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Museu da Imigração: Processos colaborativos em museus 2o Dia no Atividades

Por Julia Buenaventura – Tarde: Palestra Curadoria colaborativa no Museu da Imigração por Maria Bonas Conte e Mariana Martins; Apresentação do “Projeto Curadoria Coletiva” SISEM-SP por Raquel Fayad; Palestra “Construção da programação MIS Campinas” por Juliana Maria de Siqueira.

Relato por Julia Buenaventura

Coordenadoria dos relatos por Beto Shwafaty

Relato crítico do 2º dia de atividades do 7º Encontro Paulista de Museus

Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus Encontro Paulista de Museus

 

 

Manhã: entre o mundo e o museu

A programação do Museu da Imigração, no segundo dia do 7º Encontro Paulista de Museus (2015), teve dois conjuntos de atividades. Na manhã, foram realizadas visitas tanto ao acervo da instituição quanto ao Arsenal da Esperança, fundação encarregada de acolher mais de mil pessoas sem teto e sem comida na cidade de São Paulo. Na tarde, o público assistiu a três apresentações sobre curadorias colaborativas entre museus ou entre museus e suas comunidades.

O evento começou com uma breve apresentação da diretora do Museu da Imigração, Maria Bonas Conte, abordando o funcionamento da instituição, sua relação com os imigrantes do passado e os atuais, e as perguntas – sempre presentes – sobre o que é um acervo? Como fazer a seleção de objetos? Que deve ser conservado e que deve ser descartado? Questionamentos colocados diante uma coleção que conta com mais de 12 mil objetos: desde antigas caixas de chapéus e câmeras fotográficas do começo do século XX, até pesos de balança, móveis, e naturalmente, malas.

A diretora ressaltou a relação da instituição com os filhos de italianos e europeus que passaram por esse lugar há mais de meio século. Vale lembrar que, chegando a São Paulo, os imigrantes deviam permanecer nas instalações do atual museu durante 40 dias, para comprovar que não tinham enfermidades e, então, seguir em direção das fazendas de café no interior do Estado, onde a vida não seria nada simples. Assim, o prédio em si mesmo carrega uma história enorme, pois se trata da primeira morada que tiveram, na América, mais de dois milhões e meio de pessoas.

Subsequentemente, Bonas Conte explicou a relação do museu com os novos imigrantes, insistindo que a instituição não tem uma ideia “salvacionista”, “paternalista” ou “messiânica” – posição que deixou claro um distanciamento patente do museu (ou de sua diretoria) com a situação dos atuais imigrantes, mesmo que o museu organize atividades como a Festa do Imigrante, evento que acontece cada ano.

Em seguida, visitamos o arquivo do museu, acompanhados de algumas explicações sobre a conservação dos 12 mil objetos, assunto que envolve complexos procedimentos de cauterização e uma luta constante contra o tempo.

A visita ao Arsenal da Esperança foi conduzida por Ivan Sbrana. Ágil, rápido e, sobretudo, carente de adjetivos ou protocolos, Sbrana foi nos levando pelo Arsenal, que, como mencionei acima, é um lugar destinado a dar refúgio a 1.200 homens que estão na rua – as mulheres nas mesmas condições são atendidas por outras instituições. O arsenal fornece cama e comida e tem, sobretudo, um espaço para cursos (seis técnicos e dois livres), que funcionam como incentivos para que essas pessoas possam enxergar a possibilidade de um outro futuro. Igualmente, possuem uma sala de TV, de jogos e uma biblioteca, esta última consultada por 150 pessoas a cada noite. Segundo Sbrana, os títulos mais procurados são literatura de alta qualidade.

O lugar é limpo e organizado. Os habitantes podem permanecer por um máximo de seis meses e os horários estão regulados de forma que aqueles que não estão em cursos tenham que sair depois do café da manhã, para só voltar à tarde, prática que visa garantir que cada um procure seu próprio caminho. Assim, no momento de nossa visita o arsenal estava praticamente vazio.

A imagem mais forte que eu vi nos últimos tempos foi o dormitório comum, um armazém enorme que possui cerca de 500 leitos duplos dispostos em perfeita ordem; todos iguais, todos alinhados, perdiam-se no horizonte. Sbrana contou que muitas pessoas perguntavam se aquilo era uma obra de arte contemporânea, uma instalação, ao que ele respondia negativamente. Aquilo é o mundo real.

De fato, passar do museu ao arsenal, ambos no mesmo quarteirão, com a mesma arquitetura, em resumo, compartilhando as mesmas caraterísticas físicas, produzia uma sensação profundamente esquisita. Era como atravessar uma linha entre o real e o fictício, entre o mundo e o museu. O museu era a representação da identidade, enquanto o arsenal não tinha que representar nada, era a identidade presente, patente; era enxergar São Paulo – e com ela nossas grandes metrópoles – sem nenhum tipo de filtro.

 

Tarde: de volta ao museu

Uma vez que atravessamos a grade que dividia um espaço do outro, e depois de um intervalo para o almoço, fomos ao auditório para assistir à primeira palestra ministrada por Maria Bonas Conte – que falou no começo da manhã – e Mariana Martins.

