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Relato crítico da mesa de debate “Natureza e Humanidade

Relato Crítico por Brisa Noronha – Eixo Ambiental da Sustentabilidade em Museus”, com Eunice Laroque, Arturo González e Angelica Fabbri Mediadora: Ana Lourdes Costa

Por Brisa Noronha



A mesa de debates começa com uma rápida fala da mediadora, Ana Lourdes Costa, coordenadora da área de Promoção da Coordenação de Promoção e Gestão da Imagem Institucional (CPGII/DDFEM) do IBRAM desde 2009, colocando o tema central a ser discutido: “Natureza e humanidades se interconectam, precisam continuar existindo de forma digna”.

 

A primeira palestrante, Eunice Laroque, discorre sobre sua experiência como diretora do Museu de Arqueologia de Itaipu/IBRAM em Niterói. Criado em 1967, pelo IPHAN, o museu se encontra dentro das ruínas do Recolhimento de Santa Teresa (antigo recolhimento de mulheres que durou pouco tempo), sítio histórico construído em 1764. Quando foi desativado, o local passou a ser ocupado por pescadores, que ali viviam e trabalhavam. Em 1955, o Recolhimento de Santa Teresa foi tombado pelo IPHAN e o sítio foi então desocupado, desalojando os pescadores.

Por muitos anos, o Museu de Itaipu tratou dos sítios históricos e pré-históricos existentes naquele território. Além do Recolhimento de Santa Teresa, existiam na região dois sítios arqueológicos de sambaquis, chamados Duna Pequena e Camboinhas. Na década de 1940, esses sítios foram dizimados durante a construção do canal que liga o mar à lagoa de Itaipu. A comunidade local reconhece a construção do “Canal da vergonha” (como é chamado por eles) como responsável pela destruição de um enorme patrimônio arqueológico. Sobre esse episódio, Eunice chama atenção ao fato de que, naquela época, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, tinha seu escritório no local.

De 2009 em diante, a partir da criação do Instituto Brasileiro de Museus, IBRAM, o Museu de Itaipu tem como missão o resgate das histórias da comunidade em relação aos sítios históricos e pré-históricos. A partir de 2015, já em sua gestão, foi feita uma oficina de inventário participativo de referências culturais, e desde então trabalham nessa perspectiva. Esse processo teve como primeira etapa buscar referências culturais de histórias de vida, e o resultado foi um livro (disponível em http://museudearqueologiadeitaipu.museus.gov.br) e um extenso arquivo audiovisual contendo relatos de pessoas que iam sendo indicadas pela própria comunidade como representativas. Esse método vem sendo aplicado para resgatar o valor dos povos originários, protegendo as memórias afetivas da região e das famílias que ali habitam.

Segundo Eunice, desde 2010 o Museu tem se empenhado fortemente nessa aproximação com os pescadores, que lutam pelo território desde a década de 1960, quando começaram os empreendimentos imobiliários e, consequentemente, a especulação. O Museu se coloca cada vez mais engajado na luta por garantir esse território à comunidade pesqueira. “Se o museu não está a serviço do povo, ele não tem necessidade de existir. Se não está inserido em sua comunidade, se não é respeitado por ela, se não guarda a história e identidade de seu povo, ele não tem valor nem importância para a cidade”, afirma.

 

Eunice relata que a própria coleção do Museu, que atualmente conta com 1300 peças, foi formada com a ajuda da comunidade, e aponta que pesquisadores recorrem a ela para se informarem e realizarem pesquisas acadêmicas, mas que as descobertas da academia muitas vezes não retornam para a comunidade a qual servem.  A palestrante finaliza sua fala reforçando então a importância da aproximação e do engajamento entre museu e as pessoas de um lugar, que devem ter garantido o direito de contar sua própria história.

 

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O segundo palestrante da mesa foi Arturo Gonzalez, que desde 2002 é diretor do Museu do Deserto, em Saltillo, Coahuila, no México. De princípio, Arturo declara que faz vinte anos que considera o museu como um ecossistema, estudando, reconhecendo e cuidando de tudo que está em seu entorno e repassando esse conhecimento ao público e a comunidade, criando assim uma noção de identidade e pertencimento em relação ao deserto. Segundo ele, os fósseis são como monumentos à história, concebidos pela própria natureza para registrar o curso da vida, e que as adaptações da vida na Terra podem sempre ser relacionadas à realidade atual.

Assim como Eunice, Arturo considera o Museu como ponto central para sua região e comunidade, mas lembra que, mesmo inseridos em um ecossistema maior, oferecem um produto comercial, e que é desse produto que se sustentam e mantêm suas pesquisas. Daí a importância de se manterem atrativos, preparados para lidar com a complexidade e os desafios do contexto latino americano, como a enorme desigualdade social, por exemplo. Assim, o Museu do Deserto tenta oferecer uma leitura que seja de interesse público geral, e por consequência tem alcançado êxito em se sustentar com suas próprias atividades, tendo como resultado a sustentabilidade institucional.

Nesse ponto, Arturo toca em um ponto delicado: a importância de um museu ter programas que satisfaçam seu público, não apenas porque deve servir à comunidade, mas porque depende dela para sobreviver. De acordo com sua fala, entende-se que o Museu do Deserto não conta com outros patrocínios, como é o caso da Pinacoteca e do MASP, por exemplo. Assim, está colocada a problemática relação entre programação do museu e consumo de ingressos, lembrando a polêmica questão da transformação de espaços museológicos, que deveriam gerar reflexões sociais, em puro entretenimento. De todo modo, o convidado não se aprofunda nessa questão, mas explica, em seguida, como fazem para estarem sempre atualizados.

