações e coleções que surgiram em relações de violência e colaboram para que essas se mantenham em uma proposição autorreflexiva, se reconhece a cumplicidade de muitos museus nesses processos, mas questiona-se acerca de possibilidades de ação, devido a sua posição de poder, eles também poderiam ser protagonistas de mudanças.
Essa proposição autorreflexiva possibilita realizar o que James Clifford chamou de museu como “zona de contato”, na qual “sua estrutura organizacional enquanto coleção se torna uma relação atual, política e moral concreta – um conjunto de trocas carregadas de poder, com pressões e concessões de lado a lado”. Nesse sentido, o museu é convocado a ampliar responsabilidades, engajamento e reflexão.