A palestra intitulava-se “Curadoria colaborativa no Museu da Imigração”, e nela foi explicada a restruturação total do museu que reabriu suas portas há um ano, com um projeto curatorial e organizativo diferente do perfil anterior. Conte falou rapidamente, abrindo um espaço de perguntas. Assim, o público indagou, entre outras coisas, como o museu trabalhava com a imigração contemporânea e como eram mantidas as relações com o Arsenal de Esperança. Com humor, a diretora respondeu que trabalhar com migrantes contemporâneos não era uma tarefa simples, de forma que “garantimos a insatisfação de todo o mundo, para que todo o mundo tenha seu próprio espaço”; ato seguido, passou a se referir à Festa do Imigrante como o “sucesso mais incômodo que temos” e terminou assinalando que a relação com o arsenal é difícil, pois além de seus habitantes jogarem bitucas numa antiga máquina de café do museu, eles também trazem gatos.

De outro lado, Mariana Martins abordou o projeto curatorial da instituição, explicando que a proposta é justamente não ter um curador que guie as exposições. Continuando, Martins resumiu as problemáticas sobre a coleção, assinalando a dificuldade na decisão sobre doações, isto é, quais aceitar e quais rejeitar, pois a coleção de objetos não pode crescer ad infinitum. Finalmente, a palestrante mencionou as questões que envolvem a proposta de um museu colaborativo, onde diferentes departamentos mantêm um contato permanente, explicando que a tentativa do museu nesse sentido não foi bem-sucedida, e concluindo que cada departamento deve trabalhar no seu próprio campo.

Faço dois comentários. Em primeiro lugar, a exposição permanente do museu, sem curadoria, entra em contradição com seu acervo de 12 mil objetos, pois eles não aparecem em nenhuma parte. Trata-se de uma sala onde a história da imigração no Brasil é explicada por meio de telas e painéis. Assim, há uma inconsistência entre o acervo e a exposição que revela um vazio nos objetivos do museu; vazio que se filtra por meio da dúvida sobre as doações. Ao final, essa dúvida não seria sobre o que receber ou não, mas versaria sobre um outro ponto: para que guardarmos tudo isso. Essa é uma questão que um museu deve enfrentar constantemente, de forma teórica e prática. Em segundo lugar, é preciso assinalar que várias das afirmações, ainda que expressadas com humor, como piadas, foram desafortunadas, desde a conclusão de que a colaboração entre as diversas instâncias de uma instituição não seja viável, até as tristes referências ao arsenal ou a festa dos imigrantes. Esses são pontos em que é necessário maior aprofundamento, pois, a partir de minha própria perspectiva, estão revelando uma falta de sentido geral, tanto da coleção quanto da tarefa do museu.

A segunda apresentação, intitulada “Projeto de curadoria coletiva do Sisem-SP” foi completamente diferente. Nela Raquel Fayad encarregou-se de explicar como era possível organizar um projeto colaborativo entre pessoas de diversas cidades do Estado de São Paulo: Botucatu, Itapeva, Tatuí, Pratânia, Piraju, São Manoel, Votorantim e Salto. O resultado do projeto foi a exposição “Sinais – Heranças e Andanças”, construída por gestores e funcionários num diálogo coletivo profundo, o que foi possível constatar por meio da apresentação de um vídeo com entrevistas de cada um dos participantes. Assim, ficou claro que o processo foi tão importante quanto o resultado final, isto é, não só se tratava de configurar uma exposição itinerante, mas de criar uma rede de contato humano entre os funcionários de diversas instituições do Estado de São Paulo.

A exposição, que visava configurar um mapa da identidade regional, tinha a peculiaridade de enfrentar problemáticas básicas dos museus de memória histórica. Isto é, a pergunta já referida sobre o que entra ou não em uma coleção? O que é representativo de um grupo humano? Questões abordadas por caminhos interessantes em um nível expositivo, por exemplo, misturando objetos do passado com objetos do presente. Assim, entre ferramentas antiquíssimas aparecia um brinquedo de plástico, de forma que o antigo mostrava o passado do brinquedo, enquanto o brinquedo trazia ao presente as ferramentas antigas, indígenas ou portuguesas. Vários dos organizadores estavam presentes no auditório, e foi perceptível o engajamento com a exposição realizada. Compromisso que se originava do fato de a exposição ser feita pensando no público, no para que e no para quem seria destinada a mostra.

Por fim, Juliana Maria de Siqueira deu a palestra intitulada “Construção da programação MIS Campinas”. Nela foi profusamente referida a história do museu que, fundado por um grupo na década de 1970, teve problemas para encontrar uma sede estável. Contudo, em 2001, foi instalado no Palácio dos Azulejos, de onde tentaram retirá-lo posteriormente; experiência que, ao final, foi positiva, pois chamou a comunidade para defender a instituição.

Nas palavras de Siqueira, o museu está abrindo um canal com o público, uma interação ativa; assim, na comemoração dos 40 anos a instituição decidiu perguntar diretamente às pessoas e visitantes o que desejavam do museu. As respostas serviram de base para realizar o projeto de programação. De igual forma, foi mencionado que o museu deveria deixar de ser um acervo para trabalhar com o presente, proposta interessante mas que não foi explanada na apresentação.

Dessa forma, a palestra sobre o MIS-Campinas foi mais descritiva que analítica. Soubemos da história do museu e sua programação, mas não foram aprofundados casos particulares sobre a construção das atividades ou dos canais de comunicação com o público.

Após essa intervenção, o segundo dia do Encontro no Museu do Imigrante chegou ao seu fim.