 

Para realizar o objetivo de se manter interessante, é fundamental que as informações difundidas pelo programa do museu sejam sempre renovadas, trabalho feito pelos grupos de pesquisas científicas, que atuam constantemente e repassam rapidamente suas descobertas ao museu, e este para seu público. Outra maneira de manter a programação viva são as exposições temporárias, algumas delas organizadas pela comunidade local, como pintores e artesãos que vivem no deserto.

Arturo relata ainda como o Museu e suas atividades representam agentes capazes de gerar segurança e reduzir a violência nas comunidades, especialmente se contar com o apoio do governo, da sociedade civil e de empresas locais. O palestrante encerra sua fala enaltecendo o debate proposto pelo IBRAM, pois acredita que as trocas entre museus e seus diretores são fundamentais para que todos se beneficiem e se engajem cada vez mais com seus entornos, comunidades e natureza.

 

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Angélica Fabbri, Diretora Executiva da Associação Cultural de Apoio ao Museu Casa de Portinari (ACAM) - Organização Social de Cultura, parceira da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, foi a terceira e última palestrante. Discorreu sobre possibilidades e perspectivas da sustentabilidade ambiental em museus, por meio das experiências de três museus estaduais do interior de São Paulo: Museu Casa de Portinari, em Brodowski, Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre, em Tupã, e Museu Felícia Leirner, em Campos do Jordão. Sua fala foi mais técnica, não entrando tanto quanto poderia nas relações entre o programa dos museus e comunidades, mas demonstrando como a sustentabilidade, do ponto de vista ambiental, pode ser trabalhada.

Com a premissa de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer o futuro, a ACAM definiu compromissos baseados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS, elaborados pela Organização das Nações Unidas - ONU, para a Agenda 2030, buscando contribuir com as mudanças desejadas pela sociedade. Trata-se de um plano que tem como objetivo assegurar que as missões dos museus estejam de acordo com as necessidades de sustentabilidade ambiental - condição que possibilita a manutenção de todas as formas de vida.

Os objetivos relacionados à sustentabilidade ambiental, como proteger a biodiversidade e reduzir a emissão de gases e resíduos poluentes, se ancoram em compromissos e indicadores, e desembocam em ações práticas como, por exemplo, plantio de mudas de árvores para compensar o carbono emitido. Além disso, ocorrem desdobramentos, como as campanhas realizadas por cada museu, como no caso do Museu Casa Portinari, que construiu uma composteira ou, no caso do Museu Índia Vanuíre, que possibilitou o plantio de mudas nativas em um bosque comunitário de sua região. Esse tipo de processo exemplifica como a frente social, a frente de sustentabilidade institucional (mais profundamente discutidas nas falas anteriores) e a frente ambiental se unem e se complementam.

Para finalizar, Angélica retoma a agenda 2030 da ONU lembrando os “5 Ps” que guiam o programa: Pessoas, prosperidade, planeta, parcerias e paz, e chama atenção para o fato de museus de pequeno porte já estarem fortemente envolvidos com a pauta da sustentabilidade ambiental.

 

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Após a fala dos convidados, Ana Lourdes retoma a mediação conectando pontos centrais abordados até então: o valor da pesquisa para geração de conhecimento e como pilar da sustentabilidade institucional, que gera liberdade para gestão; sustentabilidade ambiental como ferramenta de gestão e planejamento; e a relevância da conexão entre museu e comunidades, reafirmada por todos.

Fica clara a necessidade dos museus estarem em conformidade e refletirem as questões de seu tempo e seu entorno, bem como a de se situarem politicamente para agirem em conjunto com a comunidade a qual devem servir. Nesse sentido, o debate final destacou também a importância de valorizar e investir em todas as pessoas que trabalham nos museus, pois a qualificação é uma forma de sustentabilidade diretamente associada aos trabalhadores. Falou-se ainda da necessidade de uma constante revisão dos programas e da transdisciplinaridade das equipes para que possam se engajar na construção de narrativas abertas e de qualidade.

 

Nesse contexto, gostaria de chamar atenção para como o distanciamento entre a comunidade, academia e pesquisadores pode ser prejudicial, como relatou Eunice, ou proveitoso, como demonstrou Arturo. Essa difusão do conhecimento é extremamente útil não apenas quando ele retorna para a sociedade, mas também quando circula entre as áreas de pesquisa. A troca entre os agentes humanos (da área de Museus e de outras áreas) parece ser fundamental para que possamos, todos, continuar existindo, buscando cada vez mais harmonia com o meio (comunidade e natureza). O depoimento de Angélica Fabbri, por exemplo, demonstra como temas da biologia e ecologia podem interferir positivamente no programa de museus que estão em busca da sustentabilidade (do ponto de vista ambiental). As disciplinas se interconectam assim como natureza e humanidade.

A participação do público não acrescentou muito ao que já havia sido dito. Neste momento, Arturo Gonzalez não estava presente, e fez falta. Seria a chance de discutir mais profundamente as diferenças de gestão e de contextos esboçadas por eles em suas falas. A mesa foi encerrada com uma citação do poeta e museólogo Mario Chagas, anteriormente referenciado por Eunice Laroque, e agora retomado pela mediadora: “O museu que não serve para vida, não serve para nada”.